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Leonardo Padura: "Em Cuba, sou invisível"

Autor de "O homem que amava os cachorros" fala sobre a vida pacata em Havana, maratonas de séries os inconvenientes do pensamento independente
Leonardo Padura na entrada de Biblioteca Nacional, na Cinelândia, onde participou de um evento em 25 de agosto Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Leonardo Padura na entrada de Biblioteca Nacional, na Cinelândia, onde participou de um evento em 25 de agosto Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO DE JANEIRO - Leonardo Padura tem fala mansa, gestos elegantes e sorriso discreto. Seus pequenos olhos negros, emoldurados por barba e cabelo grisalhos, são acolhedores. Sem esforço, ele faz o interlocutor sentir-se em casa, mesmo que a “casa” seja o saguão de um hotel na Cinelândia.

Não por acaso, o texto do autor cubano também é hospitaleiro. Bastam algumas páginas para o leitor imaginar-se em Havana — sempre Havana. Alguém inclusive já disse que Mario Conde, detetive de seus livros policiais, é o melhor guia turístico da capital.

— É minha missão contar as histórias e a História de minha cidade — diz Padura, 61 anos, cujo grande best-seller é “O homem que amava os cachorros”, romance histórico e antiutópico sobre o revolucionário russo Trótski e seu assassino (que viveu e morreu em Havana, claro).

Sua missão particular às vezes esbarra em planos coletivos. Em seus livros, artigos e entrevistas, Padura não omite as contradições do regime de Raúl Castro; em troca, o governo faz o que pode para atrapalhá-lo — o que, no caso de Cuba, é bastante. As editoras (todas estatais) evitam reimprimir suas obras; as universidades (todas públicas) o ignoram; a imprensa (100% oficial) não o procura.

— Em Cuba, sou invisível — resume.

Não que ele queira badalação. Aproveita a agenda livre para escrever bastante, cultivar a siesta, caminhar a esmo, rever filmes e séries com a mulher, Lúcia, e reunir-se com amigos para jogar conversa fora noite adentro.Um cotidiano que ele relata na entrevista a seguir, realizada no Rio durante um tour nacional coordenado por sua editora brasileira, a Boitempo. A julgar pelas plateias lotadas na série de eventos, visibilidade aqui não é problema.

Leonardo Padura na Tenda dos Autores durante a FLIP 2015 Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo
Leonardo Padura na Tenda dos Autores durante a FLIP 2015 Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo

Você já veio várias vezes ao Rio. O que gosta de fazer quando está aqui?

Caminhar. É o exercício que faço em Havana e em todas as cidades onde posso. No Rio, gosto de andar pelo calçadão de Leblon e Ipanema no fim de tarde. Passear a pé é algo que priorizo nessas viagens todas que vieram com o sucesso de “O homem que amava os cachorros” (2009).

Por que você acha que seu 9º romance virou seu 1º best-seller mundial?

Diferentemente da série policial de Mario Conde, este toca num tema universal, o fim da utopia socialista. Sendo cubano, minha visão sobre isso atrai interesse extra. Usar personagens reais, Trótski e seu assassino, também ajudou. E espero que parte do sucesso venha do trabalho que tive: foram cinco anos até acertar a estrutura de narrativas paralelas.

O que mudou na sua vida com o sucesso?

Fora as viagens? Nada. Ou muito pouco.

Não pensou em, sei lá, mudar de casa?

A casa em que moro, em Manilla, bairro afastado de Havana, foi construída por meus pais em 1954. No andar de baixo vivem minha mãe e meu irmão do meio (são três; Padura é o mais velho e o caçula está em Miami) . Eu e minha mulher, Lúcia, vivemos no puxadinho que construímos no segundo andar. Ali escrevi todos os meus livros. Não me vejo saindo de lá.

E pensa em escrever sobre outro lugar?

Todo romancista é de uma cidade. Eu sou de Havana. Dela tiro minhas referências de comportamento, linguagem. É minha missão contar as histórias e a História de Havana.

O escritor cubano Leonardo Padura em frente à sua casa no bairrode Mantilla, em Havana Foto: Arquivo pessoal
O escritor cubano Leonardo Padura em frente à sua casa no bairrode Mantilla, em Havana Foto: Arquivo pessoal

Já ouvi você falar que todo escritor cubano tem essa “missão”...

Num país onde a imprensa é oficial e só tem um ponto de vista, cabe aos narradores cubanos ampliar essa visão. Não quero fazer política com a minha literatura, não pertenço a nenhum grupo da situação nem da oposição. Digo as coisas que preciso dizer.

Você sofre algum tipo de restrição por ter ser uma voz independente?

No Brasil, faço vários eventos, entrevistas, vou a programas de TV. Em Cuba, sou quase invisível. Faz seis anos que não apareço na TV, e a última vez que falei com um jornalista faz tanto tempo que não lembro. Meus livros tem tiragens mínimas, são mal distribuídos, as pessoas têm de trazer de fora. Pago um preço por escrever o que escrevo, mas pago com tranquilidade. Se a mídia cubana ou quem manda nela não quer que eu seja mais conhecido, é um problema deles. Tudo que preciso é viver no meu país e escrever em paz.

Bom, isso o sucesso deve ter lhe trazido: paz.

Sim. Não penso mais em como pagar as contas. Se algo o dinheiro me deu, foi tempo. Por isso passei cinco anos fazendo “O homem que amava os cachorros”, quatro escrevendo “Hereges” e mais quatro fazendo “A transparência do tempo”, onde volta Conde. Entreguei este há 15 dias.

OK, tempo livre. O que faz nessas horas vagas?

Quando entrego um livro, me sinto vazio...

Ânimo! Como é um dia perfeito para você?

Bom (fica pensativo) . Um dia perfeito para mim é aquele em que eu acordo cedinho e escrevo... (sorri para o repórter) até o meio-dia. Aí eu almoço, faço uma siesta e desço ao pátio para cuidar das plantas. Tenho bananeira, abacateira, mangueira. Aí faço aquela caminhada que mencionei e, à noite, me sento com Lúcia para ver um bom filme ou uma boa série.

O escritor cubano Leonardo Padura em seu home-office, em Havana Foto: Arquivo pessoal
O escritor cubano Leonardo Padura em seu home-office, em Havana Foto: Arquivo pessoal

O que vocês veem?

Inventamos programações de filmes, ciclo Polanski, ciclo Tarantino. Vemos séries antigas, como “The wire” e “Breaking bad”, e novas, como “House of cards”, apesar da última temporada, estranha. Gosto muito também dessas séries nórdicas, como “The Killing” e “Borgen”. É um exercício: aprendo lendo Hemingway e vendo séries.

Que achou de "Quatro estações de Havana", adaptação de seus romances policiais na Netflix?

Achei execelente! Eu e minha esposa fizemos os roteiros! ( Risos. )

OK, você não é isento para falar.

Posso elogiar a atuação de Jorge Perugorría? É meu amigo, ele sempre quis fazer este papel, e foi um detetive Conde bem convincente.

Em Havana, todo mundo se conhece, se vê?

A casa do Perugorría é um ponto de encontro. Fica de frente para o mar, a gente vai lá e passa a noite falando sobre todos os assuntos.

Não há restrições nessas conversas?

Por receio de haver alguém do governo infiltrado? Não há essa paranoia. Fala-se livremente. Talvez leiam meus e-mails. Mas aqui liam os da Dilma, ninguém está livre, podem ler.