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Fotógrafo vira motoboy de lanches na pandemia e abre galeria de arte na comunidade onde vive

Conheça a história e o trabalho de Allan Weber, carioca que registra as vivências como entregador e do lugar onde mora, em Cordovil
Foto da série "Descoloração pro fim de ano". Foto: Allan Weber / Arquivo
Foto da série "Descoloração pro fim de ano". Foto: Allan Weber / Arquivo

A cidade passeia pelo meu visor / Quero ver os problemas só pelo retrovisor / Desenrolar o esquema é tema, porque sou liso”. A música “Vida de motoboy”, de Emicida, reflete a realidade de milhões de brasileiros que levam a vida sobre duas rodas, como o carioca Allan Weber, de 28 anos. Morador da comunidade Cinco Bocas, em Cordovil, Zona Norte do Rio, ele perdeu o trabalho como faz-tudo de uma grande marca de moda no início da pandemia. Para conseguir sustentar a família, virou entregador de uma rede de delivery: “No começo foi a maior doideira, porque não tinha ninguém na rua, só os motoboys”.

Allan Weber Foto: Mariana Benzaquen
Allan Weber Foto: Mariana Benzaquen

O cenário inédito o inspirou a registrar o dia a dia das entregas com uma câmera analógica, que usava para clicar os amigos em andanças de skate, rolés de pipa e desfiles de bate-bola. O ensaio, batizado de “Tamo junto não é gorjeta”, reúne imagens coloridas e em preto e branco que vão de registros de embalagens de lanches a retratos de colegas de profissão e clientes.

Em maio deste ano, o trabalho documental estampou a capa da revista ZUM, do Instituto Moreira Salles. “Às vezes eu chegava encharcado de chuva, corria risco para entregar um lanche e o cliente respondia: ‘valeu, tamo junto’. Não estamos juntos, estamos em realidades diferentes”, afirma. “Muitos nem davam boa noite. Oferecer um copo d’água já ajudaria.”

Allan não tem formação artística, é autodidata. O aprendizado veio das ruas: ele começou a fotografar com a galera do skate da Lagoa Rodrigo de Freitas, em 2016. À época, passou a frequentar galerias de arte e conheceu o artista carioca Zé Tepedino, que o levou para trabalhar nas produções da Osklen, em seguida. Nessa experiência, lapidou o olhar durante a rotina de ensaios fotográficos e desfiles.

Escultura criada com câmeras analógicas para a série "Traficando Arte". Foto: Divulgação
Escultura criada com câmeras analógicas para a série "Traficando Arte". Foto: Divulgação

Em 2020, Allan lançou o livro “Existe uma vida inteira que tu não conhece”, com as séries “Pipandemia”, “Bate-Bola” e “Descoloração pro fim de ano”. “Você não sabe o que os entregadores passam. Por meio dessas fotos eu falo sobre isso. E isso serve para a galera do meu bairro também, o acesso a esse tipo de conteúdo faz muita falta por aqui. Um amigo meu nem sabia que existia livro só de foto”, diz.

Atualmente, ele sonha em poder viver da arte e se tornar referência para as crianças e adolescentes de onde vive. O primeiro passo foi dado: no início deste mês, Allan abriu uma galeria de arte na comunidade com a exposição “5B Fashion Week”, uma série que carrega as influências de sua passagem no mundo da moda. “Eu sempre achei meus amigos muito bonitos. Isso me instigou a fazer esse ensaio com uma abordagem mais produzida”, conta. E assim, aos poucos, os problemas vão ficando pelo retrovisor.

Galeria aberta por Allan na rua onde vive, em Cordovil. Foto: Divulgação
Galeria aberta por Allan na rua onde vive, em Cordovil. Foto: Divulgação
Uma das fotos da série "5B Fashion Week". Foto: Divulgação
Uma das fotos da série "5B Fashion Week". Foto: Divulgação