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Ludmilla fala sobre namoro com dançarina, ameaça de ex-empresário e comparações com Anitta

'É uma honra ser comparada', diz a cantora
Camisa Saint Laurent, saia Flayza Vieira Couture, anel e pulseira, ambos Sara Joias Foto: Pedro Bucher
Camisa Saint Laurent, saia Flayza Vieira Couture, anel e pulseira, ambos Sara Joias Foto: Pedro Bucher

"É muito ruim viver escondendo quem você realmente é”, diz Ludmilla , enquanto reflete sobre as motivações que a levaram, no início do mês, a tornar público o namoro com a bailarina e blogueira Brunna Gonçalves . “Vivi por muito tempo essa angústia. Já sou uma pessoa que carrega uma mochila lotada de preconceitos. Negra, funkeira, periférica e bissexual... Pesado, né? A maioria dos hipócritas não suporta isso. Tem que ter muita disposição para assumir tanta coisa.”

Confortavelmente sentada com os pés apoiados numa segunda cadeira, a cantora e compositora de 24 anos fala com desenvoltura sobre suas atitudes pessoais e profissionais, enquanto finaliza o cabelo, no camarim do estúdio de fotos. Poucos dias depois de lançar o seu primeiro DVD, uma megaprodução cheia de efeitos especiais, Ludmilla parece leve e realizada em todos os aspectos de sua vida. Talvez, por isso, a vontade de não guardar segredos. “Era chato ter que ficar mudando de assunto quando alguém chegava, conversar em códigos com os amigos.”

Ela decidiu falar sobre o namoro, coincidentemente,no mês do Orgulho LGBT — o dia 28 é lembrado mundialmente pelo episódio em que frequentadores do bar Stonewall Inn, em Nova York, começaram a reagir às batidas feitas por policiais que perseguiam, por “conduta imoral”, gays, lésbicas e transexuais que iam o local. Uma sincronia que vem a calhar no Brasil, país que mais mata LGBTs no mundo, segundo o Grupo Gay da Bahia. Desde que a história de amor veio a público, as redes sociais da cantora têm sido inundadas com mensagens de apoio e relatos de pessoas que decidiram “sair do armário” ao lado dela. “Estou disposta a fazer o que puder para ajudar esse público”, avisa.

Brunna e Ludmilla se cruzaram pela primeira vez há alguns anos, quando a cantora montou o seu primeiro balé. “Olhei para ela e pensei: ‘hum, que chuchuzinho’”, recorda-se Ludmilla, soltando uma risadinha. Mas, logo depois, Brunna embarcou para uma temporada de dois anos nos Estados Unidos, até voltar para a trupe da cantora. “Ficamos uma, duas vezes. Gostei, mas não queria nada sério com ninguém no início. Continuamos amigas, até que a paixão pegou, e não tivemos para onde fugir.” Brunna corrobora a história e afirma estar no melhor momento de sua vida. “Estamos realizadas em viver o que sempre sonhamos, sem precisar nos esconder”, diz. “Antes de sermos namoradas, éramos amigas e descobrimos o que é amar de verdade juntas.”

Ludmilla afirma não ter sido essa a sua primeira experiência com mulheres. Porém, foi a única vez que sentiu “vontade de assumir um relacionamento com uma menina”. “Foi quando senti mais amor e me vi mais encorajada e livre, com a cabeça firme de que sou dona de mim”, conta.

A notícia, segundo ela, foi dada publicamente sem qualquer planejamento prévio já que, sempre que comentava sobre isso com a sua equipe, era aconselhada a deixar o assunto para depois. Embora considere a reação do público muito melhor do que esperava, a cantora não nega que o preconceito logo se fez presente: “Apareceram várias pessoas querendo fazer comerciais, dar patrocínios, mas também perdi contratos.”

Fiel escudeira, a mãe de Ludmilla, a empresária do ramo da beleza Silvana Oliveira, de 44 anos, foi uma de suas maiores apoiadoras. A relação entre as duas é de total transparência, e a cantora sempre dividiu tudo com ela. “Quando fiquei com uma menina pela primeira vez, ela se sentiu superfeliz por eu ter contado logo. Ficou surpresa, claro, mas me apoiou o tempo todo. Foi assim quando perdi a minha virgindade também. Ela me levou ao ginecologista, onde aprendi como me proteger. Tenho falado sobre isso com todo o mundo. É muito importante ter um diálogo com os pais. Se eles não são abertos, procure uma pessoa mais velha de sua confiança que possa aconselhar você”, conta ela, cujo pai “nunca foi presente”.

Para Silvana, tudo o que a filha passou nos últimos dias serve de lição para muita gente. “Amor não tem que ser escondido, tem que ser exposto. É por meio disso que vamos transmitir esse sentimento às pessoas. Fiquei muito feliz ao ver a felicidade dela em poder estar com a Brunna onde quiser”, comenta a mãe, ponderando que esse momento não deveria ser encarado como “difícil”: “Era para ser leve, saudável, bem aceito, porque é uma escolha dela.”

A segurança com que Ludmilla fala sobre os assuntos abordados nessa conversa tem a ver com os quilômetros já rodados, apesar da pouca idade. A carreira iniciada na adolescência, ainda sob a alcunha de MC Beyoncé, uma referência à sua maior ídola, foi intensa desde o começo, quando estourou com hit “Fala mal de mim” (“Não olha pro lado, quem tá passando é o bonde/ Se ficar de caozada, a porrada come”). Nessa época, ela fazia vários shows numa mesma noite, como aconteceu em Porto Alegre, numa ocasião em que cumpriu uma agenda de nove apresentações terminada com o dia raiando, aos 16 anos. “Chegava aos lugares, e não tinha nada no camarim. Minha mãe precisava comprar água para mim. Lembro de pensar em como queria dar o meu máximo para um dia ter um camarim só meu, com comida, Danoninho, som alto, luz no chão e um painel com o meu nome atrás”, descreve. “Toalhas brancas?”, pergunta o repórter. “Gosto de toalhas pretas.”

Quase dez anos depois, a cantora está exatamente onde sonhava, com direito a pompa e circunstância. Ao chegar para essa sessão de fotos, logo brotaram fãs pedindo selfies , que foram prontamente atendidos, enquanto ela seguia pelos corredores, acompanhada por toda a sua equipe, entre seguranças e assessores pessoais (uma exigência de sua produção). “Sempre tive bastante gente trabalhando comigo. Então, já me acostumei e acho estranho quando estou sem eles. Enquanto estou aqui fazendo o cabelo, a Ana está vendo as roupas e o Marcos, o que vou fazer depois. Meu tio também está conferindo para onde vou e o Roque cuidando da gente, porque você sabe que, quando começamos a ficar em ascensão, podemos atrair pessoas de todo o tipo”, lista ela, sobre um entourage que chega facilmente a dez pessoas.

Quem vê a pop star brasileira requebrando sobre os palcos em figurinos sensuais pode achar que está diante de uma figura cuja autoconfiança é nata. Mas isso também foi galgado ao longo dos anos. A virada de chave, diz Ludmilla, veio quando foi convidada para cantar no aniversário da promoter Carol Sampaio, no Copacabana Palace, lugar onde a jovem nascida em Duque de Caxias jamais havia pisado. “Quando ela me chamou, me arrepiei dos pés à cabeça. Pensava que não tinha roupa, postura e beleza para estar lá. No dia da festa, fiquei encostada num canto, me sentindo mal. Não parecia que eu era daquele lugar”, recorda-se. “Então, pensei: ‘essa agora é a minha vida e esses são os lugares que vou frequentar.’”

Carol ainda tem memórias bem nítidas desse dia. “Ela ficou supertímida, olhando para os lados, como se estivesse num universo paralelo. Mas, de lá para cá, conquistou um mundo inteiro sem perder a essência. Faço as suas festas de aniversário e a preocupação dela é com a turma dela, a galera de Caxias”, comenta a amiga.

Parte dessa força vem das próprias colegas de profissão. Anitta, por exemplo, com quem Ludmilla já foi comparada inúmeras vezes, virou amiga pessoal. “Antes, as pessoas conseguiam entrar na nossa mente para causar rixas e picuinhas, porque não nos comunicávamos”, pondera Lud. “Hoje, estamos muito mais preparadas para isso. É uma honra ser comparada a essas mulheres. Já viu quem elas são? O caminho que elas trilham?” Coisas de quem precisou lidar com muitas adversidades até assumir as rédeas de sua produção. Um desses momentos, ela conta, foi quando descobriu que um antigo empresário lhe repassava valores abaixo dos cachês pagos pelos shows, além de tolher suas ambições como artista. “Chegava aos lugares,e as pessoas diziam: ‘pagamos tanto pelo seu show e só chegou determinada quantia na sua mão.’ Estava ficando bem triste com isso. Quando disse que queria substituí-lo, ele respondeu que, então, eu precisaria parar de cantar”, recorda-se. “Ele chegou a ir acompanhado por homens armados na minha porta, na casa do meu tio, dizendo que, se não seguisse com ele, não cantaria em lugar algum. Anunciei o fim da carreira e realmente achei que tivesse acabado. Mas a arte bate no meu coração. Corri atrás de outro empresário e retomei o meu caminho.”

A gravação do seu DVD “Hello mundo”, feita em fevereiro deste ano com casa lotada, numa grande arena na Barra, foi a consagração de todo o empenho ao longo desses anos. “Quando acabei de cantar a última música, foi como se tirasse um Copacabana Palace das minhas costas”, diz ela, citando o lugar que, um dia, pareceu não ser seu.