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Muniz Sodré recebe alta de hospital e relata a montanha-russa de emoções de 40 dias de internação devido à Covid-19

Jornalista e professor emérito da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi entubado duas vezes. 'Eu que adoro frio, tomei horror. O CTI é uma Sibéria'
Muniz Sodré Foto: Ivo Gonzalez
Muniz Sodré Foto: Ivo Gonzalez

Quarentas dias. Esse foi o tempo de internação devido à Covid-19 que o jornalista, sociólogo, tradutor e professor emérito da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Muniz Sodré, de 78 anos, completou, na última segunda-feira. Ontem, quinta-feira, dia 11, ele teve alta do hospital. “Veio de uma hora para a outra, eu já estava em isolamento social”, lembra o acadêmico baiano, autor de mais de 40 livros. Tudo começou com uma febre alta, decorrente da pneumonia, que o levou a procurar atendimento médico no Pró-Cardíaco. “Passei a noite lá e, depois, já não me lembro direito”. No dia seguinte, Muniz foi internado no Hospital Quinta D’Or, onde foi entubado, pela primeira vez, por 10 dias. “Saí dia 13 de maio, não à toa, dia de Preto Velho.” Permaneceu no CTI até ser entubado de novo por quase uma semana. Na sequência, passou pela unidade semi-intensiva até chegar a um quarto “mais brando”, onde se recuperou da doença. “Todos os meus exames dão que estou bem”, comemora o jornalista. Na última segunda-feira, ele concedeu essa entrevista. A seguir, trechos do seu relato.

Muniz Sodré na sua posse na Academia de Letras da Bahia Foto: Arquivo pessoal
Muniz Sodré na sua posse na Academia de Letras da Bahia Foto: Arquivo pessoal

Milagre

“Estou me recuperando, o meu caso foi grave, mas tive muita sorte. Fui, primeiramente, ao Pró-Cardíaco procurar o cardiologista Claudio Domênico, que é um médico top, de arromba mesmo. Ele e sua equipe estão me acompanhando e, se não fossem eles, tudo teria sido bem mais duro. Acordei no hospital com Domênico dizendo: ‘Você ficou dez dias entubado’. Naquele momento, senti que foi um milagre.”

Hospital e CTI

“Tive uma experiência de hospital que nunca havia tido. É uma organização extraordinária. Os enfermeiros, os técnicos de enfermagem são todos muito competentes e cuidadosos. Ficar acordado no CTI é barra. Eu que adoro frio, tomei horror. O CTI é uma Sibéria. Tive sensações desagradáveis ligadas ao frio. Por meditar, procurei passar por uma experiência de ‘quietação’, simplesmente ficar quieto, não fazer nada e deixar a mente fluir.”

Amor

“Minha grande preocupação no CTI era a Raquel ( Paiva, jornalista, professora e mulher de Muniz) , de não vê-la mais. Uma enfermeira me emprestou o telefone e ligou para ela, que não estava esperando aquela ligação. Foi quando nós nos revimos. Eu desabei, a emoção foi mútua. Ainda não nos encontramos fisicamente, ela está em isolamento e não quero que venha aqui.”

Raquel Paiva e Muniz Sodré Foto: Arquivo pessoal
Raquel Paiva e Muniz Sodré Foto: Arquivo pessoal

Corrente

“Nunca pensei que tivesse tantos amigos. Os alunos da ECO (Escola de Comunicação) foram de uma solicitude. Eles, amigos e professores se mobilizaram com cuidados, eram tantas mensagens. Até de Angola, onde fui dar palestra, veio a preocupação. Foram criadas redes de oração. Todo dia na igreja do Largo do Machado, às 19h, tem uma missa virtual voltada para mim. O pessoal da Academia de Letras da Bahia, da qual fui eleito membro no ano passado, também se mobilizou, pedindo aos orixás.”

Presente

“Aprendi que a vida não é aferida pela quantidade de nada, nem sorológica, nem de produção, como dizem os economistas. A vida é uma doação que o outro lhe faz. Pode ser do grande outro, que é Deus, e dos outros não tão grandes, que são os amigos. Essa doação vem dos médicos, da comunidade. Senti na pele, na carne e no espírito que a vida é um presente que a comunidade lhe dá. Foi uma preocupação comovedora. Pessoas que há muito eu não via entraram nas rodas de oração. Recebi um e-mail de um professor de Filosofia de uma universidade americana que mal conheço desejando a minha recuperação, Leonardo Boff me escreveu uma longa e amorosa carta, falando da vida e de mim. O carinho das filhas, todo mundo tomou um susto. Essa onda de cuidado e preocupação é um lado positivo da experiência.”

Recuperação

“Estou fazendo fisioterapia. Sou faixa preta de caratê e isso faz uma diferença enorme, a memória do músculo é melhor. Também nunca fumei e como pouco. Estou tendo que fazer diálise porque a Covid-19 atacou o rim. Todos os exames dão que estou bem."

Brasil

“Fiquei submerso e, ao acordar, a impressão que tive é de que destamparam o bueiro. O que se instalou no Brasil foi explicitamente o mal. O mal está funcionando e, aqui, veio junto com o protofascismo.”