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Nanda Costa e Lan Lanh relembram a geração das filhas: 'Já nasceram sabendo que têm duas mães'

Às vésperas do Dia Internacional das Mulheres, casal posa, pela primeira vez, com as gêmeas Kim e Tiê
Nanda Costa usa vestido The Paradise e Lan Lanh, blusa Farm e calça Maria Filó Foto: Karine Basílio
Nanda Costa usa vestido The Paradise e Lan Lanh, blusa Farm e calça Maria Filó Foto: Karine Basílio

Do teto do quarto das gêmeas Kim e Tiê pendem planetas e globos brancos com letras de música bordadas nas superfícies. Estão lá os doces versos “há de surgir uma estrela no céu cada vez que ‘ocê’ sorrir”, de Gilberto Gil, e os reconfortantes “não tenha medo, nós somos fortes, tem duas mães, você tem sorte”, estes de “Duas mães”, canção que a musicista Lan Lanh fez como presente de aniversário para a mulher, a atriz Nanda Costa, durante o processo de fertilização. “Nossas filhas já nasceram sabendo que têm duas mães. Não vamos precisar contar isso um dia”, diz Lan, ao refletir sobre aqueles que insistem em perguntar como tal configuração será explicada no futuro. “Sempre vão saber que esse é formato da nossa família, e tudo será contado com verdade. Além disso, hoje somos muitas.”

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Quando quiserem ouvir histórias sobre como chegaram ao mundo, as irmãs terão à disposição uma narrativa de tirar o fôlego. Como diz Nanda, o casal tem vivido uma maternidade digna de um longa de Pedro Almodóvar. No dia desta entrevista, feita por chamada de vídeo ao longo de quase duas horas, uma atmosfera pacífica pairava do outro lado da câmera, no apartamento da família. Mas faz bem pouco tempo que as duas mães têm respirado aliviadas dessa maneira. Afinal, lidar com um processo de fertilização, segundo Lan, é uma experiência “rock’n roll”, assim como o nascimento prematuro das meninas, após oito meses de gestação, trouxe dificuldades que nenhum curso preparatório havia previsto. “Não tínhamos nem fraldas para elas”, recorda-se, ao passo que Nanda completa: “As roupas ficavam grandes. Tínhamos que ajustar com fita-crepe”.

O própria ideia da maternidade não foi um caminho necessariamente espontâneo para o casal, junto há oito anos. Se, de um lado, Lan sempre teve jeito para a coisa, com um “encantamento direto com os erês”, Nanda viu o projeto se materializar aos poucos. “Minha mãe engravidou aos 16 anos, e vi como ela deixou de fazer muita coisa por causa disso. Não pôde sair de Paraty, onde vive a nossa família, para cursar uma faculdade, e meu pai foi embora quando eu tinha 1 ano. Então, em algum lugar, entendia que uma criança atrapalhava a carreira de um adulto”, conta a atriz. Tal pensamento, ela pondera, sempre foi refutado pela mãe, mas ainda havia outras barreiras a serem transpostas. “Fora isso, eu gostava de meninas. Então, tinha que ser uma coisa muito planejada.”

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Nanda afirma que, há alguns anos, achava impossível explicar um filho de duas mães sendo uma atriz de projeção nacional. “Levei muito tempo para resolver essas questões. Mas, com a Lan, sabia que isso seria feito com muito amor e uma educação maravilhosa. Então, veio o desejo de nos casarmos, morarmos juntas e, por fim, construir uma família.” Lan, por sua vez, tinha uma experiência particular no assunto. Era percussionista e amiga de Cássia Eller, morta em 2001, e acompanhou bem de perto a luta da viúva, Maria Eugenia, pela guarda de Chico, filho da cantora. O caso, decidido em juízo em favor de Maria, foi um marco no Brasil. “Tive essa referência de como lidar com os preconceitos”, pondera a musicista.

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As meninas, de fato, nasceram num mundo bem diferente daquele dos anos 2000, como recorda a própria Maria Eugenia. “As mães já conseguem registrar as filhas com os sobrenomes das duas, o que na minha época era impossível”, compara. O fato de o casal ter optado por uma exposição pública da família, na opinião dela, também é importante. “O Chico disse outro dia que essa visibilidade ajuda muito, e eu concordo. Quando olhamos para elas, a primeira coisa que vemos é uma família de muito afeto. Uma maternidade bonita, com duas crianças lindas e bem cuidadas. A coisa da homossexualidade fica um pouco atrás.”

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Kim e Tiê foram geradas por Nanda a partir de uma decisão prática. Por ser mais nova que a parceira — ela tem 35 anos e Lan, 53 —, a atriz pôde congelar óvulos mais fortalecidos, assim como os procedimentos teriam mais chances de darem certo em seu corpo. “Nunca achei que, para serem minhas filhas, precisariam vir dos meus óvulos ou da minha barriga”, afirma Lan. “É um processo muito caro e desgastante. Então, o caminho mais seguro foi esse.”

Até a gravidez acontecer, foram três tentativas em que Nanda precisou receber altas doses hormonais e se submeter a microcirurgias para a retirada dos óvulos. Diante de tantos esforços, o segundo resultado negativo foi desolador. “Falei com a Lan, se não tentar de novo agora, não sei se terei condições de passar por tudo isso de novo”, recorda-se. O casal mudou de estratégia e, em vez de usar um doador de sêmen de um banco internacional, como fora nas primeiras vezes, optou por um brasileiro. “Confesso que até achei bom, porque aqui há menos informações sobre os doadores. Falei: ‘Vai nascer brasileiro, o que garante o suingue’”, brinca Lan, que é baiana.

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O casal também optou por usar dois óvulos de uma só vez para aumentar as chances de sucesso, como já havia feito anteriormente. Dessa vez, os primeiros exames foram tão animadores, que a possibilidade de quádruplos chegou a ser ventilada. “Passamos do medo de não ter nenhum para o de ter quatro”, diverte-se Nanda. “Quando finalmente fizemos um exame que dava para ouvir os corações baterem foi uma alegria”, recorda-se Lan. “Ao escutar o barulho, disse ao médico: ‘Nossa! É o Olodum!’. Ele, então, respondeu: ‘Não. É o ‘Olodois’!’.”

Nas primeiras semanas, as duas não contaram sobre a gravidez nem mesmo aos mais íntimos, por medo de que a gestação não evoluísse. Aos dois meses, o pai de Lan morreu de Covid-19, tornando a situação ainda mais tensa. A musicista despediu-se dele ainda vivo, pela câmera do celular, e chegou a dizer que seria avô. “Naquele momento, resolvemos revelar a gravidez aos nossos primos e sobrinhos para oferecer um alento. Meu pai se foi, mas havia duas vidas chegando. É o ciclo da vida.”

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Um novo susto, porém, acometeu o casal no terceiro mês de gestação. Nanda teve sangramentos intensos que a obrigaram a repousar por dois meses. “Tinha barriga, sabia que eram duas meninas, e elas já tinham nome”, lembra-se a atriz. “Senti muito medo de perdê-las.” Seguiu-se, então, uma temporada de calmaria, e as duas puderam vivenciar a plenitude de uma gravidez compartilhada entre duas mulheres. O sexo aconteceu com parcimônia em função das recomendações de repouso e do luto de Lan, mas as mudanças no corpo foram atravessadas com muito afeto. Lan sentia azia e parou de menstruar junto com Nanda. Já a atriz se manteve à vontade com as alterações físicas. “Minha obstetra comentou que, em casais heterossexuais, é muito comum a mulher ter um desconforto diante do marido, por causa do corpo. Dentro de toda a tensão que vivemos, estar nua ao lado da Lan, na hora de tomarmos um banho, não era um problema para mim.”

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Com oito meses, Lan precisou levar a mulher “de mala e cuia” para o hospital. Lá, a atriz escutou da médica que os exames não estavam nada bons e tomou um susto quando ouviu “vai ter que ser agora”, devido a um quadro de pré-eclâmpsia. Naquele 19 de outubro, nasceram Tiê, com 2,2kg, e Kim, com 1,8kg. A menor seguiu direto para a UTI. “A gente sonha com aquele bebê gordinho e, de repente, é um magrelo...”, relata Nanda “Tive medo de perder minha filha ou até mesmo amá-la de cara, e ela não sobreviver. A sensação era: ‘Não posso deixá-la morrer. Depois, vejo como vou construir esse amor.”

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Também ficou receosa se conseguiria amamentar, em função dos procedimentos estéticos que havia feito nos seios, mas o leite desceu rápido. A alimentação das meninas, diga-se de passagem, foi plenamente compartilhada por Lan desde os primeiros dias. Ela usava uma sonda presa ao dedo para alimentar as filhas com leite da própria Nanda ou fórmula. “Havia uma poesia naquilo. Afinal, a mão é o meu ofício”, compara a musicista, famosa pela desenvoltura na percussão. “Mas hoje elas estão maiorzinhas e não pegam mais a sonda. É por mamadeira ou pelo peito da Nanda.”

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Quando o casal finalmente pôde voltar para casa, Kim ainda precisou ficar mais alguns dias internada. Nanda ia ao hospital diariamente para amamentá-la e, numa dessas visitas, teve um pico de pressão. Foi levada à UTI. “A essa altura, eu não estava mais raciocinando”, narra a atriz. “Lembro-me de pensar: ‘O puerpério é isso? Por que ninguém me avisou?’ Já estava passando senha de banco para a Lan.” A companheira reconhece que essa foi a noite mais difícil. “Eu em casa com a Tiê, a Nanda numa UTI e a Kim na outra. Ficava amamentando a Tiê na sondinha, pensando como ela era frágil... Mas os bebês são tão fortes, que ficam até melhores que nós nessas situações.” No dia seguinte, porém, Nanda foi transferida para um quarto e, quatro dias depois, recebeu alta.

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Com a família toda reunida em casa, Nanda e Lan finalmente puderam desfrutar melhor as delícias da maternidade. Ajudadas pelas respectivas mães, aprenderam a se organizar com a amamentação a cada três horas e a lidar com o “sarau das 17h”, quando começa a choradeira provocada pelas cólicas. Nessas horas, Lan passa a mão no violão e toca “Canto do povo de algum lugar”, de Caetano Veloso, a única música que acalma a dupla, cujas personalidades começam a ser desvendadas. “A Kim, se está com fome, faz logo um barraco. Aprendeu a se defender na UTI. Já a Tiê é superbaiana. Vai mamar e fica quietinha, observando tudo”, conta Lan, enquanto Nanda completa: “A Tiê puxou mais a Lan no temperamento, e a Kim se parece mais comigo.”

Ambas concordam que a odisseia materna serviu para deixá-las ainda mais apaixonadas uma pela outra. Tanto que, conforme as coisas foram se acalmando, a vida a duas também vem sendo retomada aos poucos. “Rapidinho, dá para namorar. Mas aquele namoro tipo ‘9 1/2 Semanas de Amor, por enquanto, não dá”, brinca Nanda.

Como diz a letra de “Duas mães”, é tempo de “ver a vida num campo novo”.