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Por Eduardo Simões


Beatriz Milhazes posa em seu ateliê, no Horto Leandro Tumenas — Foto:
Beatriz Milhazes posa em seu ateliê, no Horto Leandro Tumenas — Foto:

Ex-aluna de pintura e amiga de longa data de Beatriz Milhazes, a colecionadora Mara Fainziliber costuma acompanhar a artista em exposições mundo afora. Ainda que tenha obras de Beatriz em seu acervo, como “Modinha” (2007), Mara tenta, em galerias estrangeiras, aumentar sua coleção com ao menos uma daquelas novas criações, aproveitando o empurrãozinho que a presença da amiga pode dar. Curiosamente, nem o soft power da amizade ajuda. “Ia na esperança de comprar uma tela, paparicava o galerista, fazia a corte, a Bia me dava a maior força, mas eles falavam que precisavam priorizar o mercado local, os colecionadores da Inglaterra, da Alemanha etc. Nunca consigo comprar lá fora, somente aqui”, conta Mara.

Esta dificuldade na aquisição de trabalhos de Beatriz diz muito sobre seu processo criativo e consequente valorização no mercado mundial — estima-se que uma obra inédita dela custe hoje entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão. Também dá pistas para que se compreenda por que Beatriz se consolidou no cenário da arte contemporânea brasileira e internacional de modo tão singular ao longo de sua carreira de 40 anos.

De seu ateliê no Horto, acompanhada apenas de Marcos Serrano, único assistente desde 1994, Beatriz tem uma produção relativamente tímida em volume, como atesta a marchande Márcia Fortes, que a representa desde o início dos anos 1990. Segundo ela, a artista cria poucas obras por ano, bem menos que seus contemporâneos no Brasil. “Ela estabeleceu, há muito tempo, e de maneira sábia, que não faria mais de uma exposição comercial por ano”, explica Márcia, hoje uma das sócias da Fortes, D’Aloia & Gabriel, que realizou em 2017 a última mostra comercial de inéditos de Beatriz.

De fato, não são muitas suas novas criações nos últimos tempos. Não que ela tenha parado durante a pandemia. Em 2020, encomendou uma mesa e montou um ateliê de desenho em casa, no Leblon, onde passou a fazer sketches com lápis de cor e canetas de tinta acrílica. “Nunca trabalhei onde morei, desde o início”, conta. “Mas foi uma porta que se abriu. Sempre trabalho diretamente na tela. E os desenhos já nascem na escala adequada àquela superfície. Para mim, foi uma enorme novidade.”

Deste novo processo, nasceu “Avenida Paulista”, um dos destaques da retrospectiva feita pelo Itaú Cultural e pelo Masp, encerrada em junho de 2021, e a maior já realizada em sua carreira. E foram finalizados também os trabalhos que Beatriz estava preparando para sua primeira individual na China, no The Long Museum, de Xangai, que acabou postergada devido à pandemia, mas realizada de setembro até novembro passados. Foram seis pinturas.

Fora isso, até junho deste ano, uma obra comissionada pela Ópera de Viena pode ser vista na boca de cena do teatro: um mural gigantesco que cobre a cortina de proteção de incêndio do palco. Em setembro, Beatriz fará sua primeira individual na Pace Gallery, de Nova York, que representa nomes do porte de Jeff Koons, JR e David Hockney. Na mostra, haverá dez obras novas, ainda em produção. E “só”. No Brasil, seu trabalho mais recente pode ser visto até hoje no estande de sua galeria na SP-Arte: “Oxalá” é a primeira gravura feita no país, com o serigrafista Agustinho Coradello, no Rio. Há cerca de 20 anos, Beatriz faz suas gravuras com a Durham Press, nos EUA.

Mas, a que se deve esta produção tão econômica e que, ainda assim, tem tanta reverberação crítica, institucional e mercadológica? Para Márcia Fortes, além da “qualidade pictórica”, a baixa produtividade é algo que valoriza muito trabalho da artista. “Ela é o contrário de um Jeff Koons, de um Olafur Eliasson, que tem equipes gigantes de assistentes”, explica. “Seu processo criativo é muito íntimo até hoje.”

A galerista ressalta também que Beatriz sempre se desafiou enormemente. “O vocabulário e a pesquisa dela são muito coerentes e passam por essa questão das formas geométricas, as cores em alto contraste. Mas, se você olhar para pinturas dela das décadas de 1980 e 1990 em diante e para as de hoje, vê que são profundamente diferentes. A mostra da Pace vai trazer questões jamais vistas e resoluções inéditas. Pela primeira vez na vida, resolveu encarar a diagonal.”

Ex-professor de Beatriz na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Charles Watson destaca que ela, ainda jovem, aos 19 anos, tinha uma disciplina forte de ateliê. E ressalta a autonomia com que seguiu um caminho diferente à época. “A última coisa que estava na moda era a decoração. Era até uma palavra pejorativa. Havia dois ou três nomes ligados a isso em Nova York”, conta. “Mas Beatriz compreendia, com saudável senso humor, um ponto de encontro entre arte e kitsch. E isso era raro. Sem perder o respeito às questões conceituais, ela fazia um casamento entre rigor intelectual e o que era tido como cafonice.”

Beatriz nasceu em 1960, no Rio, filha do advogado José Luiz e da professora de história da arte Glauce. Formou-se em 1981 em comunicação social, e em artes plásticas, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde também deu aulas, até 1996. Foi uma das participantes da emblemática mostra “Como vai você, Geração 80?”, na própria EAV, uma contraposição estética forte ao que havia sido produzido no país nos anos anteriores. “Todos aqueles artistas de minha geração haviam sido criados num período de repressão e estavam finalmente livres para se expressarem”, lembra. “Nos anos 1960 e 1970, quem fazia arte se sentia meio que obrigado a criar algo ligado ao momento político. Ao passo que a minha geração veio para dizer que a cultura era forte, e que colocá-la dentro de uma única caixa não refletia liberdade de expressão, uma questão fundamental para o artista”, diz Beatriz.

As relações familiares são um capítulo importante em sua trajetória, segundo sua irmã, a coreógrafa Márcia Milhazes, com quem também colabora artisticamente há anos. “Beatriz e eu fomos muito privilegiadas. Os Milhazes são uma família de gente apaixonada por sua raízes, sua língua e sua pátria. Mas num cruzamento de Pixinguinha com Tchaikovsky, que estão num mesmo patamar. Ainda que o primeiro corra em nossos sangues, como nação e cultura, nunca houve necessidade de se evitar, pelo contrário, que outras culturas nos afetassem e trouxessem informações para dentro de nós”, conta.

Era uma “família de classe média e intelectual”, ressalta Beatriz, sobre os pais que, na ditadura, tentaram “manter a a vida o mais normal possível no ambiente cultural, que era massacrado”. Neste período, diz ela, o MAM-Rio foi extremamente importante com os eventos ali desenvolvidos, entre 1960 e 1970. “Frequentávamos tudo o que era possível, mesmo crianças. Vi shows como ‘Opinião’, da Bethânia, que foi muito rico para minha formação. Quando cheguei à EAV, sentia que meus colegas não tinham o mesmo conhecimento que havíamos acumulado em casa.”

Das colaborações com Beatriz, Márcia destaca que as experimentações cenográficas de sua irmã começaram em seu espetáculo “Joaquim Maria” (2000), em que ela criou algo como cortinas. “E desde ‘Tempo de verão’, de 2004, ela começou a adentrar na cena fisicamente, seu trabalho ali se tornou mais tridimensional. Naquele momento, um objeto criado por ela já ganhou um desdobramento e se tornou uma instalação. Foi aí que surgiu a ‘Gamboa’, um grande móbile hoje presente nas grandes exposições sobre ela, como a do Masp”, conta.

Hoje solteira e sem filhos, Beatriz saiu da casa dos pais em Copacabana aos 26 e se casou com Chico Cunha, seu colega de EAV e um dos artistas com quem dividiu seu primeiro ateliê. Ficaram juntos por dez anos e, além da amizade, mantêm uma relação profissional: formado também em arquitetura, Chico assina as obras e as reformas, tanto do ateliê quanto da casa da artista.

Ex-adepta da macrobiótica, ela mantém cuidados com a alimentação, tem nutricionista e sempre lê sobre o assunto. Há 20 anos mantém uma rotina sistemática de exercícios, de aeróbicos à natação e musculação, que acha fundamentais. “A pintura precisa desta energia e motivação física e, se você não cuida, isso se perde. É algo especialmente importante para mim quando trabalho com telas grandes. Tampouco é uma questão estética, gosto de fazer exercícios. Para mim, eles têm um aspecto meditativo, especialmente a parte aeróbica. Se vou caminhar na areia, quero esquecer que existo.”

Quando estrear sua mostra na Pace, Beatriz subirá mais um degrau de uma carreira sempre ascendente. A partir dos anos 1990, suas obras começaram a integrar os acervos de importantes instituições internacionais. Somente em Nova York, suas criações estão presentes no MoMA, no Guggenheim e no Metropolitan. “Considero o trabalho dela uma poderosa manifestação da força vital que se sente no Brasil. Ao mesmo tempo, as pinturas e desenhos fazem da Beatriz uma importante figura na história da arte”, afirma Richard Armstrong, diretor do Guggenheim.

Para Jessie Washburne-Harris, vice-presidente da Pace, ao mesmo tempo em que a artista tem laços sólidos com o Brasil, “ela também pode ser vista como uma das pintoras mais importantes de nossa geração”, afirma. “Os trabalhos dela vêm sendo comercializados de forma consolidada em leilões nos últimos 20 anos. Ela está num pequeno grupo de artistas mulheres cujas obras ultrapassam lances de US$ 1 milhão”. Em tempo: o recorde é “Meu limão” (2000), arrematado por mais de US$ 2 milhões na Sotheby’s, em 2012.

Para além das loas institucionais e do sucesso mercadológico, o mais importante é a prática no ateliê, diz a artista. “A minha cor vem da vida, de minha observação pessoal do universo externo à pintura. Uma crença que não se fecha nela mesma. Ao contrário, um processo transformador a cada relação introduzida. Uma constante evolução”, conclui.

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