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Por Marcia Disitzer


A fotógrafa Nana Moraes — Foto: Divulgação
A fotógrafa Nana Moraes — Foto: Divulgação

Aos 20 e poucos anos, o sonho da fotógrafa carioca Nana Moraes, de 59, era contar histórias por meio de palavras. “Queria escrever”, lembra, em entrevista feita ao telefone. Nana entrou para a faculdade de Jornalismo na PUC-São Paulo com essa intenção, mas, na metade do caminho, o DNA fotográfico falou mais alto — ela é filha de José Antonio Moraes, um dos primeiros a atuar na fotografia de moda no Brasil, e irmã do fotojornalista Sérgio Moraes. “Acabei indo trabalhar na agência fotográfica do meu irmão como secretária. Até que um dia, sem pretensão, cliquei o então candidato à prefeitura de São Paulo Jânio Quadros. Fiz apenas um filme e a foto acabou na capa de uma famosa revista”, lembra. “Meu pai disse: ‘Até que você leva jeito’. Virei sua assistente e nunca mais parei, é mal de família”, conta.

Livro "Ausência" de Nana Moraes — Foto: Nana Moraes
Livro "Ausência" de Nana Moraes — Foto: Nana Moraes

O ano era 1984. De lá para cá, Nana fotografou milhares de capas de revistas, assinou inúmeras campanhas de moda e de publicidade e retratou centenas de artistas e personalidades. A partir de 2011, embarcou numa travessia pessoal — a trilogia “DesAmadas”. No último dia 13, a fotógrafa lançou o segundo livro do projeto, chamado “Ausência” (Nau Editora). “O primeiro foi ‘Andorinhas’, em que retratei prostitutas de estrada. Nesse, mirei o olhar em mães encarceradas. Meu objetivo é jogar luz sobre mulheres estigmatizadas.”

Página do livro "Ausência"  — Foto: Nana Moraes
Página do livro "Ausência" — Foto: Nana Moraes

Na jornada, ela expandiu sua linguagem, acrescentando à fotografia o poder das palavras e a delicadeza do bordado. “Montei um kit com papel, canetas e envelopes para que as mães presas escrevessem cartas para seus filhos. Depois, levei ao presídio um fundo de céu bem azul confeccionado especialmente para fotografá-las”, descreve Nana, que demorou quatro anos para ter autorização para ingressar no presídio feminino Nelson Hungria, no Complexo de Gericinó, em Bangu, no Rio.

Na segunda etapa, as cartas redigidas pelas mães e as fotos de Nana foram ao encontro dos filhos. “As famílias também receberam uma carta minha em que pedi autorização para fotografá-los para as mães detentas”, emenda.

Retalhos, selos e bordados — Foto: Nana Moraes
Retalhos, selos e bordados — Foto: Nana Moraes

O livro é resultado do que Nana chama de “correspondência fotográfica”. Das 16 mulheres fotografadas no fundo de céu, seis autorizaram a conclusão do processo: Tatiane, Vanessa, Damiana, Giselle, Cristiane e Ozana. “Grande parte dessas mulheres foi presa por tráfico de drogas. Ao contrário dos homens, quase não recebem visita. Não se perdoa o erro de uma mulher. O presídio é reflexo da sociedade condensado numa panela de pressão”, analisa.

Antes do livro, veio a exposição “Ausência”, de 2017. Para costurar o material fotográfico e as histórias de vida, ela recorreu a uma técnica têxtil chamada Arpilleras, que mistura bordados e retalhos, utilizada pelas chilenas na ditadura dos anos 1970. “Tive que transpor o conceito das sete colchas da mostra para as páginas do livro”, explica

Para seguir com a mesma linguagem, Nana bordou mais de 50 páginas de “Ausência”. “Também inseri retalhos e objetos, todos com um significado. Revisitei todas anotações dos meus caderninhos, que têm um valor imenso”, diz. O bordado, ela conta, foi um caminho orgânico. “Sempre gostei de fazer coisas com as mãos. Estudei como as Arpilleras costuravam. A própria precariedade do ponto tem simbolismo dentro desse contexto.”

Entre as diversas histórias que ouviu — “primeiro escuta, depois fotografa, não estou inventando nada”, frisa a fotógrafa —, algumas nunca mais saíram do seu pensamento. “Uma das encarceradas, a Vanessa, me contou ter entrado na prisão grávida e falou sobre a humilhação que é parir algemada”, lembra. Nana também se deparou com uma presidiária que precisou abrir mão de um filho para que a tia topasse cuidar dele. “O tempo todo ela falava ter tido três crianças. Lá pelas tantas fiquei sabendo que eram quatro. A renúncia foi uma condição imposta.”

Acostumada a transitar por sets glamurosos da moda e da publicidade, Nana captou a beleza da coragem. “A humanidade das pessoas é linda. As protagonistas são as detentas. Não sinto pena alguma delas, nutro admiração por essas mulheres, que, apesar de todas as dificuldades, têm alegria de viver. São fortes e resistentes. A gente se reencontra na condição humana”, reflete.

Livro de Nana Moraes: bordado sobre foto — Foto: Nana Moraes
Livro de Nana Moraes: bordado sobre foto — Foto: Nana Moraes

A publicação também visa questionar o sistema carcerário brasileiro. “O livro da Nana é mais do que livro. É ponte que funciona como megafone para expandir vozes encarceradas e silenciadas”, analisa Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil e quem assina a orelha de “Ausência”. “É também uma forma de expor a humanidade de mulheres, mães, a quem a sociedade não quer ver, ouvir nem reconhecer. As mulheres, por meio das cartas, afirmam pertencer a esse mundo. Isso é muito importante. É liberdade!”, emenda Jurema. Para o fotógrafo e pesquisador Daniel Ramalho, o trabalho de Nana é o que o professor e curador de exposições fotográficas americano Fred Richtin chama de “after photography”: “Ela busca fazer as retratadas falarem, não só apresenta cenas mudas”, observa.

Para fechar a trilogia “DesAmadas”, Nana já sabe qual será o próximo tema que vai abordar. “Vou fotografar mulheres em situação de rua”, revela. “A mulher quando vai para a rua é porque não tem mais alternativa”, afirma Nana, sempre de olhos e ouvidos bem abertos.

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