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Por Janaína Figueiredo

Ela aparece na tela do computador com um sorriso leve, um olhar pacificado e a disposição para falar sobre qualquer assunto e rir de si mesma — até mesmo de sua capacidade de vestir uma calça sem precisar se apoiar na parede. Aos 80 (há anos gosta de dizer que tem 80, embora os faça mês que vem), Isabel Allende, a escritora latino-americana que mais livros vendeu na História, continua sendo uma mulher de vanguarda. Depois de dois casamentos de 29 e 28 anos, separou-se do segundo marido e, um ano e meio depois, aceitou o insistente pedido de Roger, um advogado americano que todos os dias acorda ao seu lado e diz, ela conta com orgulho, sentir-se feliz “como uma criança que irá ao circo”.

A escritora Isabel Allende em 2003, em noite de autógrafos — Foto: AFP PHOTO/Victor ROJAS
A escritora Isabel Allende em 2003, em noite de autógrafos — Foto: AFP PHOTO/Victor ROJAS

O casamento está prestes a completar três anos, e hoje a única preocupação de Isabel é o que Roger fará após aposentar-se, em breve. Parar não é uma opção para ela, que acusa o feminismo de ter abandonado mulheres acima dos 50. “Falamos sobre as mulheres até a menopausa, é como se desaparecessem”, alfineta Isabel, que depois da segunda separação começou a fazer exercício todos os dias e garante poder subir uma escada correndo e ter um preparo físico melhor do que tinha há 15 anos.

O sexo, confessa, continua sendo importante em sua vida. “O amor é o mesmo de quando era jovem, mas com sentido de urgência. Não temos tempo para briguinhas, ciúmes, temos de resolver as coisas na hora”, afirma a escritora, que mora numa pequena casa de apenas um quarto em São Francisco, nos Estados Unidos. Praticar o desapego é mais uma de suas recomendações para envelhecer bem. Outra, essencial, é ter um propósito. As mulheres invisíveis para grande parte da sociedade, frisa Isabel, têm algo que as mais jovens não tem: experiência.

A senhora voltou a se casar depois dos 70 anos. Como foi essa experiência?

Eu me separei, pela primeira vez, aos 45 anos. Poucos meses depois, conheci Willy, meu segundo marido. Fiquei 28 anos casada com ele, e com o primeiro foram 29 anos. Aos 74, eu me separei de Willy, e as pessoas me perguntavam como podia me separar com essa idade, depois de tudo o que tinha investido na vida com ele. Diziam que era preciso ter muita coragem para se separar aos 74 anos. A decisão foi minha, e vou lhe dizer que é preciso mais coragem para ficar numa relação que não funciona do que para tomar a decisão de estar sozinha. Mas decidi estar sozinha. Comprei uma casa pequena, que tem apenas um quarto, e me mudei com minha cachorrinha. Um ano e meio mais tarde, um homem, que tinha ouvido uma entrevista minha no rádio, me escreveu. Ele continuou escrevendo nos cinco meses seguintes. Minha assistente começou a investigar quem ele era. Sabíamos até a placa de seu carro. Ela preparou uma ficha com todos os dados de Roger e disse que era um advogado com escritório na Park Avenue, em Nova York, e viúvo. Ela até achou uma foto da casa dele! (risos). Roger não está nas redes sociais, mas hoje você consegue informação sobre qualquer pessoa. Tive uma viagem a trabalho para Nova York e decidi que queria conhecê-lo. Tivemos um encontro e, três dias depois, ele me pediu em casamento. Até anel ele tinha. Pensei que estava louco ou muito necessitado. Respondi que se estivesse disposto a ir até a Califórnia um fim de semana, poderíamos ser amantes, mas casamento nem pensar.

O que ele achou da sugestão de serem amantes?

Na nossa idade o que vamos fazer? (risos). Não temos tempo. Ele começou a vir até a Califórnia, mas é uma viagem longa. Pouco tempo depois, vendeu sua casa, e mudou-se para cá. Continuou insistindo com o pedido de casamento. Um dia, meu filho, Nicolás, me disse que cada vez que Roger me pedia em casamento eu respondia com um sarcasmo chileno. Ele tinha razão, e finalmente nos casamos há três anos, numa cerimônia íntima.

A senhora se casou apaixonada?

Sim, mas não apaixonada como em outras vezes. Não foi uma paixão avassaladora, como quando fugi com um argentino e deixei meus filhos (na época, estava exilada na Venezuela, no final da década de 1970). Hoje, não faria isso nem por Antonio Banderas! (risos). O amor é o mesmo, mas as necessidades são diferentes. Com 25 ou 45 anos, você ainda está cheia de hormônios e com um futuro enorme pela frente. A maneira de viver o amor é mais impulsiva. Hoje, sinto que o amor é o mesmo de quando era jovem, mas com um sentido de urgência. Não temos tempo para briguinhas, ciúmes. Resolvemos as coisas na hora. Tudo no amor é mais imediato.

Isabel Allende com o marido Roger Cukras — Foto: Arquivo pessoal
Isabel Allende com o marido Roger Cukras — Foto: Arquivo pessoal

Confessa, sem culpas, as falhas como mãe?

Nunca fui a reuniões de pais. Quando meus filhos se formaram na faculdade, precisei procurar no mapa onde tinham estudado. Quando era jovem, tinha muitos empregos para poder sobreviver e sempre gostei de trabalhar. Já os afazeres da casa nunca foram meu forte. Sou mãe porque os adoro, nos divertimos juntos e compartilhamos muitas coisas. Sempre falamos sobre tudo, drogas, sexo. Mas estar o tempo todo em função dos filhos, não, nunca. Ter meus dois filhos é uma das coisas mais importantes da minha vida, mas não me define. Sou uma pessoa, sendo mãe ou não. E os filhos não nos pertencem. Parte do patriarcado é fazer com que as mães se sintam sempre culpadas, nunca os pais.

A senhora costuma contar que tem uma vizinha de mais de 80 que tem um amante 14 anos mais novo…

Ela está com 95 agora e continua tendo o amante, que hoje parece mais velho do que ela (gargalhadas).

Como foi, na intimidade, estar com outro homem, depois dos 70? O prazer muda?

Muda tudo. Você deve conhecer a outra pessoa, e não é igual a quando você tem 45. Mas a relação sexual sempre é importante. Para alguns casais que estão há 50 anos juntos, é quase como estar com um irmão, e entendo que seja assim. Mas, quando começamos de novo, o sexo é importante.

Volta aquela sensação de borboletas no estômago…

Talvez para ele. Não sinto borboletas há muito tempo! Mas, estou muito bem. Para envelhecer bem, é preciso ter boa saúde e recursos econômicos básicos, não estar sozinho, porque a solidão acaba com as pessoas, e ter um propósito.

Seu último livro, “Violeta” , foi inspirado em sua mãe, que tinha falecido, mas a personagem principal parece ter a mesma vitalidade e energia que a senhora…

Se minha mãe tivesse independência econômica, teria sido assim. Ela nasceu na década de 1920 e estava muito limitada.

Sua vigência como escritora e vida ativa ajudam no processo de envelhecimento?

Uma grande falha do movimento feminista foi esquecer das mais velhas. O feminismo focou nos jovens e nas mulheres em idade de reprodução. Depois dos 50, passamos a ser ignoradas. Falamos sobre as mulheres até a menopausa. Depois, é como se desaparecêssemos. Mas, depois dos 50, podemos viver 30 ou 40 anos mais, e também somos vítimas do machismo e do patriarcado. Podemos contribuir com o movimento feminista, não temos a mesma energia, a mesma criatividade, mas temos a experiência, e isso é muito importante. Precisamos encontrar sozinhas o que for necessário para nos manter de pé. Quando me separei, sugeriram que entrasse em sites de paquera para encontrar um companheiro, e eu perguntava para quê. Imagina a confusão! O que teria colocado em meu perfil? Latina, com documentos em dia, baixinha, de 80 anos, avó… quem ia aparecer? (risos).

O que sua mãe achou do casamento com Roger?

Levei Roger para conhecê-la, e seu comentário foi “este pobre homem vai sofrer muito”(risos).

Pelo que a senhora conta, ele não está sofrendo nem um pouco...

Quase todos os dias, ele me diz o quanto é feliz, e como olha para trás e percebe que não tinha uma vida. Ele tinha estado 48 anos casado, adorava a sua esposa, mas ela ficou muitos anos doente. Quando Grace morreu, ele continuou na mesma casa, não tirou nada, nem as roupas dos armários. Quando me conheceu, claro que queria se casar depois de três dias. Ele diz que acorda todos os dias como uma criança que sabe que irá ao circo.

Há algum tempo, a senhora pratica o desapego. Como é isso?

Temos uma vida simples, com o básico. Meu filho quer que eu troque o carro, e pergunto qual a necessidade disso, se o carro tem dez anos, mas funciona. Também quer mudar meu computador. Não! A mesma coisa com o celular. Para quê?

Sua mãe faleceu aos 98 anos, a senhora parece estar caminhando para ser uma pessoa longeva…

Ninguém sabe como vai envelhecer ou morrer. Mas temos que viver intensamente todos os dias. Chega um momento, quando os filhos e os netos estão educados, que a nossa responsabilidade termina. Meus pais morreram um pouco antes da pandemia, e tampouco tenho que me ocupar mais deles. Agora é dia a dia, tentar que cada dia seja perfeito.

Como a senhora, que é muito vaidosa, vive o processo de envelhecimento?

Envelhecer é inevitável. Mas faço mais exercício hoje do que em qualquer outro momento de minha vida, e assim me mantenho dentro do meu peso, continuo flexível, subo correndo a escada, tenho bom equilíbrio, consigo botar uma calça sem precisar ficar me apoiando numa parede. Fisicamente, estou melhor do que estava há 15 anos.

O cabelo ficou branco…

Sim, na pandemia. Depois, pensei que ninguém tem cabelo escuro na minha idade. Eu me preocupo com a roupa, em escolher cores que ficam bem em mim, mas não vivo olhando para a moda. Acordo todos os dias às 5h30m, faço meia hora de meditação, tomo o meu café e um banho. Me arrumo como se fosse sair, mesmo que não tenha nada organizado. Também procuro me manter atualizada com as notícias, tentando não sofrer pelo que acontece no mundo e que Peu não posso mudar. Na minha fundação, buscamos ajudar mulheres, esse é o meu trabalho.

Por meio da fundação, a senhora está em contato com situações dramáticas de mulheres vulneráveis em diversos lugares do mundo…

Sim, e não muito longe de onde moro. Você viu o que está acontecendo nos Estados Unidos, o que a Corte Suprema americana fez sobre o aborto, depois de 50 anos? Foi um balde de água fria e minha fundação trabalha sobre direitos reprodutivos, que são parte da saúde de qualquer mulher.

Como a senhora explica este tipo de retrocesso?

Sempre existe, em toda sociedade, inclusive nos países mais progressistas, um setor da população que é potencialmente fascista. Essas pessoas estariam felizes com um governo autoritário que lhes dê segurança e preserve seus privilégios. Essa é sempre uma minoria, mas, se as circunstâncias são favoráveis para essa minoria, ela pode ter o poder. Quando existe uma democracia sólida, essa minoria está controlada. Para as mulheres, os retrocessos custam muito caro. Um dos pilares do patriarcado é o controle da sexualidade feminina, a submissão da mulher em todos os planos, e começa pelo sexual. Basta qualquer coisa, uma guerra, uma crise econômica, para tirar das mulheres o pouco que conquistaram.

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