Gente
PUBLICIDADE

Por Eduardo Vanini


Pai e filho planejam viajar após fim da turnê — Foto: Fe Pinheiro
Pai e filho planejam viajar após fim da turnê — Foto: Fe Pinheiro

Ao cruzar a porta de entrada da casa de Milton Nascimento, no Rio, avista-se logo uma grande foto em preto e branco do músico abraçado ao filho, Augusto. Só depois, discos de ouro surgem enfileirados na mesma parede, e outras referências à carreira, como quadros e instrumentos, se espalham pelos demais cômodos. A paternidade é algo a ser reverenciado ali. “Não tinha alguém em quem pudesse confiar plenamente e que gostasse de mim apesar de tudo. Deus me deu esse presente”, diz o cantor, que completa 80 anos em outubro, ao sublinhar o quanto a convivência com o filho o transformou como ser humano.

Augusto nasceu em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e mudou-se com a mãe para Juiz de Fora ainda criança. Milton, por sua vez, sempre teve amigos por lá e costumava cruzar com frequência as três horas de estrada que separam o Rio da cidade mineira para visitá-los. Numa dessas temporadas, amizades em comum conectaram os dois. “Ele ia até lá para descansar, e acabávamos nos encontrando”, recorda-se Augusto, de 29 anos. “Eu não tinha ligação com o meu pai biológico, e ele era muito sozinho. Fomos nos entendendo nessa relação, até percebermos que havíamos nos tornado pai e filho. Foi uma construção ao longo do tempo.”

O rapaz lembra que, entre 2014 e 2016, Milton sofreu uma depressão profunda e, quando podia, ele viajava até o Rio para visitar o cantor. “Mas a minha vida estava toda em Juiz de Fora, onde cursava Direito. Então, ele começou a ir muito para lá”, narra Augusto, que morava num quarto e sala próximo à faculdade. “Não tinha estrutura alguma, né? Era um caos, e ele diabético, na época com a saúde muito ruim, comendo Miojo comigo”, continua, sob os olhares atentos do pai. Bituca solta, então, uma risadinha e completa: “Era um entra e sai de estudante, e eu no meio”.

Desse período, Milton também se recorda de uma madrugada dramática, em que experimentou uma autêntica preocupação de pai. Foi quando Augusto, depois de visitá-lo no Rio, pegou a estrada de volta sozinho, em meio a uma tempestade. “Fiquei desesperado até falar com ele, na manhã seguinte, por telefone. Foi danado.”

As idas e vindas apenas cessaram quando o pai contou ao filho que o teto de seu apartamento, na Lagoa, corria o risco de desabar, devido a uma infestação de cupins. Augusto teve, então, a ideia de propor que morassem juntos, em Juiz de Fora, e o convite foi prontamente aceito. “Fui buscá-lo no dia seguinte e, até a documentação da casa que encontrei para morarmos sair, ele ficou comigo no apartamento. Saboreou todas as versões de Miojo.”

Àquela altura, Milton já havia perguntado a Augusto se aceitava ser filho dele. A resposta foi sim, mas eles precisaram enfrentar um longo processo judicial até que a paternidade fosse oficializada, em 2017, quando o rapaz passou a usar o sobrenome Kesrouani (da mãe) Nascimento. “Depois disso, ele sempre pedia os meus documentos para mostrar aos amigos”, recorda-se o filho. Uma cópia da certidão de nascimento emoldurada virou até lembrança de Dia dos Pais, já que Bituca gosta de presentes “bem clichês”, segundo Augusto. “Ele adora aquelas camisetas com frases como ‘melhor pai do mundo’. E aí fica uns dois meses usando a mesma roupa.” Milton explica o motivo da euforia: “Sempre gostei muito de criança, tive não sei quantos casamentos, mas não consegui ter uma em casa de jeito nenhum. Quando ele apareceu, veio a criança para mim.”

O cantor também fala, com orgulho, sobre as coincidências que selaram a relação entre os dois. Uma delas é a semelhança entre o avô biológico de Augusto e o seu próprio pai, que era afeito a curiosidades. “Quando o conheci, disse: ‘Meu Deus, outro Professor Pardal!’. Eles têm várias características em comum”, comenta Milton, que tem uma ótima relação com os familiares do filho, com quem divide as noites de Natal, em Campo Grande, onde moram. Ele próprio também foi adotado, quando tinha 2 anos, por Lília e Josino, após a morte de sua mãe biológica, Maria do Carmo. Estar agora do outro lado dessa relação, afirma, representa “uma coisa só”. “Estamos dando e recebendo. Isso é o importante para mim.”

Outro ponto de conexão entre pai e filho vem da umbanda. Milton tem Oxalá como orixá e descobriu que Augusto é de Oxóssi. “E Oxóssi toma conta de Oxalá. Não acredito em coincidência. É porque tem que ser”, diz o cantor, adepto da religião católica, da umbanda e do budismo, este por interferência do saxofonista americano Wayne Shorter, com quem gravou o cultuado álbum “Native dancer”, lançado em 1974.

Com o passar dos anos, Augusto virou também empresário do pai, cuja vida profissional, ele diz, estava bastante comprometida. “Havia muita gente em volta e, infelizmente, muito abuso”, afirma, mencionando que, só de afilhados, Milton tem 180. “Blindei o entorno, porque era um caos. Ele foi para Juiz de Fora (no período em que estava em depressão) sem nenhuma perspectiva de voltar a fazer shows. Quando começou a se recuperar e finalmente fez a primeira apresentação, saiu abraçado comigo e pediu para agendar mais. Houve, porém, um longo caminho, com hospitais e internações antes disso. Ninguém sabe o que passamos. Quando ele estava doente, 90% dos que viviam à sua volta desapareceram. Ao anunciarmos a última turnê, umas 20 pessoas que estavam ‘mortas’ reapareceram.”

Além da vida profissional, Milton precisou passar a limpo a maneira como lida com a saúde. No auge da pandemia, foi convencido pelo filho a abrir mão das tranças usadas por tantos anos para reduzir o risco de contato com o coronavírus, já que exigiam manutenção constante com um profissional. O cantor também tinha o hábito de tomar qualquer remédio que lhe recomendassem e chegou a consumir cerca de 25 medicamentos numa fase. Isso caiu pela metade, depois que encontraram o médico certo. “Falo que ele é doido, e ele é doido mesmo”, brinca Augusto. Perguntado se concorda com a análise, Bituca dá uma risada consensual e diz: “Um pouquinho”.

O cantor está, neste momento, rodando o Brasil e o mundo com a turnê de despedida dos palcos “A última sessão de música”. “Só não quero parar de compor nem de cantar. Quero fazer uma coisa com mais calma. Mas está muito bonito para parar (de fazer shows)”, diz. Ele já se apresentou pela Europa e, na semana passada, lotou uma arena carioca por três noites seguidas. Em outubro, embarca para uma temporada nos Estados Unidos e, no dia 13 de novembro, aterrissa no Mineirão, em Belo Horizonte, para a apresentação derradeira, cujos ingressos esgotaram em quatro horas.

Quem acompanha os bastidores dessa odisseia afirma que a cumplicidade entre pai e filho é inspiradora e impulsiona o cantor. É o caso do estilista mineiro Ronaldo Fraga, que desenhou os figurinos usados na turnê. “Acho muito comovente quando o pai começa a se tornar filho. E vejo isso acontecendo com o Milton. Nos nossos encontros, precisei praticamente tomar banho de álcool gel, tamanha a preocupação de Augusto”, conta o designer, que criou uma farda e uma vestimenta inspirada no “Manto da Anunciação”, do artista visual Bispo do Rosário, para os shows. “Pensei nas peças como uma epifania. Ele precisa estar no palco como um deus, um orixá da música.”

Ainda que a relação de pai e filho seja exaltada por quem está por perto, Augusto lamenta que esse vínculo seja frequentemente erotizado, sobretudo em comentários maldosos nas redes. “A internet é a terra dos imbecis. As pessoas precisam criar histórias, já que são infelizes com as próprias realidades”, critica. Milton completa: “Quem gostar, gosta. Quem não gostar, azar”.

Conhecido pela discrição com que trata a vida pessoal, o cantor se comunicou, em boa parte desta entrevista que durou uma hora, por meio de sorrisos rasgados que valiam por muitas palavras. O comportamento tem chamado atenção até mesmo de amigos de longa data, como o seu parceiro do Clube da Esquina, Lô Borges. “Sempre acho que ele está bem, mas agora está ótimo, muito alto-astral, sorrindo o tempo todo, contando casos. Passamos uma tarde em Belo Horizonte recentemente. Ouvimos discos, e ele cantava junto o tempo todo. Estou muito feliz em encontrar meu irmão assim”, celebra.

Durante a conversa, os lábios apenas se cerraram nas duas vezes em que Bituca foi perguntado sobre o cenário político brasileiro. Em ambas, optou pelo silêncio, e coube ao filho explicar a razão. “Evitamos o assunto porque o lado bolsonarista, principalmente, é muito agressivo”, justifica. “Como uma forma poética de falar sobre isso, incluímos ‘Coração de estudante’ no repertório dos shows e, quando ele acaba de cantar, diz: ‘Viva a democracia!’.”

Respondida a questão, Milton volta a conversar sobre as coisas que lhe dão prazer e aponta para um retrato em que aparece o lado do filho, na Amazônia. “O pessoal daqui tem que tomar conta do pessoal de lá”, pede, sobre a floresta. “É uma das coisas mais bonitas do Brasil.” Também fala com empolgação da vida que o espera depois da turnê. Quer descansar e passar uma temporada na Dinamarca, seu “segundo país”. Antes disso, lança um DVD do show gravado em Londres, ainda este ano, e um documentário com os bastidores da turnê e o registro da apresentação no Mineirão estão previstos para 2023. Um longa sobre a sua história também está no horizonte, com o roteiro já aprovado. “O passado, quando é bom, eu boto aqui (aponta para o peito), e o futuro ainda virá.” E o presente? “É isso tudo.”

Mais recente Próxima
Mais do Globo

A voz da jogadora será dublada pela atriz Paola Oliveira no 'Fantástico'

Isabel do vôlei terá sua história contada em animação

Comportamento de atleta chamou a atenção até de Elon Musk; ela foi prata no tiro esportivo de 10m

Paris-2024: 'Pistoleira marrenta' que conquistou web fica em 27º na prova em que prometeu ouro

Consumidor pode 'reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação' 'em trinta dias, tratando-se de fornecimento de produtos não duráveis', caso de produtos como o café

Comprou café impróprio para consumo? Veja como proceder após Ministério da Agricultura reprovar 16 marcas

No Instagram, PA fica atrás apenas dos aposentados Usain Bolt e Caitlyn Jenner; ele é o segundo representante brasileiro mais seguido

Atleta do Brasil nos 100m rasos, ex-BBB Paulo André é esportista do atletismo com mais seguidores no mundo nas redes sociais

David Pina conquistou torcida com cabelo no formato de Mickey Mouse

Primeiro medalhista de Cabo Verde teve de parar preparação para Paris-2024 para trabalhar como pedreiro em Portugal: 'Dinheiro acabou'

Haverá recepcionistas bilíngues, que darão informações sobre o estado do Rio aos visitantes

Galeão nas alturas: com quase o dobro de conexões doméstico-internacionais, terminal vai centro de informações turísticas

Brasileira pode conquistar nova medalha em Paris hoje. Rebeca Andrade é favorita ao pódio

Rebeca Andrade nas Olimpíadas: onde assistir e qual é o horário da final do salto da ginástica artística