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Por Eduardo Vanini


Renato, Déborah, Daniela e Uri estão por trás da Galeria Refresco — Foto: Ana Branco
Renato, Déborah, Daniela e Uri estão por trás da Galeria Refresco — Foto: Ana Branco

Nascido e criado na Favela Cinco Bocas, em Brás de Pina, na Zona Norte do Rio, Allan Weber perdeu as contas da quantidade de vezes em que os vizinhos quiseram entender o seu trabalho. “Quando digo que faço arte, perguntam: ‘Você faz grafite?’”, conta. “Respondo: ‘Não, mané! É outro tipo de arte’.” Foi então que, em vez de só explicar, decidiu mostrar seu ofício e inaugurou, há cerca de um ano, a Galeria 5Bocas, a poucos passos de casa.

A primeira exposição foi “A gente precisa se ver para acreditar que é possível”, com obras assinadas por ele e exibidas anteriormente em Ipanema. “Muitos amigos não puderam ir até lá, por questão de grana. Então, trouxe para cá”, conta. Prosseguiu com outras mostras, pelas quais já passaram nomes como Maxwell Alexandre e Almeida da Silva, e não só alteraram a rotina do bairro como engrossaram o caldo de uma cena que emerge no Rio. Em meio às baixas na cultura nacional, espaços foram criados a partir de uma busca coletiva por novos modelos de produção e divulgação nas artes visuais.

Allan é representado, quanto artista, pela galeria Galatea, sediada na Oscar Freire, em São Paulo, e que levou apenas obras dele para o estande montado na ArtRio, mês passado. O rapaz também teve um lugar para a sua 5Bocas no mesmo evento, onde exibiu trabalhos dos mesmos artistas em cartaz em Brás de Pina. A feira acabou, mas o seu espaço, avisa, tem as portas sempre abertas. “Às vezes, tiro um cochilo e esqueço de fechar”, diz. O acolhimento aos visitantes, acredita, incentiva os artistas, mas vai além: cria novos públicos. “Com as obras, as pessoas conhecem coisas diferentes. Abrem suas mentes e têm contato com gêneros e identidades diversas.”

Alla criou a 5Bocas em Brás de Pina — Foto: Ana Branco
Alla criou a 5Bocas em Brás de Pina — Foto: Ana Branco

A mesma preocupação se repete a 13 quilômetros dali, na Galeria Refresco, no Santo Cristo, com a inquietação de outros quatro jovens. Déborah Zapata, Daniela Avellar, Uri Nonnato e Renato Canivello criaram o espaço a partir de experimentações artísticas feitas no lugar, quando ainda estava abandonado. Para torná-lo “habitável”, botaram as mãos na massa, frente à falta de recursos. “Trocamos todos os pisos e refizemos paredes”, narra Déborah.

Terminadas as intervenções, sentaram-se para definir quais seriam as diretrizes do espaço e chegaram a uma questão central: todas as mostras ali seriam feitas a partir de chamadas abertas. “Nas galerias, em geral, você tem a figura de um curador que está de olho num artista e o convida. A gente, porém, acha que isso delimita muito as possibilidades e o acesso”, justifica Déborah.

A resposta à primeira chamada mostrou que estavam certos, quando 150 artistas se inscreveram para expor no local. O número, menciona Daniela Avellar, ultrapassou marcas registradas por um tradicional centro cultural da cidade e deu pistas de como os próprios criadores estão em busca de novos ambientes. “Damos um acolhimento ao experimental e à dimensão conceitual da arte”, afirma, sobre a liberdade criativa que se torna ainda mais relevante em meio à recente onda de censura. “É um lugar para o artista experimentar sem saber qual será o desdobramento.”

Os agitadores da Casa Bicho: Carla, João (atrás), Daniel e Lucas — Foto: Ana Branco
Os agitadores da Casa Bicho: Carla, João (atrás), Daniel e Lucas — Foto: Ana Branco

A Refresco divide-se entre exposições, residências artísticas e cursos, num fluxo que torna o lugar propício também a intercâmbios. “Repartição”, a última mostra exibida por lá, foi assinada conjuntamente por Raoni Azevedo e Edu Barros, que usaram drywall como suporte para pinturas que evocavam afrescos religiosos. Tudo pensado especificamente para o local, marcado também pela particularidade de fugir à lógica do cubo branco. “Há plantas que nascem no teto, manchas na parede e buracos de ar-condicionado”, cita Déborah.

Curiosamente, a vegetação também se faz presente num outro endereço desta cena. A Casa Bicho, que ocupa uma mansão com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas construída na década de 1950 no Jardim Botânico, na Zona Sul, recebeu esse nome justamente porque a natureza havia tomado a construção, fechada há anos. “Quando chegamos, tiramos mais de oito caçambas de lixo e mato”, afirma Daniel Lampert, que cuida do espaço ao lado de Carla Oliveira, João Ramil e Lucas de Paula.

Após a “faxina”, o grupo botou para funcionar um centro multicultural que abriga exposições e eventos, além de ateliês de artistas badalados, como Elian Almeida e Matheus Ribs. “Acreditamos que a arte institucional vai além da galeria e do museu. Estamos realmente criando algo novo aqui”, aposta Carla. Foi assim, por exemplo, quando misturaram música e artes visuais na exposição “Sagrado favelado”, em que Miguel Afa, nascido e criado no Complexo do Alemão, expôs telas inspiradas nas composições do rapper Onni, de Nova Iguaçu. “Não conversamos só com um determinado público. Recebemos pessoas de todas as regiões”, completa. “Queremos quebrar essa máscara de que você precisa ser de tal lugar ou condição social para entender de arte.”

Na Bacorejo, Papagaio e Rafa querem impulsionar novos artistas — Foto: Ana Branco
Na Bacorejo, Papagaio e Rafa querem impulsionar novos artistas — Foto: Ana Branco

Os protagonistas dessa movimentação cultural também têm em comum uma postura de não enfrentamento às galerias e instituições tradicionais. Estão mais interessados no diálogo, como reconhece o curador do Parque Lage, Ulisses Carrilho, entusiasta da cena. “Quem gosta de arte festeja essas criações e está feliz com as novas possibilidades”, diz. “Mostra como os artistas estão sempre prontos para fazer resistência.”

Há, portanto, uma forte articulação entre os envolvidos. Carla, por exemplo, é muito próxima da dupla de artistas Rafael Baron e DJ Papagaio que fundou, com objetivos semelhantes aos da Casa Bicho, o Bacorejo, na Rua do Rosário, no Centro. O mote é expor nomes ainda não representados por galerias, convidados por eles. Uma dinâmica que nada tem a ver com as famigeradas “panelinhas”. “Há artistas periféricos que ainda não dominam as técnicas de inscrição em editais. Por isso, é importante que o convite seja feito diretamente”, afirma Papagaio.

Desde a inauguração, Miguel Afa, Manuela Navas e Azuhli (em cartaz atualmente) já passaram por lá. A cada exibição, curadores e galeristas circulam pelo local e fazem girar algumas engrenagens. “Os dois primeiros já emplacaram obras na ArtRio”, comemora Papagaio, numa prova de como acertou em cheio ao escolher o nome do espaço. Bacorejo, ele lembra, é uma expressão em desuso, mas segue devidamente registrada nos dicionários: “É como se fosse uma dica, um pressentimento de que algo vai dar certo”.

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