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Por Eduardo Vanini


Gustavo e Otávio, mais conhecidos como OSGEMEOS, exibem retrospectiva no Rio — Foto: Chico Cherchiaro
Gustavo e Otávio, mais conhecidos como OSGEMEOS, exibem retrospectiva no Rio — Foto: Chico Cherchiaro

Ainda jovens, os gêmeos univitelinos Gustavo e Otavio Pandolfo decidiram compartilhar com o mundo as imagens que flutuavam dentro de suas cabeças. Precisavam, porém, descobrir a melhor maneira de fazê-lo. Pediram demissão do banco onde trabalhavam e passaram quatro anos enfurnados na casa da mãe, em São Paulo, desenhando incessantemente.

Da imersão, boa parte atravessada à luz de velas para que nada lhes tirassem o foco, materializou-se “Tritrez”. É como chamam o universo habitado por seres amarelos com olhares expressivos que cravou a assinatura “OSGEMEOS” no circuito internacional das artes visuais, do grafite nas paredes das cidades às galerias. Eles sempre evitaram explicar esse universo a fundo, mas, aos 48 anos, fazem algumas concessões na mostra “Nossos segredos”, que chega ao Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, nesta quarta-feira.

Em cartaz até 23 de janeiro, quando segue para Belo Horizonte, a exposição revisita a trajetória da dupla e é um desdobramento da versão exibida na Pinacoteca, em São Paulo, onde foi a terceira mais visitada da instituição — atraiu 238 mil pessoas, em meio aos protocolos pandêmicos. Na montagem carioca, a sala “Tritrez” mostra, pela primeira vez, desenhos relacionados à descoberta desse universo, feitos quando eles tinham 18 anos. “Compartilhamos as primeiras ideias, de onde vem esse nome, os símbolos do número três, como surgiram os personagens e como conversávamos com eles”, adianta Gustavo.

A curadoria é dos próprios artistas. Eles passaram as últimas semanas cuidando da montagem, testando configurações que poderiam mudar até a abertura. Em meio a quase mil itens, o público verá esculturas inéditas, telas emprestadas por colecionadores e fotografias de murais apagados, além de explorar os recursos técnicos desenvolvidos pelos irmãos, capazes de alcançar traços finíssimos a partir de um spray. “É uma arte que conversa com muita gente”, afirma Sueli Voltarelli, gerente geral do centro cultural carioca, com a expectativa de repetir o sucesso da Pinacoteca. “Costumamos receber pessoas que vêm pela primeira vez a um museu, atraídas por um grande nome. E ver a arte de rua dentro desse espaço é importante para que o público entenda como as portas estão abertas.”

A vontade de dividir particularidades, dizem os irmãos paulistanos, tem a ver com a própria história. “Sentimos essa necessidade quando atravessávamos as nossas descobertas”, relembra Gustavo. “Se tivéssemos visto como isso se dava com os artistas que admirávamos, talvez teríamos encontrado um caminho mais rápido.”

OSGEMEOS conheceram o grafite quando essa arte ainda começava a se consolidar no Brasil. Se Basquiat e Keith Haring haviam cruzado a fronteira entre as estações de metrô e as galerias na Nova York da década de 1980, por aqui, o papo era outro, com desconhecimento e preconceito. O destino, porém, deu uma mãozinha quando Cambuci, bairro paulistano onde Gustavo e Otavio foram criados, virou ponto de encontro da turma do hip-hop. Fascinados pela cultura, aos 11 anos, eles já davam os primeiros passos de break, aprendiam a discotecar e viam um universo de cores e formas se expandir bem diante dos olhos, por meio das latas de spray.

Até iniciarem oficialmente a carreira artística, porém, os irmãos, que começaram a trabalhar aos 14 anos, passaram por empregos burocráticos em locais como papelaria e locadora de vídeo. “Viver de arte nos anos 1980 e 1990 era muito difícil”, afirma Otavio, ainda que o desenho jamais tenha sido deixado de lado. “Sempre soubemos que queríamos desenhar, mas não que dava para viver disso”, completa Gustavo.

A consciência criativa, reconhecem, vem da infância livre, entre brincadeiras na rua e invencionices dentro de casa. “Nossos pais viam que tinha alguma coisa acontecendo. Agiam de um jeito meio ‘deixa eles no canto deles’”, rememora Otavio, numa narrativa reiterada pela mãe, Margarida. Ela conta que os filhos foram estimulados a desenhar desde os 3 anos, quando já mostravam singularidades. “Eles faziam um risco e, depois, outro, sempre numa direção certa. Eram detalhistas. Com o tempo, vi que isso não era normal, porque eram pequenos para fazer um desenho tão perfeito e direcionado.”

Adicione-se a isso o pai, Walter, que trabalhou na fábrica da Estrela e, vez ou outra, aparecia com protótipos de brinquedos. Um prato cheio para os irmãos, afeitos a criarem os próprios objetos de diversão, como um fliperama de pregadores e elástico. “Não víamos muito sentido em ter algo pronto”, comenta Gustavo, enquanto o irmão acrescenta o quanto esse comportamento está associado ao trabalho como artista. “Tem muito a ver com a coisa da instalação e da escultura. Seguimos fazendo a mesma coisa, porém de outra forma.”

Na escola, para desespero dos professores, só queriam saber de desenhar e um já repetiu de ano para acompanhar o outro. Em algumas ocasiões, a direção arriscava separá-los de classe para ver se surtia algum efeito. Numa dessas tentativas, houve um concurso de desenho e ambos chegaram ao mesmo resultado, apesar das paredes entre eles. Ganharam o primeiro lugar, e o prêmio, uma viagem a Brasília, precisou ser dado aos dois. “Às vezes, eu penso e ele desenha ou o contrário”, diz Gustavo.

Eles garantem que nunca brigaram e reconhecem o quanto é difícil explicar uma conexão tão singular. “Já tentamos sair fora de nós mesmos para nos enxergarmos e ver ‘quem são aqueles dois’. Só que estamos mais protegidos aqui dentro”, discorre Gustavo. “É uma vida complementar. Ele é o meu melhor crítico de arte, e eu sou o melhor crítico de arte dele.”

Nenhum dos dois experimentou a paternidade até o momento, mas não se trata de uma possibilidade descartada. “Foi muito importante o apoio que tivemos da família, e acreditamos que ter filho deve ser muito mágico”, diz Otavio, que, num curioso acaso do destino, namora atriz a Giselle Batista. A moça é gêmea univitelina da também atriz Michelle, e o casal já está junto há quase 10 anos. “Nem sabia disso quando a conheci, mas tem uma coisa bacana de entendermos os nossos mundos”, conta. Não que a condição de gêmeo tenha, em algum momento, provocado ciúme em outras pessoas. “Nunca houve nada disso, mesmo porque eu e meu irmão vivemos dentro do nosso universo paralelo. Então, independentemente de qualquer coisa ao redor, precisamos estar bem entre nós.”

A afirmação guarda um pouco do apreço pela liberdade nutrida por ambos e que justifica também a escolha pelo grafite. “Começamos a trabalhar dentro de casa porque a necessidade de nos expressarmos era muito forte, mas a casa ficou pequena. Encontramos a rua como extensão”, afirma Gustavo. “São Paulo nos dava a possibilidade de construirmos coisas grandes e, ao mesmo tempo, só queríamos pintar o que acreditávamos.”

Aos poucos, os elementos de “Tritez” ganharam os muros da capital e, sem qualquer estratégia prévia, alcançaram notoriedade. Foram das paredes de um castelo na Escócia a cenários de shows de cantores como Milton Nascimento. Viraram também esculturas infláveis gigantes capazes de caminhar entre as pessoas em apresentações ao ar livre e saíram em capa de revista numa parceria com Banksy, um dos maiores nomes da arte urbana mundial. Há, ainda, as exibições em alguns dos museus mais importantes do mundo, como o Tate Modern, em Londres, e o MoCA, em Los Angeles.

Tudo devidamente em seu lugar. Quando chegam aos espaços institucionais, afirmam o irmãos, as obras ganham outros contornos. “O grafite, para nós, é que nem jogar bola com os amigos aos domingos. É estar mergulhado num mar e subir à superfície para respirar”, descreve Otavio, sobre os trabalhos feitos na rua. “Faz parte da história do grafite essa coisa de intervir no espaço e aprender a lidar com isso. É diferente do universo fechado de uma galeria.”

Ambos reconhecem, contudo, que a visibilidade dada pelos locais de exposição é importante para abrir frente para que outros nomes da arte urbana ascendam. “Quando éramos moleques, você precisava ser formado em artes para ter uma galeria. Nunca entendemos isso. Arte é a arte”, sentencia Gustavo.

O mesmo serve para os trabalhos feitos em parceria com grandes marcas. Os desenhos deles já apareceram, por exemplo, em uma edição limitada de echarpes da Louis Vuitton e cobriram um avião da Gol. “É simples: se você pode ter um reconhecimento e viver do seu trabalho, isso é muito bom para um artista, principalmente no Brasil”, resume Gustavo, antes de Otavio dar continuidade ao raciocínio. “O importante é nos sentirmos confortáveis. Por isso, selecionamos muito bem o que fazemos.”

A demanda pelas criações dos irmãos pode ser explicada pelo encantamento que as obras provocam no público, como observa o diretor da Pinacoteca, Jochen Volz, diante da reação dos visitantes à passagem da mostra por lá, no fim de 2020. “Eles fazem a gente refletir sobre as nossas próprias imaginações. E pensar outras formas de viver e projetar nosso futuro é algo de que precisamos muito”, comenta.

O sucesso só não foi suficiente para impedir que desenhos assinados por eles fossem apagados de paredes de São Paulo, sob a justificativa de limpeza urbana. Uma postura que os artistas não só criticam como aproveitam para lembrar, mais uma vez, de seus pares. “É difícil para um menino ou uma menina juntar cinco latas de spray. É caro! Existem tantos outros problemas a serem resolvidos. Grafite não é um deles”, defende Gustavo.

Críticas do tipo já foram feitas de modo expresso em murais que chamam atenção para o aumento da fome no país e os ataques à liberdade de expressão. Posicionamentos partidários literais, entretanto, ficam de fora do repertório. “Nosso trabalho fala por si só”, define Otavio. “A arte tem esse papel importantíssimo de transformar, dialogar e questionar. Pintando na rua, já falamos muita coisa.”

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