Ao conquistar a independência financeira e sair de Embu das Artes, na Grande São Paulo, a gestora de comunicação e cantora Amaranta Vieira Rocha, de 40 anos, passou a viver com a liberdade que sempre sonhou: dividiu apartamento com amigas, morou com um namorado em Salvador e também fixou residência, sozinha, na capital baiana. Há seis anos, porém, precisou andar algumas casas para trás, neste caso, literalmente, quando se viu entre duas alternativas: continuar gastando 70% de sua renda com aluguel ou voltar a viver com os pais na cidade metropolitana. Ficou com a segunda opção.
“Não consigo pagar aluguel sozinha, uma realidade das grandes capitais. Gostaria de voltar a morar em São Paulo, mas minha renda teria que ser quatro vezes maior”, calcula. “Com o que ganho, não consigo ter autonomia. Ou você mora, ou você come. Fazer esse equilíbrio é difícil. A maioria dos meus amigos se casou ou voltou a viver com os pais.” Além do aluguel, Amaranta precisou enxugar bastante o orçamento em outras áreas, já que atualmente vive uma transição de carreira. Para não abrir mão do plano de saúde e da terapia, economiza nas saídas aos fins de semana e compra roupas apenas de brechó.
“Às vezes, tenho a sensação de que algo deu errado. Será que isso tem a ver com as escolhas que fiz lá atrás? Sempre vem esse fantasminha”, conta. Apesar do lado negativo da mudança, enxerga a convivência com os pais como um privilégio e reconhece neles um exemplo de luta e resiliência. “Conviver com quem a gente ama não é fácil, é um desafio diário. Cada um tem seu jeito, suas manias e diferenças, e meu ritmo choca-se com o deles.” A situação de Amaranta 9está bem longe de ser exceção. Sem renda o suficiente para ter autonomia, 68% dos adultos entre 25 e 34 anos, nos Estados Unidos, estavam morando com os pais, segundo pesquisa feita em julho do ano passado pelo instituto americano Pew Research Center.
Outro estudo, divulgado também em 2022 pelo canal de notícias Bloomberg, mostrou que um em cada quatro millennials (os nascidos entre 1981 e 1996) voltaram a viver com a família. O fator econômico, indicam, é o motivo principal da mudança, impulsionada pelos altos custos dos aluguéis. Esse foi o caso da publicitária Bianca Palombo, de 33 anos. Após sair da casa dos pais e morar sozinha por quatro anos, ela sofreu um revés. Ao ser desligada da empresa de tecnologia onde trabalhava, no ano passado, até conseguiu outro emprego, mas para ganhar metade do antigo salário, o que tornou inviável bancar uma casa e seus custos por conta própria.
Por isso, também precisou pegar o caminho de volta. No entanto, a situação era outra: agora, divide espaço com o irmão. “Meus pais já são falecidos, e no quintal da nossa casa há outras duas: uma ocupada pela minha irmã, e a outra, em reforma, onde ele pretende morar. Por enquanto, estamos juntos. As contas não são divididas direito nem as tarefas de casa, e isso gera estresse”, desabafa. As brigas constantes entre Bianca e o irmão, que moram na Zona Norte de São Paulo, já quase tiveram como consequência a agressão física.
“Adotei um gatinho, e ele falou que não dava para ter um animal em casa. Discutimos, e ele tentou me bater. Revivi uma situação em que ele realmente me agrediu anos atrás, e foi assustador”, relembra. “Morei sozinha durante quatro anos, um momento muito pacífico em minha vida. Voltar para essa convivência está sendo doloroso.”
Apesar de não ser a causadora das mudanças de Bianca e de Amaranta, a pandemia de Covid-19 fez, inegavelmente, com que muitos jovens e adultos que perderam seus empregos recorressem aos pais ou a algum familiar em busca de socorro. A situação derrubou a economia no mundo todo em 2020, e mesmo com a vacinação e o aparente final da doença, o Brasil, assim como outros países, ainda não se recuperou totalmente de seus efeitos. “Até países desenvolvidos sofreram com o problema da alta da inflação, o que justifica o preço mais caro de aluguéis e bens de consumo”, afirma a mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas do Rio, Claudia Anchite.
Outro fator relevante para as pessoas puxarem o freio no orçamento mensal foram as consequências econômicas da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, que começou em janeiro do ano passado e influenciou na alta do preço do petróleo e das commodities agrícolas. Claudine também cita a crise enfrentada pelas empresas de tecnologia, as chamadas big techs, e avisa que ainda não há previsão de melhora. “O governo está anunciando uma série de medidas que aumenta os gastos públicos, e isso vai gerar um prolongamento de alta da taxa de juros”, explica a economista.
Dois dias após ter fechado seu apartamento em São Paulo, onde morava há sete anos, Eduardo (nome fictício) , de 37, teve uma crise de choro. O publicitário foi demitido de uma startup onde trabalhava como gerente de marketing, em setembro de 2022, e voltou para a casa dos pais em Ribeirão Preto, no interior paulista, em fevereiro deste ano. “Foi um choque quando vi que estava na lista de demissão em massa da empresa. Apesar de ter recebido a rescisão, percebi que seria muito difícil continuar morando sozinho até conseguir outro emprego”, diz Eduardo. O momento conturbado tem sido contornado com trabalhos esporádicos como freelancer e o apoio de amigos e da família. Sua mãe, inclusive, ofereceu-se para pagar as sessões de terapia, algo que o publicitário tem considerado essencial para seu bem-estar.
“Tenho uma boa relação com meus pais. Apesar de entender que a dinâmica na casa deles agora é outra, preciso me adaptar. Tentamos respeitar nossas individualidades. Mas senti vergonha de voltar. O sentimento é de fracasso, porque, de certa forma, sem ter um salário certo todo mês, perdi minha independência. É impossível pagar aluguel e bancar o custo de vida em uma capital nessas condições”, lamenta. A idade, reclama, é outro fator que fez com que tudo parecesse pior. “Tinha uma rotina estabelecida em São Paulo e nunca imaginei ter que voltar para a casa deles, ainda mais agora, perto dos 40. Tenho medo de não conseguir me recolocar”, explica Eduardo, que passa pelo menos duas horas por dia no Linkedin, rede social voltada para contatos profissionais e vagas de emprego.
A psicóloga Daniela Faertes, do Rio, sugere que, nesta nova dinâmica de convivência entre pais e outros familiares, é essencial que as partes envolvidas cedam. “Geralmente, esses adultos são recebidos de novo em casa com as mesmas regras de quando eram adolescentes, e tudo pode ficar uma grande bagunça. É necessário falar sobre isso”, diz.
Para os pais, avisa, uma dica é ter empatia com os filhos, que já enfrentam um momento difícil, pela falta de perspectivas profissionais ou de dinheiro. “A sensação de fracasso pode enrijecer uma crença sobre incapacidade. Se eles veem que o filho está se movimentando para conseguir a independência de volta, procurando outro trabalho, é importante não fazer cobranças. Compreensão e respeito são a chave nesse momento”, finaliza Daniela.