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Por Eduardo Vanini

Do outro lado da linha telefônica, a voz de Leonardo Miggiorin inspira, a cada frase dita, a leveza de alguém em paz consigo mesmo. “Não vejo mais motivo para deixar de falar sobre a minha história, as minhas particularidades. Não quero agradar a todos, até porque nem todos me agradam”, diz o ator, de volta aos estúdios da TV Globo, depois de um hiato de dez anos.

Ele foi escalado para uma participação na segunda temporada da série musical “Vicky e a musa”, cujo lançamento está previsto para dezembro, no Globoplay. O papel é de um fotógrafo de carreira internacional que volta ao Brasil e se envolve num drama familiar em torno de Luara (Tabatha Almeida), uma das protagonistas da trama. É a primeira vez que Miggiorin, de 41 anos, incorpora os contornos de um homem maduro na emissora. Desde que ganhou fama como o ingênuo Zezinho, em “Presença de Anita” (2001), passou uma década enfileirando personagens jovens. “Explorei tanto a fase do garoto que já não aguentava mais. Surgir com 40, num papel mais velho e com outras nuances, é libertador”, comemora.

O convite providencial partiu de uma antiga admiradora, Rosane Svartman, a criadora da série, com quem ele já havia trabalhado em “Malhação: Intensa como a vida” (2012), uma das últimas aparições dele na emissora carioca. “Acompanhá-lo na televisão e no teatro e ver como mergulha em diversos personagens é uma felicidade”, elogia Rosane.

Se o potencial criativo para encarar novos papéis segue como marca registrada, o Miggiorin de carne e osso anda bem diferente nas atitudes. Resolveu se libertar de amarras que causaram cicatrizes e o fez cogitar que a trajetória de sucesso tinha chegado ao fim. Uma história que remonta aos 16 anos, quando ainda dava os primeiros passos na carreira. Na época, uma pessoa que o orientava profissionalmente disse que ele jamais poderia tornar público o fato de ser bissexual. Se isso acontecesse, correria o risco de deixar de ser escalado para novos trabalhos. O rapaz, que já na adolescência se relacionava com homens e mulheres, achou melhor acatar.

Aos 41 anos, ator está feliz em romper com o estereótipo do 'garoto' — Foto: Divulgação/Danilo Friedl
Aos 41 anos, ator está feliz em romper com o estereótipo do 'garoto' — Foto: Divulgação/Danilo Friedl

O assunto só foi tratado publicamente em maio deste ano, quando fez uma postagem no Instagram com declarações ao namorado, o diretor comercial e produtor João Victor Amado. Os dois estão juntos há três anos e meio e, mesmo diante de todos os avanços dos últimos anos, precisaram conversar bastante antes de optar pela exposição. “Não faz mais sentido publicar fotos com todos os meus amigos e não postar o cara com quem namoro. Minha comunicação estava muito fragmentada e, por causa disso, estava me escondendo e me isolando. Por outro lado, era como se não apoiasse a luta LGBTQIAP+”, conta Miggiorin.

Ele afirma também que conversou com os pais sobre a postagem e se preocupou especialmente com os dois sobrinhos, já que o mais velho tem 11 anos e usa o Instagram. “Liguei para a minha cunhada, e ela respondeu: ‘Léo, você não tem que pedir licença para ser quem é’”, recorda-se, emocionado. “Se ouvisse isso lá atrás, aos 19 anos, talvez tivesse sido uma pessoa com menos medo e sofrimento.”

Dores que o atrapalharam até mesmo na hora de interpretar um homem gay, na novela “Insensato coração”, em 2011. O Roni, na opinião do ator, foi uma oportunidade perdida de falar abertamente sobre a sexualidade. Mas, mesmo àquela altura, não havia quem o incentivasse a tal atitude. “Foi o personagem que fiz com menos naturalidade. Eu me escondia tanto, que perdi a espontaneidade”, desabafa, sobre uma angústia acentuada ainda mais diante de uma crítica negativa publicada num jornal. “Fiz um processo em casa, em que apaguei as luzes e comecei a me reconectar comigo. Dei início, então, a um laboratório de personagem pensando no que eu tinha dele e o que ele tinha de mim. Assim, consegui ser mais livre em cena.”

Com o namorado, o diretor comercial e produtor João Victor Amado — Foto: Reprodução/Instagram
Com o namorado, o diretor comercial e produtor João Victor Amado — Foto: Reprodução/Instagram

Já em “Presença de Anita”, o ator iniciante foi alçado a desafios de gente grande. A minissérie de Manoel Carlos protagonizada por Mel Lisboa tinha o erotismo entre os temas centrais e exigiu de Miggiorin jogo de cintura para encarar cenas de nudez. Algo que ele diz ter tirado de letra, graças ao amparo da equipe, o que incluía o esvaziamento do set nas passagens mais íntimas e uma forte sintonia com a colega de elenco. “Foi muito intenso para nós dois”, recorda-se Mel. “Lembro-me do dia em que eu ainda estava fazendo teste, e ele já estava aprovado. Tivemos uma conexão imediata e descobrimos ter nascido no mesmo dia e ano. Somos muito amigos até hoje.”

Os desafios da dramaturgia só não superariam aqueles vivenciados por tantos artistas nos bastidores do audiovisual. A certa altura da carreira, o ator passou a sofrer com o assédio de um profissional e as consequências de não ceder às investidas dele. “Foram violências veladas, e eu não tinha a força que tenho hoje internamente para me autorizar a dizer ‘você não vai falar comigo desse jeito’ ou ‘não virá ao meu hotel de madrugada e me pedir para descer’. Quando uma pessoa quer uma coisa e ela tem poder, é capaz de tudo, não enxerga o outro.”

Com Mel Lisboa, em 'Presença de Anita', série que o projetou para o grande o público — Foto: Divulgação/Cristiana Isidoro
Com Mel Lisboa, em 'Presença de Anita', série que o projetou para o grande o público — Foto: Divulgação/Cristiana Isidoro

O caso, comenta Miggiorin, deu-se numa época em que o assunto não era amplamente discutido como hoje. Restou-lhe, então, sofrer em silêncio, enquanto as escalações para novos trabalhos minguavam pouco a pouco. “Tive muitas crises de ansiedade e pânico”, narra. “Passei anos fazendo terapia, tentando entender o que estava acontecendo. É como não ser convidado para uma festa da qual você sempre participou. É chocante, sabe? Fiquei muito triste. Foram anos de muita solidão, na verdade.”

Observar os avanços em torno desse debate é algo que lhe traz alívio, ao mesmo tempo em que celebra as conquistas pessoais. Afinal, os percalços não o impediram de se formar em Psicologia e estudar o psicodrama, terapia que propõe a cura através do teatro, e atuar como professor substituto numa faculdade paulistana. Tudo isso enquanto crava espaço também como produtor teatral e prepara dois lançamentos no cinema: “O Diabo na rua, no meio do redemoinho”, de Bia Lessa; e “Inexplicável”, de Fabrício Bittar. “Estou vivo, estou na área, estou no jogo, pronto para o que der e vier. O resto são águas passadas.”

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