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Sentada na soleira da porta da casa da família, em Tatuí, no interior de São Paulo, Vera Holtz anunciou, aos 14 anos, uma decisão irrevogável: “De mim, não esperem filhos”. Houve quem “quase caísse para trás” e considerasse a fala uma heresia, mas a menina já demonstrava a convicção de uma adulta determinada. “Não me pergunte por que, mas nunca quis. Era uma coisa clara para mim. Sempre bati de frente com narrativas impostas”, recorda-se a atriz, que acaba de completar 71 anos.

Fazer uma afirmação como essa na década de 1960 evidenciava o quanto seguir as convenções estava longe dos planos da garota. Àquela altura, ela já havia sido plenamente fisgada pelas artes e, a todo momento, caminhava alguns passos à frente dos demais. “Lembro-me de estudar piano e já pensar no sintetizador”, recorda-se. “Eu dizia: ‘A música não vai ser feita apenas com os instrumentos que querem que a gente domine. Estamos em outro lugar, temos o rock ‘n’ rol’.”

Aos 23 anos, mudou-se para São Paulo, onde cursou a Escola de Artes Dramáticas da USP e começou a erguer os patamares de uma bem-sucedida carreira de atriz. Transitou entre o cult e o popular e alcançou o status de uma das artistas mais queridas pelo público brasileiro, tanto na TV quanto no teatro e no cinema. “Tia Virgínia”, longa lançado no mês passado no Festival de Gramado e do qual é protagonista, reafirmou esse reconhecimento. O filme chega aos cinemas no dia 9 de novembro com seis Kikitos, o troféu da premiação, um deles de melhor atriz. “Nunca imaginei que ganharia esse prêmio tão emblemático para a minha geração”, comemora Vera, que contracena com nomes como Louise Cardoso, Antonio Pitanga e Arlete Salles na obra. “Senti uma alegria juvenil.”

Diretor do longa, Fabio Meira conta que, por ter sido a primeira exibição, havia muita expectativa sobre como a história cheia de conflitos de uma mulher solteira, de 70 anos, que cuida da mãe, de 99, seria assimilada pelo público. Mas, antes mesmo dos troféus serem entregues, a resposta estava dada. “O filme foi aplaudido em cena aberta em três momentos diferentes, todos de muito vigor da Vera”, diz ele, acrescentando que vários espectadores sinalizaram alguma identificação com a personagem. “Ela tem uma humanidade na interpretação que faz com que seja confundida com a própria família das pessoas.”

Vera e o diretor Fabio, no set de "Tia Virgínia" — Foto: Vivi Gianquita
Vera e o diretor Fabio, no set de "Tia Virgínia" — Foto: Vivi Gianquita

Uma sensação experimentada pela atriz há alguns anos, desde que passou a enfileirar personagens sensíveis na teledramaturgia. Em “Mulheres apaixonadas”, novela lançada em 2003 pela TV Globo e em reprise no “Vale a pena ver de novo”, fez o público refletir sobre as dores do alcoolismo, por meio da professora Santana. Na época, Vera se lembra de ser abordada por mulheres que a confidenciavam, ao pé do ouvido: “Eu já bebi perfume”. “Foi tão forte que me chamaram para fazer uma personagem cômica pouco depois e recusei. Ainda não era a hora.”

Dois anos antes, a atriz havia levado ao ar, em “Presença de Anita”, no mesmo canal, outra personagem paradigmática: Marta, uma mulher que vivenciava um despertar libidinoso aos 50 anos. A trama incluía ondas de desejo e cenas de sexo com o ator Taiguara Nazareth, cerca de 20 anos mais novo, numa combinação explosiva o suficiente para também despertar confissões das espectadoras. “Elas diziam para mim que adorariam estar no meu lugar. Então, eu respondia: ‘O que custa? Vá atrás! Não é porque você tem 50 anos que a sua sexualidade morreu.”

Nem 70 ou mais. Ao refletir sobre o tema duas décadas depois, ela afirma que o desejo, um tabu para mulheres mais velhas, segue pulsante em seu corpo. “É normal, embora não tenha a mesma frequência. Também não acho que a sexualidade passe apenas pelo sexo. Passa por tudo. Falo do tesão pela vida, do êxtase diante de uma obra... Mas as pessoas querem que a mulher, depois de envelhecer, vire o Papai Noel”, protesta, declarando-se entusiasta de que todas tenham ao menos um “crush invisível”. Ela explica, entre risadas, o conceito: “A mulher tem de ter um universo secreto. É um direito dela. Tenho vários crushes em fantasia, em São Paulo e adjacências.”

Conselhos de alguém feliz também com a qualidade dos relacionamentos vividos ao longo da vida. Solteira e amiga de todos os ex-namorados — dado mencionado com orgulho —, ela conta que sempre esteve “em estado de paixão”. “Precisava dessa química e tive muitas relações”, afirma. “Às vezes, mando mensagens, envio coraçãozinho para lembrá-los de que não me esqueci de como eles amam. Ninguém ocupa o lugar de intimidade que existiu com alguma pessoa. É só dela.”

As atitudes e a sensibilidade de Vera para falar sobre temas tão caros ao universo feminino a transformam numa espécie de farol capaz de iluminar novas possibilidades de existência. Ela foi, por exemplo, uma das primeiras atrizes a adotar os cabelos brancos, algo que incentivou muitas admiradoras a fazer o mesmo. Já no recém-lançado documentário “As quatro irmãs”, em cartaz em diferentes plataformas de streaming, emocionou as espectadoras ao narrar uma menstruação vivenciada aos 63 anos. Causada possivelmente por uma reposição hormonal, a experiência se deu durante as gravações do longa, dirigido por Evaldo Mocarzel, em que ela revisita o passado da família ao lado das três irmãs. “Queria falar dos ciclos. Estava falando da menina, da menina velha, e sangrei”, recorda-se. “Foi um movimento do meu corpo. Gosto da ideia do ritual, do sangramento, do feminino.”

Com cenas filmadas em meio aos cômodos da casa de Tatuí, o documentário mostra como a família ocupa lugar central na vida da atriz, algo que ela diz ter se dado conta somente com o passar dos anos. Entre as memórias mais saborosas, estão as travessuras da juventude, com direito a escapadas pela janela para ir a festas e “transgressões” armadas juntamente com produtor de eventos Jorge Rizek, um de seus mais fiéis amigos desde aqueles tempos.

Entre as peripécias protagonizadas por eles, está a montagem de um espetáculo sobre os protestos da década de 1970, que foi proibido pelo juiz da cidade. “Decidimos fazer uma leitura mesmo assim, e chamaram o DOPS. Não sei como não fomos presos”, recorda-se Jorge, hoje dando risadas da história. “Depois, em São Paulo, fui com ela ao exame para a Escola de Artes Dramáticas. Na época, rondávamos os teatros e frequentávamos os lugares onde iam os artistas, numa vida muito boêmia. Vivíamos cantando pelas ruas.”

Outro episódio marcante compartilhado pelos amigos foi o baile hippie organizado em Tatuí, no clube do qual o pai de Vera, José Carlos Holtz, era diretor. Eles decoraram o salão com tinta acrílica e usaram luz negra para fazer brilhar as pinturas. Para arrematar a atmosfera lúdica, transformaram sanitários em vasos de flores, numa referência aos ready-made do artista francês Marcel Duchamp. José Carlos, porém, não gostou do que viu e respondeu à “audácia” da filha com um tapa.

Vera narra o caso sem demonstrar ressentimento. Reconhece o pai e a mãe, Terezinha Fraletti, ambos já falecidos, como figuras complexas e tenras. Afinal, lhe deram as bases para ganhar o mundo como sempre desejou. “Meu pai era rigoroso, mas presente no sentido de dizer coisas como: ‘Primeiro se forma, depois se casa’”, recorda-se, sobre a preocupação dele em garantir a independência da filha. Mas Vera, de todo modo, tampouco quis se casar. “Sempre entrei em confronto com a autoridade masculina. O homem que quiser diminuir a mim ou qualquer mulher à minha volta não vai se criar. Nunca briguei com ninguém, mas sempre falei o que quis.”

Em cena, no longa "Tia Virgínia", que rendeu a vera o prêmio de melhor atriz em Gramado — Foto: Andrea Testoni
Em cena, no longa "Tia Virgínia", que rendeu a vera o prêmio de melhor atriz em Gramado — Foto: Andrea Testoni

A atriz conversa sobre esses temas de um jeito profundo, numa abordagem quase filosófica. Ao longo de uma hora e meia de entrevista, as falas são pontuadas com sorrisos largos e gargalhadas, interrompidas por um choro involuntário em apenas um momento. É quando discorre sobre o orgulho das raízes caipiras. “Falo não somente por mim”, diz, recompondo-se. “Agora que viajamos com a peça, tenho orgulho do que tem de ‘interior’ dentro de mim. O interior de Minas é genial, assim como o de Mato Grosso, Goiás e Espírito Santo. O Brasil é magnífico.”

A peça em questão é “Ficções”, inspirada no livro “Sapiens: Uma breve história da Humanidade”, do historiador israelense Yuval Harari, em cartaz no Teatro Casa Grande, no Leblon, até 15 de outubro. Visto por cerca de 40 mil pessoas desde a estreia, no ano passado, o espetáculo guarda um tanto da curiosidade de Vera sobre a experiência humana e faz a plateia refletir sobre temas como política, religião e vida em comunidade, a partir de um acurado senso provocativo. De tão abrangente, chega a ser desafiador para a própria atriz, ganhadora dos prêmios Shell e APTR pela atuação, compreender tamanho sucesso. “Posso dizer que me toca profundamente, e a reação das pessoas é diferente. Há sessões em que plateia se mostra superemocionada e outras em que aparece mais curiosa ou em êxtase”, comenta.

A agenda da atriz tem espaço, ainda, para atuar como supervisora artística do espetáculo infantil “Voz de vó”, com estreia no dia 22, em São Paulo, e uma outra aparição no cinema. Ela está no curta-metragem “Teatro de máscaras”, de Eduardo Ades, que será exibido no Festival do Rio, em outubro. A má notícia é que, diante dos compromissos, o perfil @veraholtz no Instagram, onde a persona Vera Viral aparece em fotos produzidas em seu apartamento, em São Paulo, está sem postagens desde janeiro. “Mudei de plataforma, o teatro me roubou. Mas a Vera Viral está quieta, não adianta mexer com ela”, diz, reiterando que a persona já clicada com um peixe na boca e uma samambaia na cabeça só existe na rede social, onde é seguida por mais de um milhão de pessoas.

A qualquer momento, porém, o hiato pode se romper, a julgar pela disposição da atriz, tonificada por pilates, musculação e uma enorme sede de criação. “Eu sou quântica”, afirma. “A vida, para mim, é uma trajetória contínua. Como digo na peça, eu, Homo sapiens, sou uma viagem sem volta.”

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