Puma Camillê tinha 7 anos quando foi advertida pela irmã, ao dançar axé. “Eu era a bixa que dava close e, certa vez, ela disse: ‘Está rebolando demais’”, recorda-se. Naquele dia, entendeu que seu corpo era um problema para os demais e, na mesma época, entrou para a capoeira. “Foi quando descobri outros poderes. Enquanto meninos jogavam futebol e meninas pulavam corda, naquela roda não existia ele e ela”, recorda-se, sobre a experiência vivenciada em Campinas, São Paulo, onde nasceu.
- Johnny Massaro sobre namoro discreto: 'Quero preservar'
- Entrevista: Isabel Teixeira fala sobre descoberta de síndrome genética rara
- A fila anda: Titi Müller se reúne com ex-namorados em noitada e brinca com situação
Cada vez mais imersa na capoeira, ela percebeu o quanto a prática havia sofrido influências da branquitude que deturparam suas bases. “Deram uma cara de competição às rodas, que deveriam servir como uma terapia corporal que nos conecta com a espiritualidade. Era para ser um ambiente acolhedor a todos, como pessoas com deficiência e corpos gordos”, elenca Puma, uma mulher trans, de 30 anos.
Mais tarde, teve um clique ao se deparar com uma batalha de vogue (danças e poses inspiradas em revistas de moda, surgidas na década de 1960, em Nova York). “Gente, isso é capoeira!”, pensou. Dali em diante, viu a mistura se dar de um jeito quase orgânico, no Parque do Alto, em Campinas. Puma dava aulas de capoeira para pessoas LGBTQIAP+ por lá, e a galera da cena ballroom, que também ensaiava no local, foi se aproximando até a mágica acontecer.
Criou, então, o projeto Capoeira para Todes que une as duas culturas e acolhe todos os corpos. “Quando agimos na roda, colocando pessoas trans para tocar berimbau e cantar músicas em pajubá (linguagem criada por travestis), reescrevemos a história. Falamos da ancestralidade e da transcestralidade”, define.
O projeto teve tanta adesão que já rendeu convites a Puma para ministrar aulas e workshops em mais de 40 países. Só este ano, ela viaja para França, Estados Unidos, Portugal, Gana, Tunísia e México. “A capoeira e o ballroom existem no mundo inteiro. Quando interseccionamosos dois, alcançamos ainda mais gente”, afirma.
A mistura também deu liga o suficiente para chamar a atenção de pesquisadores. Mestra de capoeira e professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismosda Universidade Federal da Bahia, Janja Araujo é uma das estudiosas que acompanham Puma. “Ela integra o universo da capoeiragem a mudanças pertinentes na ‘grande roda’”, diz, em referência à sociedade como um todo. “E hoje, ao olharmos para a capoeira, reivindicamos o seu reconhecimento como movimento social, político e histórico.”
No que depender de Puma, essa roda jamais vai parar de girar.