A marceneira Renata Ciannella se aproxima do balcão de uma loja de material de construção e pede: “Tem pinus seca?”, madeira usada em sua oficina, no Jacaré, na Zona Norte do Rio. O vendedor devolve: “Para que você quer?”, deixando a carioca inconformada. “Um homem na mesma situação recebe como resposta sim ou não”, conta. A cena se repete na rotina de mulheres que atuam no mesmo ofício, ramo majoritariamente composto por homens. Em comum, a paixão pela marcenaria prevalece diante dos desafios de cada dia.
Renata se formou em Direito, mas acabou virando produtora de festas e sempre, com sua caixa de ferramentas, a que resolvia pepinos de última hora nos eventos. Procurou um curso de marcenaria e sentiu-se pouco à vontade como única mulher. “Não tinha coragem de fazer perguntas”, lembra. Profissionalizou-se no Liceu de Artes e Ofícios, no Centro, e hoje comanda um curso para o público feminino.
Também carioca, Paula Maggi foi “mordida pelo bichinho” durante a faculdade de Arquitetura. Recém-formada, veio a pandemia e passou a produzir quadros com uma técnica de gravação em madeira. Aprofundou-se nos estudos e seu dia a dia atualmente é na oficina PoloMaker, no Rio Comprido, entre restauros de móveis: “Temos que provar nosso conhecimento a toda hora, para fornecedores, clientes...”
Da surpresa de uma mulher na profissão, nasceu o nome “Oh, eu que fiz!”, marca de Joici Ohashi, em São Paulo. No curso de teatro, a moça notou o gosto pela cenografia e trilhou o caminho rumo à marcenaria. Após fazer um banco (Brasília) que foi finalista do Prêmio Salão Design, em 2019, veio o estímulo. Não se incomoda mais com piadinhas e, quando precisa, desabafa no grupo de WhatsApp com 30 marceneiras. “Pega quando vejo um homem mais bem-sucedido do que uma mulher mais experiente. A maioria de nós vira empreendedora por necessidade. Não há quase vagas no mercado para mulheres”, observa. À frente da Marcelaria, na capital paulista, a colega e arquiteta Marcela Marcondes vive as mesmas situações, mas garante já ter cliente preferindo marceneira. “Reclamam que eles deixam o trabalho incompleto e não cumprem prazos”, cutuca.
As quatro analisam: as diferenças, de fato, já foram mais acentuadas. “Com as blogueiras do DIY, essa imagem ficou mais natural”, reflete Renata. “É um lindo trabalho, artesanal e industrial, intelectual e físico”, descreve Paula: “E sobretudo sustentável e contra a obsolescência programada que tanto nos cerca”.