No mês passado, Juliana Paes, na pele de Dona Jacutinga na segunda fase de “Renascer”, parou o Brasil. A dança de despedida da personagem, ao lado de Norberto (Matheus Nachtergaele), causou comoção no público e engarrafou as redes sociais com elogios à sua atuação. “Fiz questão de fazer a novela para ter oportunidade de falar sobre a autonomia de nossos corpos. Essa mensagem é muito importante para as mulheres do interior do Brasil, muitas ainda são tratadas como propriedade”, observa Juliana, em entrevista presencial, olho no olho, feita diante do mar, num dia especialmente quente no Rio. Ainda neste semestre, a atriz encarnará Liana, na série “Pedaço de mim”, da Netflix. A trama gira em torno do abuso sexual sofrido pela personagem. “Somatizei o sufoco dela. A cenas foram barra pesada. Acabei no hospital por causa de uma sinusite”, diz.
![A atriz Juliana Paes — Foto: Pedro Bucher](https://s2-oglobo.glbimg.com/iw_P-d6yBn46CzfFgnMN0YTGHBA=/0x0:1448x2172/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/N/q/Kxj1Q2QQyIcmOkCPz86g/106135749-el-juliana-paes.jpg)
Aos 44 anos, a atriz está com a sensibilidade aflorada. O sorriso largo e a personalidade solar continuam os mesmos. Porém, sente-se outra depois de ter sofrido o que chama de “curra pública”. A polêmica, que, assim como sua performance como Jacutinga, parou o país, começou em junho de 2021, durante a pandemia de Covid-19, quando a atriz passou a ser cobrada a se manifestar politicamente. O estopim da crise se deu quando Juliana gravou e postou um vídeo, endereçado a uma “cara colega”, no qual defendia a não polarização e o direito de “não se sentir representada”. Do outro lado do imbróglio estava Samantha Schmütz. A humorista havia enviado uma mensagem, por meio do WhatsApp, à colega de trabalho, conclamando-a a sair de cima do muro. As divergências das duas transbordaram para o público, inflamando ainda mais o caldeirão.
Essa é a primeira vez que Juliana topa falar em uma entrevista sobre o assunto e suas consequências emocionais. “Os danos mentais foram sérios”, ressalta. Entre eles, crises agudas de ansiedade e um quadro de depressão. Para contorná-los, procurou ajuda psiquiátrica, tomou antidepressivos e começou a terapia, protelada por anos. A seguir, os melhores trechos da conversa em que a atriz fala sobre a polêmica, posicionamento político, casamento de 16 anos e passagem do tempo.
Longe dos palanques
“Nunca fiz nenhum tipo de aceno partidário para ninguém. Durante a minha vida pública, não levantei bandeiras nem para cá nem para lá. Não votei no Bolsonaro. Não me sinto capaz de compreender a complexidade desses ambientes políticos partidários e tenho pouca fé. Política, para mim, é realizada na prática, na vida real. Contribuo silenciosamente para inúmeros projetos sociais. Faço melhor esse papel atuando em outras frentes.”
A Ansiedade pré-pandemia
“Minhas crises de ansiedade começaram antes da pandemia. Fui diagnosticada com transtorno de estresse pós-traumático depois de perder pessoas da família, minha cachorra e embarcar em uma novela (“A dona do pedaço”) que me exigiu atenção integral. Fiquei sem tempo para me cuidar. Na sequência, veio a Covid-19 e, com ela, a pressão para que me posicionasse politicamente. Mas, estava lutando contra fantasmas internos e fui incapaz de elaborar sentimentos e pensamentos. Especialmente naquela semana em que recebi a mensagem de Samantha, por meio do WhatsApp, estava tomada pelo medo. Respondi a ela, que ficou em silêncio. Depois, gravei o vídeo e publiquei no Instagram.”
O vídeo
“É claro que não me expressei no vídeo como gostaria, estava no calor da emoção. Minha intenção era estimular uma cultura de paz. Não estava aguentando ver as pessoas se digladiando, amigo brigando com amigo. Sou, por natureza, uma pessoa diplomática. Meu erro foi tentar falar sobre debate e união naquele momento.”
A repercussão
“Virei o alvo perfeito. Por um bom tempo, tive medo de abrir meu celular. Acabei terceirizando minhas redes sociais para ficar afastada dos comentários. Fiquei impressionada com os lugares que as pessoas me colocaram... Me adicionaram rótulos que nunca me descreveram, fui chamada de ‘Bolsominion’. Acabou virando um telefone sem fio louco. Eu lia e pensava: ‘Mas eu nunca disse isso!’. A falta de um debate sadio e de uma interação que não fosse ataques pessoais me estarreceu. Gostaria de ter me posicionado mais. Porém, me fechei, virei um bichinho. E desenvolvi um quadro de depressão. Mesmo assim, conclamei a população a tomar vacina, me mostrei sendo vacinada. Acredito mais no exemplo do que no discurso.”
A depressão
Demorei a entender que estava deprimida, nunca tinha sentido nada parecido. Mas passei a ter pensamentos que não eram de vida, como “para que a gente vive?”, “por que a gente está aqui?”, “por que você me jogou aqui? Não queria ter vindo”. Quando me dei conta de que eles estavam invadindo a minha mente, eu, com dois filhos amados e amáveis, resolvi procurar ajuda psiquiátrica. Tinha alguma coisa química que não estava funcionando bem. Tomei antidepressivo por um tempo e parei. Iniciei a terapia, que havia evitado a vida toda, e mergulhei nos meus treinos físicos.”
![Vestido Anselmi, pulseiras Yar Atelier e brincos Betty Brand — Foto: Pedro Bucher](https://s2-oglobo.glbimg.com/UY-4mcZb_FSrHm9BQzxHqur_Ca0=/0x0:1524x2222/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/m/A/RbWu2SQvejM1pAiT8Rng/106135757-el-juliana-paes.jpg)
O trauma
“Sofri o que a minha terapeuta denominou de ‘curra pública’. Isso é um trauma. E, uma vez que se passa por ele, não se sai a mesma pessoa. A gente fica mais forte. A unanimidade não existe. Nem todo mundo vai me achar fofa, e tudo bem. Tem gente que segue um determinado artista só para não gostar dele, ‘hater’ virou uma espécie de profissão digital. Atualmente, quando leio certos comentários, penso: ‘Putz, essa pessoa não me conhece mesmo’. Isso não tem me ferido mais. Na vida pessoal, amo conhecer pessoas. Por mais traumatizada que tenha ficado, não consigo me fechar. A cada trabalho, estabeleço relações com novos profissionais. Poderia ser daquele tipo que faz ‘barreirinha’, mas não sei agir assim.”
A virada de chave
“A minha ida para o Pantanal, para gravar a novela, representou a virada de chave nesse processo. A cura se fez em dois pontos: em relação ao meu trabalho e às oportunidades. Eu me pegava pensando se as pessoas iriam acreditar naquilo tudo que estavam falando de mim... E a conexão com o divino. Estávamos imersos na natureza e, muitas vezes, sem sinal de celular. No final, percebi que traumas criam fantasmas que, na prática, não são nada disso.”
![Macacão Andrea Marques — Foto: Pedro Bucher](https://s2-oglobo.glbimg.com/fANOqSjW4wV0AZtP3maqooGS55w=/0x0:1448x2172/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/n/7/hbyZ6xSrGta4qYzTYJlQ/106135747-el-juliana-paes.jpg)
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O casamento de 16 anos
“Além do sexo como forma de reconexão, o que nos mantém juntos há 20 anos, entre namoro e casamento, é o que chamo de individualidade saudável. Viajo com minhas amigas, e o Dudu (o empresário Carlos Eduardo Baptista, marido de Juliana) faz o mesmo com os amigos dele. Saio sozinha, e ele também. Já li comentários maldosos do tipo “cadê o marido?”. Mas viver coisas sem ele só fortalece o nosso laço. Ainda o convenci a entrar na terapia, enchi o saco (risos). Falei que estava disposta a uma jornada de crescimento e, caso ele não viesse comigo, não estaríamos no mesmo platô. Ele entrou e as DRs estão mais fáceis e, o melhor, mais escassas.”
![A atriz Juliana Paes: top, saia e calça, tudo Francesca na Pulsa Rio , pulseira Nádia Gimenes e sapatos Santa Lolla — Foto: Pedro Bucher](https://s2-oglobo.glbimg.com/1lWu4hxqK9APcqh8buofPkrdg2s=/0x0:1448x2172/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/w/d/b3PquQRoWkJyzuT0wW4A/106135743-el-juliana-paes.jpg)
Sexo em evolução
“Eu e Dudu viemos, ao longo dos anos, quebrando muitas caretices relacionadas a brinquedinhos eróticos e gadgets. Hoje, a gente se diverte muito. Indico o sugador de clitóris, que é uma alegria. Uso sozinha e com ele. Meu marido sempre se mostrou aberto. Atualmente, Dudu é quem fala: ‘Cadê?’ (risos).”
A passagem do tempo
“É como disse Jacutinga para Maria Santa (Duda Santos) em ‘Renascer’: ‘Oxalá ter a sua idade com a cabeça que tenho hoje’. Tem essa luta de envelhecer diante do mundo. Mas estou adorando a segurança que a maturidade dá.”
Edição de moda: Lucas Magno F. Beleza: Markito Costa. Assistente de fotografia: Ana Santos. Produção de moda: Isa Corazza. Produção executiva: Kariny Grativol e Juliana Schiffler. Agradecimentos: Cliffside Rio e Empório Jardim.