Com semblante tranquilo e “cara lavada”, Tainá Müller abre as portas de casa, na Zona Oeste de São Paulo, para receber a equipe da Revista ELA. Visual e estado de espírito são diametralmente opostos de quando ainda estava na pele da personagem que a transformou nos últimos cinco anos, a policial Verônica Torres, protagonista da série “Bom dia, Verônica”, de Raphael Montes e Ilana Casoy. A última temporada, em cartaz na Netflix, ficou por três semanas no top 10 global do streaming desde a estreia, em 14 de fevereiro. Verônica também rendeu à Tainá o troféu de Melhor Atriz da América, na premiação holandesa Septimius Awards, em 2023. “A personagem é fascinante. Mas durante as gravações da segunda temporada, sofri com uma insônia terrível. Havia ainda a preocupação com a pandemia e eu gravava 12 horas por dia. Tive um burnout”, relembra a atriz gaúcha, de 41 anos.
Momentos antes da entrevista, Tainá ocupava-se dos detalhes de uma viagem para Portugal, onde passará um mês e meio gravando a série “Faro”, do canal RTP, seu primeiro trabalho internacional. Os cabelos loiros, que figuram nas fotos deste ensaio, deram lugar ao castanho escuro para a portuguesa Marta. A antagonista da trama retorna ao país de origem após temporada no Brasil com a família.“Me reconheço mais ‘eu’ morena e ando preferindo o cabelo curto ao longo”, diz.
![Tainá Müller em 'Bom dia, Verônica' e atualmente — Foto: Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/WhadDOM3GwJeDLe65zYWd9T0uIE=/0x0:1279x904/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/F/m/7Y3HihRAyPKBMxsEiWpQ/whatsapp-image-2024-03-01-at-12.01.44.jpeg)
As gravações serão em ritmo acelerado, a pedido de Tainá, para estar o menor tempo possível longe do marido, o diretor Henrique Sauer, de 43 anos — “vivemos uma fase totalmente apaixonados”— e do filho Martin, de 7. “E eles vão me visitar.” Modelo, apresentadora em Porto Alegre, onde nasceu, e jornalista de formação, a atriz também é conhecida por novelas da TV Globo, como “Insensato coração”(2011), “Flor do Caribe” (2013) e “Em família” (2014). Ao atuar em outras plataformas e se desvencilhar do contrato de exclusividade com a emissora, Tainá concretizou um desejo antigo de alçar novos voos e trabalhar em diferentes formatos audiovisuais.
A seguir, ela fala sobre o projeto e discorre, em um papo de quase duas horas, sobre machismo e a criação do único filho. A atriz também relembra situações de abuso nas relações amorosas e os diferentes acordos vividos no casamento de 12 anos. Confira os melhores trechos da conversa:
![Ao atuar em outras plataformas e se desvencilhar do contrato de exclusividade com a emissora, Tainá concretizou um desejo antigo de alçar novos voos e trabalhar em diferentes formatos audiovisuais — Foto: Gustavo Zylbersztajn](https://s2-oglobo.glbimg.com/E09l0K-vBUphJAPIDHkKmc3lcLQ=/0x0:1125x1500/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/q/b/OJMRj2SdOMON0h5FBNAg/106135351-el-taina-muller.jpg)
CARREIRA INTERNACIONAL
“Ir para o streaming possibilita estar no mundo todo. Recebi comentários de pessoas de outros países nas redes sociais, há uma movimentação fora do Brasil. Eu mesma administro minha carreira, e a partir da segunda temporada achei importante ter representantes na Europa e nos Estados Unidos. Meu trabalho em Portugal sempre foi muito bem acolhido, desde ‘Em família’. Por causa de ‘Bom dia, Verônica’, recebi o convite para esta série e achei uma ótima oportunidade fazer algo diferente. O diretor, Joaquim Leitão, já ganhou um Globo de Ouro, então, estou curiosa para viver essa aventura.”
SUCESSO DE "BOM DIA, VERÔNICA"
“Foi uma surpresa. É um trabalho com ousadia de roteiro, de linguagem, o elenco é bem escalado, há sinergia. Raphael e Ilana captaram muito do momento: falamos de violência doméstica na pandemia, depois de questões com líderes religiosos. Quando estudei filosofia e ecofeminismo percebi a forma como o sistema patriarcal trata as mulheres, a natureza, os animais... Então, é uma alegoria potente.”
![Durante as gravações da segunda temporada de 'Bom dia, Verônica', a atriz teve um burnout — Foto: Gustavo Zylbersztajn](https://s2-oglobo.glbimg.com/hcWkVxHY5BBMwBGeohAsm8h1lY4=/0x0:1125x1500/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/P/z/JjONcXRwi5c9ctaGgO9Q/106135355-el-taina-muller.jpg)
TERAPIAS E BURNOUT
“Durante as gravações da segunda temporada da série, trabalhava 12 horas por dia, em estado de alerta constante, com cenas tensas. Precisei me isolar porque não podia pegar Covid e parar toda a produção. Além disso, havia um caminhão emocional de traumas por causa da pandemia. Ao final das gravações, entrei em cartaz com a peça ‘Brilho eterno’. Na mesma época, a funcionária que eu tinha, única rede de apoio para cuidar do Martin, teve que sair. Sem ter com quem deixá-lo, botava ele no carro de pijamas e o deixava na casa de amigas ou mães de amiguinhos. E tudo isso sentindo uma insônia terrível, não conseguia descansar. Meu corpo pifou. Fui diagnosticada com burnout e encarei uma jornada séria para me recuperar. Tentei todas as terapias mais holísticas, acupuntura, meditação, mas só melhorei mesmo quando encontrei a Dra. Rosa Hassan, uma das maiores especialistas em sono do Brasil. Ela ajudou meu corpo a reaprender a dormir.”
CRIAÇÃO MACHISTA
“Meu pai é do interior do Rio Grande do Sul, tem outra cosmovisão, outras referências. Lá, se o pai tem um filho, era comum a frase: ‘Prendam suas cabras porque meu bode tá solto’. Coisas cotidianas vistas com normalidade, que me incomodavam em um lugar que não sabia explicar. Minha combatividade ao machismo vem desde cedo. Essa nova onda feminista está mexendo com as estruturas. As coisas têm, lentamente, se acomodado de forma diferente. Mas mudar uma cultura leva tempo. Como a esperança é a última que morre e estou criando um menino, espero que ele tenha outro ‘chip’”.
![Tainá Müller: 'Essa nova onda feminista está mexendo com as estruturas, mas mudar uma cultura leva tempo' — Foto: Gustavo Zylbersztajn](https://s2-oglobo.glbimg.com/dYj8cut4ReHD1vwI8g_sqd0-zA8=/0x0:1125x1500/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/G/n/cBKrd9SsGql6k6tfa6OA/106135353-el-taina-muller.jpg)
RELAÇÕES ABUSIVAS
“Eu me acolho e me perdoo por não ter identificado esses abusos. Sofri gaslighting quando um namorado terminou comigo de forma fria. Ao começar a namorar outra pessoa, ele espalhou que provavelmente eu já estaria com o novo namorado e, por isso, ‘provoquei nele a vontade de terminar’. Depois, a história mudou, e ele disse que eu terminei para ficar com o outro. Essa espécie de difamação resultou em amigos próximos me tratando de forma estranha. É a distorção ridícula da realidade, com consequências sérias. Mas, no geral, vejo a disponibilidade dos homens em escutar mais. Eu e meu marido temos um diálogo maravilhoso. Já o conheci mais desconstruído.”
CRIAÇÃO DO FILHO, MARTIN
"Assisti a um documentário, ‘The mask you live in’, que mostra como o machismo afeta os homens. Eles precisam ter uma ‘máscara’, não podem entrar em contato com os próprios sentimentos, precisam ser viris e vencer a qualquer custo. Isso gera uma pressão psicológica gigante. Meu filho é muito pequeno, mas tento dar a ele uma consciência de gênero de forma delicada e lúdica, e estimulá-lo a entrar em contato com as emoções.”
SIGNIFICADO DA MATERNIDADE
“É a possibilidade de evolução, tanto pessoal quanto da minha ancestralidade. Eu não sou mais o centro da minha vida, e é bom a gente sair desse exercício egoico. Claro que meus desejos importam, mas você não é a pessoa mais importante da sua própria vida. Amo ser mãe, mas ainda não sei se teria mais filhos. Se rolar, vou querer parar tudo, mas vivo um momento frutífero profissionalmente. Não quero terceirizar a criação.”
![Tainá Müller afirma que a maternidade é a possibilidade de evolução, tanto pessoal quanto de sua ancestralidade. — Foto: Gustavo Zylbersztajn](https://s2-oglobo.glbimg.com/RgWz2Yzan3pLng-_fTwFTfPvm1s=/0x0:1125x1500/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/9/1/pe58JlTfOh4LvDHJA8YA/106135357-el-taina-muller.jpg)
VIVÊNCIA DA NÃO-MONOGAMIA
“Agora, estamos monogâmicos, mas já experimentamos outros formatos. Relacionar-se com seres humanos é o maior desafio da Humanidade, assim como quebrar padrões preestabelecidos pela cultura. Mas também acredito no fluxo, de viver momento a momento, o que cada fase pede.”
CASAMENTO DE 12 ANOS
“Estou em uma fase completamente apaixonada. Casamento tem ondas, superações de crises. Na época da pandemia, tivemos excesso de convivência. E a gente vai se transformando, todo mundo muda, e o sexo acompanha essas fases. Mas perceber que mesmo assim queremos continuar juntos e temos os mesmos objetivos, é muito bom. Dei sorte (em estar com Henrique), mas ninguém é perfeito. Ele é muito disponível e aberto para conversa e para essa desconstrução. Vejo que, felizmente, estou construindo um casamento que desejo e mereço ter. E ainda encontrar paixão e fogo nisso tudo, é maravilhoso. A gente, como mulher, às vezes se contenta com pouco. Mas dá pra ser mais feliz."