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Por — Rio de Janeiro

Um dos álbuns brasileiros mais elogiados dos últimos meses, “Me chama de gato que eu sou sua”, de Ana Frango Elétrico, guarda um segredo em seu bastidor. O disco nasceu, segundo ela, do desejo “de demonstrar sonoramente entendimentos e sentimentos sobre um amor não-binário”. Na época, ela estava no auge de um relacionamento de dois anos com uma mulher, mas, no meio do processo, o romance desandou. “Finalizei o trabalho com o namoro terminado. E aí, veio um momento bem doloroso, em que não aguentava mais ouvi-lo. Queria quebrar o meu computador”, recorda-se. “Quando escutava ‘Insista em mim’, tinha vontade de me enforcar. Isso acabou atrasando o lançamento, porque o álbum só falava disso.”

Embebido em notas de funk, disco, jazz e bossa nova, “Me chama de gato que eu sou sua” chegou às plataformas em outubro do ano passado e celebra o amor em quase todas as faixas, com a leveza de quem vive a plenitude desse sentimento. Entre os três álbuns já lançados pela carioca de 26 anos, é também aquele com menos letras de autoria própria. Expor-se da maneira como desejava, diz a cantora, soou mais fácil por meio de composições assinadas por amigos. Uma das exceções é justamente “Insista em mim”. Daí a dificuldade em ouvir a canção àquela altura. Afinal, são versos íntimos como “Pegue o que quiser de mim / Me plante agora em seu jardim / E, se eu murchar, me regue / Insista em mim”.

Ao viver a fossa do fim do namoro, ela conta que até voltou a compor naquele momento. “Mas nenhuma dessas músicas entraram no disco. Talvez estejam num próximo trabalho”, adianta. Superada a tristeza, contudo, Ana conseguiu dar outras camadas ao trabalho finalizado. “Foi um amor vivido com muito afeto e dedicação”, reconhece, hoje em outro relacionamento. “Mas, quando a dor passou, consegui ressignificá-lo. Era dedicado a uma pessoa, e começou a servir para outras também. Volta e meia, fazemos uma música pensando em algo, mas alguém interpreta coisas tão legais, que fazem até mais sentido.”

De fato, não faltam admiradores dispostos a isso. O primeiro single do álbum, “Electric fish”, escrito em inglês pelo trio Bruno Cosentino, Marcio Bulk e Sylvio Fraga, é uma faixa dançante que virou sucesso instantâneo e já soma mais de 1,7 milhão de plays só no Spotify. O lançamento do disco inteiro, na sequência, tampouco frustrou as expectativas de quem havia sido fisgado pelo hit e fez com que Ana passasse a se apresentar com ingressos esgotados pelo Brasil. Também abriu os caminhos para uma primeira turnê pela Europa e a fez garantir lugar de destaque nos line-ups de festivais importantes. Só nas próximas semanas, se apresenta no Queremos!, no sábado, e no Doce Maravilha, no dia 26 de maio, ambos no Rio. Até o fim do ano, sobe aos palcos do Sensacional, em Belo Horizonte; do Mada, em Natal; e do Rock The Mountain, em Petrópolis.

O bom desempenho segue o rastro de uma carreira ascendente desde os primeiros lançamentos. Se a estreia com “Mormaço queima” (2018) já agradou muita gente, o disco seguinte, “Little electric chicken heart” (2019), foi indicado ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa. Também rendeu à cantora o prêmio de artista revelação pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

Ana caiu também nas graças de outras gerações, que passaram não só a prestar atenção em sua obra como colaborar com ela. É o caso do músico Rubinho Jacobina, de quem a cantora regravou “Dr. Sabe Tudo”. “É até difícil classificá-la, por ser uma intérprete e compositora muito autêntica. A voz dela não lembra a de Gal Costa, Marisa Monte ou Bethânia. É um canto muito original na música brasileira”, ele diz. Rubinho, porém, faz uma ressalva: identifica semelhanças de timbre entre a jovem e a cantora de jazz americana Blossom Dearie (1924-2009).

Filha de uma psicóloga e de um professor e artista plástico, Ana se interessa por música, poesia e artes visuais desde que se entende por gente. Uma mistura que, segundo ela, converge para a produção musical. Estudante do Centro Educacional Anisio Teixeira (Ceat), em Santa Teresa, pegava o bonde que cruza o bairro, ainda na pré-adolescência, para estudar também na Escola de Música Villa-Lobos, no Centro do Rio. Mais tarde, formou com amigos a banda Almoço Nu, cujo nome era inspirado no livro do americano William Burroughs (1914-1997).

Ao concluir o ensino médio, foi cursar pintura na UFRJ, sem jamais deixar a relação com a música de lado. Em 2016, quando alunos da rede pública começaram a realizar uma série de ocupações em escolas em defesa da educação de qualidade, a jovem se interessou pelo movimento e foi até o Colégio Estadual André Maurois, no Leblon, conferir a mobilização de perto. Levou algumas pinturas para exibir, mas descobriu que havia um microfone aberto para apresentações. Decidiu, então, pegar a guitarra e cantar algumas composições próprias. Na hora de se inscrever, precisava dar um nome e, pela primeira vez, apresentou-se como Ana Frango Elétrico.

O nome artístico, que costuma despertar curiosidade em quem o escuta, faz referência ao sobrenome original da cantora: Fainguelernt, de origem russa. “(Frango Elétrico) vem de uma brincadeira sonora com o meu sobrenome, mas também tem uma referência de ‘Clara Crocodilo’, de Arrigo Barnabé, que estava ouvindo na época”, conta, acrescentando à lista de motivações o interesse por assumir um heterônimo. “É uma influência de Fernando Pessoa, desse lugar artístico de poder ter outras identidades.”

Barnabé, diga-se, era um dos expoentes da Vanguarda Paulista, movimento que tem lugar cativo no balaio de inspirações de Ana, onde há boas pitadas de pop e jazz americanos, mas, acima de tudo, a presença de nomes da música brasileira. Ela, porém, refuta a pecha de “nova MPB”. “Sou cria da música popular brasileira, amo esses artistas e não estou desgostando deles”, explica. “Mas, prefiro dizer que sou pós-MPB, assim como sou pós-punk, pós-pop e pós-Paul B. Preciado e seu ‘Manifesto Contrassexual’.”

A citação ao filósofo espanhol, famoso pelo debate identitário e pela desconstrução de padrões, também descortina a maneira como Ana se apresenta para o mundo: uma pessoa não-binária e pansexual (alguém que se relaciona com toda a diversidade de identidades de gênero). Discreta ao falar da vida pessoal, ela prefere discutir o assunto por meio das músicas. Em “Dela”, escrita por Ana em parceria com Joca e Pedro Amparo, costura pronomes femininos, masculinos e neutros. “Dela, delu, nossa, dele, minha, sua”, diz a letra. Já em “Camelo azul”, de Victor Conduru, canta: “Seu cheiro me lembra / Meu lado feminino / Mas hoje sou menino”. “Acho que tem a ver com flexibilidade e dúvidas”, resume.

Ava Rocha, outra veterana de quem a carioca é próxima, mergulhou na personalidade de Ana quando recebeu o convite para compor uma canção em parceria com a cantora. O resultado foi o single com o sugestivo nome “Mulher homem bicho”, lançado em 2020. “Eu me inspirei muito numa entrevista em que ela falava sobre isso”, conta Ava. “É uma letra feita para caber perfeitamente na voz e no universo dela. Alguém que mistura as referências musicais, assim como mescla todos esses devires da sexualidade e da identidade, quebra os padrões formais. É uma artista debruçada sobre a liberdade.”

Tal postura, reconhece Ana, é um valor inegociável de seu trabalho, algo que a deixa em paz com o alcance de sua notoriedade até aqui. “Não acho que serei grande com os discos que já lancei, porque são trabalhos que não têm a ver com uma indústria grande”, afirma. “Tem a ver com a minha trajetória e visão artística. Se Deus quiser, um dia, vou ser muito reconhecida sem ter feito concessões que prejudiquem a minha saúde mental.”

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