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Professora da UFRJ rompe barreiras da academia pelas redes sociais

Uma das criadoras do grupo "Intelectuais Negras", Giovana Xavier inspira mulheres
Pós-doutora e professora da UFRJ, Giovana Xavier rompe os limites Foto: Robson Maia
Pós-doutora e professora da UFRJ, Giovana Xavier rompe os limites Foto: Robson Maia

Todo começo de semestre, a professora Giovana Xavier repete o mesmo aviso diante de uma turma lotada na UFRJ:

—Aqui vamos ler, discutir e falar apenas sobre mulheres negras. A quem não estiver na vibe, a casa oferece 99,9% de outras possibilidades.

Recado dado, ela parte para o conteúdo da disciplina Intelectuais Negras, ministrada na Faculdade de Educação, onde é professora adjunta de Didática Especial e Prática de Ensino de História. A eletiva já recebeu mais de 300 alunos em três anos e é mais uma das frentes de produção de saber lideradas por Giovana.

Mãe do Peri, pós-doutora, docente, coordenadora de um grupo de pesquisas e blogueira; cada uma dessas atribuições é, por si só, uma bandeira de ativismo. Giovana está acostumada a romper as barreiras impostas, mas não está nem um pouco interessada em fazer isso sozinha. Ela descobriu que sua própria existência e sua trajetória são capazes de inspirar muita gente a fazer o mesmo. Por isso, não se cansa de ampliar os canais por onde escoa a sua voz.

— O que peço o tempo todo é que as mulheres negras sejam mais escutadas. Afinal, a gente tem voz. O que não temos são ouvidos para nos escutar — afirma.

Quando ingressou na Faculdade de História, Giovana tinha como horizonte dar aulas na educação básica. Mas, ao se envolver com projetos de pesquisa, a atuação no universo acadêmico passou a ser o seu objetivo.

— Comecei a fazer estudos ligados à escravidão e ao período pós-abolição e conheci histórias de protagonismo de pessoas escravizadas, como mulheres com fortunas e patrimônios. Ficar diante delas me fez decidir que queria ser pesquisadora do protagonismo negro no Brasil.

Caminho sem volta. Da faculdade foi para o mestrado; do mestrado para o doutorado-sanduíche com uma imersão na New York University; e daí para o pós-doutorado e a conquista de uma cadeira no corpo docente da UFRJ.

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Antes de criar a disciplina eletiva, Giovana cofundou o Grupo Intelectuais Negras, também baseado na universidade carioca. A iniciativa começou como um espaço de discussão sobre autoras negras que não estão nas grades acadêmicas e se desdobrou também num ambiente produtor de conteúdo e oficinas. Hoje, funciona no âmbito acadêmico, formando graduandas e mestrandas por meio da pesquisa.

— O nome “Intelectuais Negras” adjetivado pela UFRJ, na minha opinião, é um marco. É algo que comunica — diz a professora, que também tem, entre os seus trabalhos, a organização do catálogo “Intelectuais negras visíveis” (baixe aqui ), uma listagem de profissionais de diferentes áreas. — Sempre que íamos a palestras e eventos, as pessoas diziam que queriam chamar uma médica ou uma cineasta negras, mas não as encontravam. Até brincávamos que éramos a “Wikipreta”, quando nos consultavam. Criamos o catálogo para acabar com isso e mostrar a todos que essas mulheres existem.

Ficar restrita à academia não é o barato de Giovana. Ela criou um blog e alimenta suas contas no Instagram e no Facebook — todas com o nome “Preta Dotora” — com pílulas diárias de inspiração, que extrapolam o campo profissional. Estão lá dicas de leitura, atividades culturais, saúde e até as aulas de surfe (“outro espaço dominado por brancos”), que ela começou a frequentar.

— Ocupo muitos lugares e falar sobre isso é importante para mim. Logo que comecei a escrever, vi que as pessoas gostavam.

Ser alguém que inspira é como uma militância, uma categoria política. Hoje recebo muitas mensagens de mulheres que voltaram a estudar e decidiram seguir a carreira acadêmica ou até mesmo pegaram uma bicicleta para se exercitar — comemora.