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Reynaldo Gianecchini fala sobre as rugas dos 46 anos, a alma sedutora e a vontade de quebrar preconceitos

'Todo mundo perdeu tempo querendo agradar e ser validado', diz ator
Reynaldo Gianecchini Foto: Cristiano Madureira / Cristiano Madureira
Reynaldo Gianecchini Foto: Cristiano Madureira / Cristiano Madureira

Reynaldo Gianecchini abre a porta mas quem pula em cima de mim são seus filhos. Mano, de 3 anos, e Mafalda, o bebê de um. Dois buldogues carinhosos, que continuam subindo em mim. “Parem com isso. Venham aqui com o papai. Vão ficar lá fora no terraço, hein? Ai, amo essa cara amassada deles”. Giane anda descalço em casa. Na camiseta, uma frase inscrita: “é muita função”. Muita mesmo, diz o Régis de ‘A dona do pedaço’, o cafajeste que se redimiu e torce para terminar a novela com a boleira Maria da Paz, seu “amor de verdade”.

A última vez que entrevistei Giane ele estava careca. Faz sete anos. Acabara de se curar de um câncer agressivo e se recuperava do transplante de medula e da quimioterapia. Tive ali o primeiro impacto com sua sensibilidade e gana de viver. Hoje, depois de uns anos sabáticos pela Europa, aos 46, sua beleza ficou mais máscula. Rugas surgiram. O ar não é mais de garoto. Amadureceu bem. Músculos delineados. Mais bailarino do que lutador. Giane é ainda mais bonito pessoalmente. É dessas pessoas que irradiam simpatia e se expressam melhor com o corpo inteiro – os 83 kg em 1,86m. O close no rosto não basta. O charme não cabe na telinha. Nossa conversa dura duas horas. E hoje é sobre liberdade e preconceito, sobre desejo e repressão. “Sempre me cobraram muito: ‘quando é que você vai sair do armário?’ Acho essa expressão cafona, ultrapassada e preconceituosa”, diz.

Na cobertura onde mora, no Rio, com vista 360 graus de praia, lagoa e montanhas, o muro de cactos convive com a delicadeza da jade, trepadeira cor de esmeralda. O jardim de Giane é uma de suas delícias domésticas. Na sala, decorada com inspiração industrial, canos e ferros à mostra, há estatuetas de Buda e Jesus. “Eu me conecto com a energia deles”. Uma coleção de cristais na parede. Mas o cristal principal está no quarto, um coração grande de quartzo rosa. Uma escultura em tela metálica de corpo de mulher, de Peter Robinson Smith, projeta a sombra que se torna a verdadeira obra. A bicicleta vermelha, ele usa hoje com pouca frequência porque prefere malhar na academia. Está sem tempo por causa da novela.

Reynaldo Gianecchini usa tricô Salvatore Ferragamo Foto: Cristiano Madureira
Reynaldo Gianecchini usa tricô Salvatore Ferragamo Foto: Cristiano Madureira

Na cozinha, uma parede negra exibe em giz mensagens, todas de amor. Nessa entrevista para ELA, Giane – do signo de Escorpião, “o sedutor” do Zodíaco – se despe em palavras e imagens e revela que filmou um longa, com estreia este ano nos cinemas. Sorri sem rodeios, sempre. E o sorriso dele é uma coisa, “amore”.

Você se acha místico?

Sigo rituais, sou curioso como um bom escorpiano. Tenho uma coisa com o esotérico. Acredito em energia, medito todos os dias, gosto de pegar em cristais. Primeiro as namoradas faziam mapa astral para mim, depois eu peguei gosto. Hoje, acredito mais na intuição. Desisti de cartomante, búzios, tarô. Quando você espera uma resposta de fora, deixa de olhar para a força que tem dentro.

O Sri Prem Baba era seu mestre espiritual. As acusações de abusos sexuais o chocaram?

Não gostaria e nem posso tomar partido nisso, porque não me aprofundei. O que posso dizer é que ele me deu muita coisa, sou grato por tudo que aprendi sobre o amor e o autoconhecimento. Mas não quero mais nenhum líder espiritual, não quero intermediários nessa minha busca. Em tese, acho que um líder espiritual, por se colocar numa posição de iluminado, não pode mesmo ter fraquezas mundanas.

“Tenho uma coisa com o esotérico. Acredito em energia, medito todos os dias, gosto de pegar em cristais. Mas não quero mais líderes espirituais. Hoje, acredito mais na intuição”

Reynaldo Gianecchini
Ator

Em que a meditação te ajuda?

Não quero dizer que eu sento e levito. Tem dia que meditar nos leva a um lugar muito forte de uma conexão com a gente mesmo e com a natureza. Tem dia que é mais difícil. Mas não saio de casa enquanto não acalmar a mente e estabelecer o que quero para o meu dia. Ser flexível, disponível. Quero que meu trabalho flua. E que minhas relações sejam maravilhosas.

Você ainda tem medo do câncer? O que diria a quem tem esse medo?

Diria que o controle que queremos ter sobre as coisas só gera sofrimento. Por que a gente só quer sentir alegria? As decepções, as tristezas também fazem parte. Toda vez que me coloco numa situação que não é confortável, penso que é uma aventura passar por isso. Tá ruim, tá na merda, vamos cheirar essa merda. Ao viver, estamos sujeitos a milhões de desconfortos. Tudo tem uma razão. Minhas prioridades mudaram. Me deu um buraco existencial aos 42 anos. Eu já não entendia o lugar em que estava. Hoje entrei num outro clima. Tenho tirado sabáticos. Antigamente, trabalhava que nem louco. Era demais. Eu pedi um tempo. Fiquei dois anos sem fazer novela. Queria acordar e tomar um café com calma, falar com os amigos, viajar, que é a coisa que eu mais gosto.

Você resolveu ser turista durante dois anos?

Viajar não é fazer turismo para mim. Viajar é entender um pouco das outras culturas, até para entender a nossa. Percebi como a gente é preso ao culto do corpo no Brasil. Uma fissura com a perfeição. Com a estética, com a juventude...  E lá fora não tem nada disso.

Calça Loja de Inverno Foto: Cristiano Madureira
Calça Loja de Inverno Foto: Cristiano Madureira

Por que escolheu Portugal como base?

Portugal está num momento lindo mesmo. Eu acho que talvez seja o melhor lugar do mundo para se morar. Viajei muito. Um dos meus lugares favoritos é Berlim. E Marrocos, Espanha, Açores.  Nessa pausa eu me dediquei aos amigos. Não precisa acontecer muita coisa na vida, jantar, tomar um vinho...Quando a gente não faz nada é que caem as famosas fichinhas. Na correria entendemos pouco de nós mesmos. E dá até para ir à praia.

É uma praia diferente na Europa.

Foi aí que eu percebi esse negócio do corpo. Na Alemanha e na Espanha há uma liberdade incrível. Fiquei muito impressionado de constatar de perto. Como o Brasil é puritaníssimo! Na Espanha quase não tem mais praia específica para nudismo. Qualquer praia, as pessoas costumam tirar a roupa. Achei uma experiência bem maluca, fiz isso uma vez só e achei libertador.

Me conta um dia típico de folga.

O meu dia ideal é acordar com calma, sem aquele despertador chato, mas sem perder a manhã, no máximo às 9 horas estou de pé, mesmo se dormir tarde. Tomar um café da manhã na companhia dos meus filhinhos, os cachorrinhos, no sol, na minha varandinha (um terraço imenso). Leio meu jornal. Tempo para saborear tudo é o melhor dos mundos. Vou à praia, mergulho. Pelo menos uma vez por semana, por isso me mudei para perto do mar. O Rio de Janeiro não é uma cidade fácil de morar. Tudo aqui é difícil, os serviços, até as relações. Às vezes sem muito comprometimento... Isso para um paulista é difícil. Mas uma coisa que só o Rio tem e está muito na frente de todo mundo é essa natureza, essa luz, com o charme junto, esse lifestyle.

Blusa e calça, ambos Dolce & Gabbana Foto: Cristiano Madureira
Blusa e calça, ambos Dolce & Gabbana Foto: Cristiano Madureira

Você pratica esporte?

Eu gosto muito de me movimentar. Eu sou filho de esportista. Na minha família todo mundo era. Meu pai jogava basquete, meu pai e os irmãos dele. Depois que vim para a cidade grande, fiquei adepto de natação e musculação, frequento academia, nem tenho personal. Faço tudo sozinho.

Aí tranquilo, não tem assédio de fãs?

No Rio não. Às vezes, quando a novela está no ar, aumenta um pouquinho. Mas carioca acha meio cafona essa coisa de ficar cultuando artista.

Como é a vida em casa como “pai” de Mano e Mafalda?

Sempre quis ter buldogues. Mas olha só, isso aqui é definitivamente uma casa com cachorros. As manchas no tapete branco, os móveis carcomidos na ponta. São danadinhos. Mas, nada a fazer até terminar o treino. Castrei os dois. Fiquei com dó, mas o Mano estava muito nervoso. Sem vida sexual, por uma questão de saúde mesmo, é preciso castrar. Buldogues têm muito câncer.

“Régis tem mais química com a maria da paz. Fico chocado com o magnetismo da Juliana (Paes). Já perdi o texto por prestar atenção nela”

Reynaldo Gianecchini
Ator

Você gosta de ver séries?

Sim, pra mim uma das mais especiais é ‘This is Us’. Eu nunca chorei tanto na minha vida. Onde as relações familiares ficam difíceis, mas são curadoras. Acho que os melhores roteiros e interpretações estão na televisão hoje em dia. Já até pedi na Globo para participar de alguma série. Porque novela, vou te contar, novela é para os fortes.

Como você começou a fazer novela?

Foram me ver numa peça e me chamaram para fazer teste para novela. Eu detestava novela naquela época. Falei, cara, não quero, eu achei que ia ficar eternamente no teatro. Mas me convenceram dizendo, é a sua cara, um menino jovem que se apaixona por uma mulher mais velha. E era a Vera Fischer, eu tinha crescido vendo a Vera Fischer, nossa, ela era uma musa pra mim.

Como é um dia típico de trabalho?

Com novela, meu roteiro a cada dia muda, a gente trabalha 12 horas por dia. No tempo que sobra você precisa criar uma qualidade para ele. Lembro que a Marilia (Gabriela), minha ex, dizia: “Será que a gente sobrevive a essa novela?”

Reynaldo Gianecchini Foto: Cristiano Madureira
Reynaldo Gianecchini Foto: Cristiano Madureira

Como está sendo o Régis? Você se acha mais convincente como mau ou bonzinho?

No vilão a gente pode colocar muitas tintas, no mocinho há mais risco de ficar canastrão. O Régis não é aquele cara supermau. Era um cafajeste, um mau caráter sedutor. Eu me inspiro no Ryan Gosling, que mesmo sendo mau é gostável. Me diverti muito com a Agatha (Moreira) e com a Juliana (Paes). Agora é outro personagem, o Regis quase morreu na grande merda que fez, quando se deu conta que se apaixonou pela mulher que enganou.

Além do Ryan Gosling, que outros atores ou papéis te inspiram?

Os papéis de playboys, charmosos,  donos de uma segurança que se impõe. O Bradley Cooper é maravilhoso. Outro que sempre foi muito cool é o Brad Pitt. Como já fez coisa boa como ator! Revi filmes antigos, como ele era extremamente bonito. Que beleza. Padrão.

O Régis tem mais química com a mãe (Juliana) ou com a filha (Agatha)?

Ah, com a mãe, porque assim a novela definiu. Com a filha, a gente estava tramando. E com a mãe o Régis estava sempre seduzindo, então foi mais quente. Fico chocado com o magnetismo da Juliana. Até hoje tenho que tomar cuidado em cena, já aconteceu de perder texto porque fico prestando atenção nela.

O Régis vai continuar arrependido na trama?

Não sei, agora quero ver essa última fase dele. Tem personagens que são realmente muito maus e aí eu preciso mudar mesmo toda a minha energia, como em ‘Passione’, quando eu fiz o Fred. Prefiro cada vez mais fazer personagens com nuances, que não sejam tão maniqueístas, sabe? Nem bonzinho, nem mauzinho. Esse meu personagem de agora, o Régis, não é aquele vilão das trevas, aquela pessoa que atravessa o outro com o olhar. Eu conheço gente assim. Gente sedutora e leve, aquele tipo que todo mundo quer estar do lado mas tem um desvio de caráter, tenta levar vantagem, usa os outros.

Tricô Handred, meias Casa das Cuecas e sapatos Mr.Cat Foto: Cristiano Madureira
Tricô Handred, meias Casa das Cuecas e sapatos Mr.Cat Foto: Cristiano Madureira

Josiane não chega a ser caricata de tão malvada?

Agatha fez umas cenas maravilhosas. O Walcyr (Carrasco) quer que a novela emocione, cause coisas nas pessoas. Para o ator, os personagens são desafiadores e a situação é extrema. É muito difícil imaginar essa filha. E acho que ela fez muito bem.

Você já conheceu alguém tão ingênuo quanto a boleira Maria da Paz?

Sou de Birigui, né, amore, interior tem uma ingenuidade. Até hoje meus amigos falam ‘para de ser Birigui’. Eu caio numas ciladas. Hoje estou mais cascudo, mas tenho tendência a acreditar muito na pessoa, tenho dificuldade com quem não tem compromisso. Se eu marcar um, posso até não ir. Mas vou ligar e explicar. No Rio, as pessoas não só não aparecem, como desligam o celular, não dão notícia.

Ainda se considera galã? Tenta se distanciar do rótulo?

Eu não tento nada, não levo a sério. Qualquer estereótipo é limitador. Há galãs menosprezados. Encaixei nesse lugar do bonitão bambambã. Mas não sou só isso. Envelhecer está sendo interessante. Olho no espelho e falo ‘caramba, tá mudando, né?’ Tá cheio de vinquinhos mais fortes. O trabalho de ator aparece mais quando passa a coisa da beleza. Não tenho mais esse frescor e as pessoas olham mais meu trabalho. Me acho muito mais bonito agora do que antes dos 30 anos. Quando eu tiver 70, penso ‘que pena que não vou querer trepar tanto, porque é tão bom’. Mas vou ficar olhando a natureza e achar ótimo. Com 70, não quero mais ficar seduzindo o mundo. Tomara.

Por que não faz mais cinema?

No Brasil existe uma certa prevenção contra atores de televisão. O cinema tem uma panelinha. Há atores que sofrem preconceito por causa da TV e são maaaravilhosos! Vai fazer televisão, amore, eu desafio, vai fazer novela. Tem que fazer 30, 40 cenas num dia. Em cinema você faz três. Faz tudo com calma. Em novela você nem conhece seu personagem direito, e fica sujeito aos caprichos do público. Quem faz novela é capaz de fazer tudo.

Cardigã Brunello Cucinelli, bermuda Prada e sandálias Bottega Veneta Foto: Cristiano Madureira
Cardigã Brunello Cucinelli, bermuda Prada e sandálias Bottega Veneta Foto: Cristiano Madureira

Você filmou recentemente?

Fui chamado pelo (diretor) Marcelo Sebá para um documentário sobre o Zé Celso (Martínez Corrêa). Foi com o Zé que eu comecei como ator, em ‘Cacilda’, em 1999. Era uma peça forte, com muita nudez, todo mundo se masturbava em cena. Nunca fui puritano ou careta, mas não me senti pronto para estar nu. Não queria chamar papai e mamãe para minha estreia e eu estar batendo punheta em cena. E respeitei meu limite. O Zé ficou meio chateado, mas me liberou. Eu fazia a cena vestido. Ele tinha acabado de ver o filme do (Stanley) Kubrick, “De olhos bem fechados”, aquela cena da suruba em que está todo mundo nu e o Tom Cruise de terno, lindo. Ele me achava a cara do Tom Cruise.

Ainda hoje você não conseguiria fazer esse papel se masturbando?

Acho até que conseguiria. Eu acho lindo, o problema é que um monte de gente vai lá para ver meu pau, falar do meu pau, e isso me incomoda como artista. Vai desfocar para um lugar que não acho legal. Como sou uma pessoa conhecida, talvez a obra fique menor e não vale a pena. Não tenho pudor pessoalmente, fico muito pelado. Na novela também, gravo nu frontal, mas não aparece.

Como você agiu no documentário com o Zé Celso?

O documentário é sobre meu reencontro com ele, o mestre, 20 anos depois. Passei um dia, da manhã até a madrugada, num apartamento junto com o Zé. Ele me dirigindo com o texto na mão. Muito louco. Mas não consegui ir tão longe na minha liberdade, não consegui ligar esse foda-se como ele liga. Quem assistir ao filme vai se identificar um pouco comigo, com as minhas restrições. O filme mostra que a gente só se diz livre, mas não é. O Brasil é mestre nisso, o país do carnaval, peitinho e bunda de fora. Fora do carnaval, é uma caretice. Está cada vez mais evidente como as pessoas são homofóbicas, preconceituosas.

O que achou dos fiscais na Bienal de Livros no Rio, tentando recolher obras com beijo gay?

Foi maravilhoso porque reverteu. Aconteceu o oposto. A repressão vendeu muito mais livros. Fiquei chocado com os fiscais. Primeiro, dá raiva e indignação. Tenho seis planetas em Libra, então o que está errado e é injusto me fere. Sempre achei o Brasil reacionário, mas temos uma força pulsante capaz de transformar até a ignorância.

“Minha sexualidade não cabe numa gaveta. Reconheço em mim o homem, a mulher, o hétero, o gay, o bi. Gênero e idade não definem o desejo”

Reynaldo Gianecchini
Ator

Estamos numa encruzilhada moral?

O que falta olhar com uma lupa é a repressão. Todo mundo perdeu tempo querendo agradar e ser validado, se encaixar no que foi estabelecido como correto. As mulheres foram massacradas, e os homens também, porque tinham que ser os fodões, os bons de esporte, pirocudos, provedores, os que não choram. E aí, como você faz com uma criança que nem eu, que nasce numa família totalmente feminina e sempre foi muito sensível? Eu tinha pânico de ser chamado de viadinho. Um documentário que indico a todos os meus amigos com filho menino se chama “The mask you live in”. O índice de suicídios de meninos é impressionante. Eu me identifiquei, chorei muito. Não conseguia nem jogar bola direito, travava. Era coisa de menino e eu gostava de jogar vôlei. O homofóbico é aquele que não quer olhar para a própria sexualidade. Para quem está bem com a sua, não importa a do outro.

Você está bem com sua sexualidade?

Todo mundo fala da minha sexualidade, né? Me cobram muito, “quando é que você vai sair do armário?”. Primeiro, quero falar para essas pessoas: antes de você achar tão interessante a sexualidade dos outros, dá uma olhadinha na sua. Talvez ela tenha mais nuances do que você pensa. Eu reconheço todas as partes dentro de mim: o homem, a mulher, o gay, o hétero, o bissexual, a criança e o velho. Como dentro de todo mundo. A sexualidade é muito mais ampla e as pessoas são levianas. Querem te encaixar numa gaveta, e eu não consigo, porque a sexualidade é o canal da vida e a minha sexualidade não cabe numa gaveta. Nossas questões e tabus passam por esse canal. Não é à toa que cada um tem seus fetiches, suas particularidades. E não tenho vontade de falar com quem estou transando, não preciso falar. Prezo minha liberdade de não citar nomes e proteger minha privacidade.

Desde a Marília Gabriela, você não casou com ninguém.

Mas já falavam desde a Marília, amore, eu era casado pra caramba, nunca vi um casamento tão inteiro, a gente vivia realmente uma história a dois de verdade. E já falavam coisas.

Você já transou com homens?

Já tive, sim, romances com homens e acho que é esse o momento de dizer isso. Mas nunca me senti obrigado a empunhar bandeira de homossexualidade. O desejo para mim não passa pelo gênero e nem pela idade. Demorei para falar porque isso esbarra sempre no tamanho do preconceito no Brasil. Mas agora é importante reafirmar a liberdade, por mim e por quem enfrenta repressão.

Tricô Ermenegildo Zegna, calça Louis Vuitton e sandálias Bottega Veneta Foto: Cristiano Madureira
Tricô Ermenegildo Zegna, calça Louis Vuitton e sandálias Bottega Veneta Foto: Cristiano Madureira

Como seus amigos mais jovens encaram a questão LGBT?

Para essa galera de vinte e poucos anos não existem mais esses rótulos. Acham horrível essa história de hétero ou gay. Uma amiga empresária, hétero a vida inteira, se apaixonou loucamente por uma mulher e casou com ela. O filho dela é a coisa mais fofa e repreendeu a mãe: “Você disse gay? Esquece essa palavra”. Esse menino fala na frente da namorada: “Aquele rapaz é lindo, eu pegava”. Não é mais uma questão.

Sua novela atual “A dona do pedaço” tem uma transexual.

Sim. Acho muito legal e merecido o destaque para a Britney (personagem da atriz Glamour Garcia). Os trans estão próximos da gente, amigas têm filho trans e acho lindo a novela mostrar. E a menina está fazendo muito sucesso. Fico bem feliz porque é um dos personagens mais amados, deixa de ser bicho-papão, sai do gueto. Vai falar que isso não tem valor na televisão? Acho sempre válido e as novelas brasileiras cumprem esse papel muito bem.

Você disse que tinha vontade de ter filho “quando pudesse ser um puta pai”. Mas está com o casal de cachorrinhos. Isso é o fim da história?

Não sei, a gente nunca sabe o fim da história. Como continuo mudando, acho que ainda pode ter na minha vida uma abertura para isso, se eu estiver numa relação muito legal, com a parceira certa. Sozinho eu não tenho a menor vontade. Não sinto essa pressão.

Você prefere dormir na sua cama sozinho ou com alguém?

Eu adoro dormir com alguém, mas desde que eu tenha uma super sintonia e muita intimidade e envolvimento bem forte. Senão prefiro dormir sozinho. Para ter alguém na minha cama, dormindo e acordando, precisa ter uma energia compatível e vibrar igual. Senão, é difícil para mim.

Reynaldo Gianecchini Foto: Cristiano Madureira
Reynaldo Gianecchini Foto: Cristiano Madureira

Num país com tantos feminicídios, como podemos nos livrar do machismo tóxico?

Todos têm que rever seu papel, o homem e a mulher. Tem mulher que se diz feminista e quer muito o poder, quer ocupar, com razão, o lugar que lhe negaram. Só que acaba adotando o masculino distorcido, o lado ruim do homem, da agressividade. Eu sou um homem feminista porque reconheço que é preciso ter igualdade de oportunidade para ontem. Mas, além de homem perdido, tem muita mulher perdida também. Tem feminista que ainda quer que o homem seja o provedor, o romântico que a trata como mulherzinha.

O que você acha das acusações de assédio feitas por uma figurinista ao ator José Mayer?

Acho que foi injusta essa história. Eu estava na novela junto com o Zé e duvido que ele tenha sido agressivo, passando do ponto no assédio. Há diferenças entre assédio e cantadas. Hoje enxergo uma comoção que não contribui para a verdade. A luta pelos direitos das mulheres às vezes atropela. Eu fiquei bastante comovido. O Zé Mayer é um puta artista e foi massacrado, sumiu, fechou-se em casa, não quer fazer nada. Houve um exagero com ele.

Nós temos uma situação privilegiada, num país muito carente. Você tem vontade de ajudar?

Acabei de inaugurar este mês uma instituição educacional na cidade onde nasci. É um projeto meu de cinco anos atrás. Queria poder ajudar as crianças e adolescentes do interior que não têm acesso a quase nada. Ajudar a encontrar uma profissão para eles, oferecer cursos técnicos, atividades esportivas e culturais para que se sintam integrados e desenvolvam seu potencial. Minha mãe, que é o SOS família, cuida da instituição por mim. A instituição tenta incutir o sentimento de solidariedade, quem sabe formar também voluntários futuros.

O que mais te faz sofrer e o que dá mais orgulho como brasileiro?

Sofro e fico triste com a falta de consciência geral, muita ignorância, falta maturidade, conhecimento. Ao mesmo tempo, quando penso no Brasil, penso com alegria, o país tem uma energia positiva, é um país solar, de muita força de regeneração. Eu acredito nisso.