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Sabrina Fidalgo se firma como uma das diretoras de cinema mais promissoras de sua geração

Média-metragem “Rainha” (2016) já recebeu 13 prêmios
Sabrina Fidalgo Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo
Sabrina Fidalgo Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo

Foi aos 7 anos que Sabrina Fidalgo tomou uma das decisões mais importantes de sua vida. Resolveu que iria trabalhar com cinema, depois de assistir ao filme “O mágico de Oz” com a mãe e o pai, os fundadores do Teatro Profissional do Negro, Alzira e Ubirajara Fidalgo.

— Nessa época, não só via os filmes, como recebia todo um background, com detalhes sobre os atores e a história, porque meus pais sabiam de tudo — recorda-se ela.

Num primeiro momento, a escolha se direcionou para o campo da atuação, como atriz mirim e, mais tarde, com o ingresso no curso de Artes Cênicas na UniRio. Mas, ao perceber que teria os espaços de protagonismo negados por ser negra, Sabrina resolveu criar seu próprio palco ou, mais precisamente, suas próprias telas. Partiu para a linha de frente da direção, munida da formação na Escola de TV e Cinema de Munique, na Alemanha, e da especialização em roteiro na Universidade de Córdoba, na Espanha.

Hoje, ela colhe os frutos de uma trajetória profissional bem-sucedida, com curtas como “Cinema mudo” (2012) e “Personal vivator” (2014), além de videoclipes. No fim deste mês, exibe no Festival de Roterdã o média-metragem “Rainha” (2016), que abre uma trilogia carnavalesca com a atriz Ana Flavia Cavalcanti e já recebeu 13 prêmios. Depois disso, Sabrina volta ao Brasil e fica dois dias no set para filmar “Alfazema”, que será a segunda parte desse trabalho.

A história final será rodada durante a festa de Momo.

— Estou interessada em falar das subjetividades do carnaval, que é o aspecto mais brasileiro da nossa cultura — diz a diretora. — Acho curioso que essa representação se dê por

meio de um ritual hiperalegre, que, na verdade, foi fundamentado em várias situações de tristeza. E não vejo tantas imagens no cinema que explorem o carnaval como deveria ser. Por isso, pensei numa trilogia em que o primeiro filme fala de morte e ressurreição, o segundo vai mais para a questão das cores da alegria e da sexualidade e o terceiro será mais intimista.

"Rainha", filme de Sabrina Fidalgo Foto: Divulgação
"Rainha", filme de Sabrina Fidalgo Foto: Divulgação

O portfólio da cineasta também está prestes a ganhar o primeiro longa-metragem, com o documentário “Cidade do Funk”, que se debruça sobre a história do ritmo carioca desde o seu estágio mais embrionário. Fruto de dez anos de pesquisa, ela já reuniu mais de 40 horas de imagens, com depoimentos coletados em todo o mundo, incluindo nomes como os alemães do Kraftwerk. A finalização está prevista para este ano.

— Como tenho muito material, também quero transformar esse projeto em algo multimídia, incluindo um livro de fotos e um seriado para a TV — adianta.

Por falar em televisão, Sabrina está na fase final de uma oficina de roteiros da TV Globo, em que desenvolveu uma série com o nome provisório de “As minas”, que será submetida à aprovação do canal. No enredo, protagonistas mulheres falam sobre sexualidade e relacionamento, ao estilo “Sex and the city” e “Girls”.

Ter a carreira de vento em popa dessa maneira é um trunfo. No ano passado, uma pesquisa da Ancine evidenciou como Sabrina ainda é um ponto fora da curva na indústria audiovisual: dos 142 filmes lançados em 2016, 138 (97,2%) foram dirigidos por pessoas brancas, sendo 107 (75,4%) por homens. Nenhuma mulher negra dirigiu um longa naquele ano.

— Há várias questões aí, e uma delas é que esses filmes são financiados por dinheiro público, advindo de uma população cuja maioria é negra. Quando aparecemos nessas produções, somos representados em locais equivocados, com personagens estereotipados, no lugar da violência e da subserviência. Que cinematografia é essa que estamos construindo para o nosso país? — questiona.

Na opinião dela, o cinema mostra, tradicionalmente, a realidade e a cultura de um país, mas, no Brasil, isso aparece de uma maneira distorcida, com uma população embranquecida, num modelo que mais se assemelha a uma “Europa tropical”.

— Não quero mais ficar fomentando filme em que eu não esteja representada. Como cineasta, exijo o meu lugar para contar minhas histórias e produzir meus longas com a mesma infraestrutura que esses diretores. Estou aqui e vou continuar lutando. Quero fazer isso disputando de igual para igual.