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Prestes a se mudar para NY, Lea T. fala sobre família e causas sociais

Modelo critica consumismo e chama atenção para a essência do Natal
Modelo posou em um ensaio exclusivo para a revista Ela Foto: Mar+vin
Modelo posou em um ensaio exclusivo para a revista Ela Foto: Mar+vin

RIO - A modelo Lea T. vai passar a noite de hoje sozinha. E está bem com isso.

— Vou fazer minhas coisas normais e, antes de dormir, uma oração de agradecimento. Não preciso estar reunida com meus familiares e fazer um encontro mirabolante para juntar todo mundo. Estão todos dentro de mim — diz.

Já faz alguns anos que ela passa o Natal assim. Desta vez, a família inteira foi para a Austrália. No último, Lea estava na Tailândia, onde celebrou com ioga e meditação.

— Refleti, entrei em conexão com Jesus, agradeci muito e tentei encher meu coração de amor, porque era o dia d’Ele — recorda-se. — Já tive noites de Natal maravilhosas ao lado da minha família. Mas, se não posso vê-la agora, farei isso duas semanas depois.

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Confira imagens da carreira da modelo Lea T.

Sensível a diversas questões que rondam o mundo, Lea se incomoda com o consumismo e as imagens idealizadas que costumam entrar em cena nesta época do ano. Ela diz que se preocupa com as pessoas que não têm família e se sentem mal neste momento e lamenta como muita gente tem deixado de celebrar o nascimento de Jesus, para se preocupar com presentes e enfeites.

— Perdeu-se muito do contexto real, que é um momento em que Deus se materializou na Terra. Isso não tem nada a ver com consumismo — avisa. — Não sou católica apostólica, mas acho essa história linda. Trata-se de um profeta cuja mensagem é muito clara, tanto que ajudou Maria Madalena. Ou seja, ele sempre foi a favor das minorias. Não é aquele Jesus careta que a gente imagina e muitas religiões brasileiras apresentam como preconceituoso.

A modelo também aproveita para fazer um balanço dos últimos meses. Entre os pontos altos, está o nascimento de dois sobrinhos, por quem se derrete. Mas os momentos ruins também contam.

— Foram 365 dias de aprendizado. Por mais que haja dias duros e difíceis, foram esses, em particular, que me deixaram mais forte — avalia.

Parte deles ocorreram durante as queimadas que destruíram uma enorme área da Chapada dos Veadeiros, em outubro. Na época, ela diz ter passado sete dias sem dormir, ligando e escrevendo para pessoas do mundo inteiro. Queria chamar atenção para a gravidade da tragédia que acometia a região, que já foi seu endereço por dois anos.

— Fiquei muito tocada ao ver a dor da terra, assistir ao lugar dos meus sonhos queimar de maneira tão dura. Isso ampliou muito a minha consciência ambiental, por mais que já fosse ligada ao tema — comenta a modelo, que é vegetariana e prioriza práticas sustentáveis em seus hábitos de consumo.

“A transexualidade sempre existiu e não há uma resposta científica para isso. Não é uma doença. É algo esotérico”

Lea T.
Modelo

Lea também perdeu duas amigas transexuais. A experiência a fez pensar ainda mais sobre a sua militância:

— Refleti sobre a minha falta de atenção com os jovens que estão na rua e revi meus esforços no ativismo.

Além de influenciar seus 113 mil seguidores, esse envolvimento também a aproxima de pessoas com interesses semelhantes. Na mesma rede social, a figura do cantor Johnny Hooker já apareceu algumas vezes, em meio a declarações de amor. Neste caso, a admiração é mútua.

— Lea é, antes de tudo, uma força revolucionária, seja na moda, onde quebrou barreiras e compartilhou sua história com o mundo destruindo tabus, seja no seu contínuo trabalho humanitário em prol das causas LGBT, indígena e do meio ambiente. É um exemplo de como uma pessoa pública pode usar sua posição para espalhar conhecimento, amor e transformação. Uma mulher de coragem e fé inabaláveis, que tenho a honra de poder chamar de amiga — diz o cantor.

Johnny Hooker, aliás, esteve ao lado de Lea T. em um dos momentos mais emocionantes protagonizados pela modelo este ano. Ele também participou do programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, em que a modelo e o pai, Toninho Cerezo, deram uma entrevista sobre a relação familiar. Na ocasião, o ex-jogador da seleção brasileira enfatizou as semelhanças com a filha e contou como foi importante apoiá-la: “Uma vez, li uma reportagem em que Lea dizia que se olhava no espelho e não se sentia bem. E eu me olho no espelho e me sinto superbem. Aquilo mexeu muito comigo”, contou ele, emocionado, a Pedro Bial.

Admirador da carreira da modelo, o apresentador diz que já sonhava em levá-la ao programa. Mas, quando surgiu a ideia de que fosse acompanhada pelo “seu craque-pai”, o desejo ganhou ainda mais entusiasmo e sentido.

Lea T. ao lado do pai, Toninho Cerezo, no programa de Pedro Bial Foto: Ramon Vasconcelos / Ramon Vasconcelos/Rede Globo
Lea T. ao lado do pai, Toninho Cerezo, no programa de Pedro Bial Foto: Ramon Vasconcelos / Ramon Vasconcelos/Rede Globo

— A história de Lea pode inspirar e ajudar muita gente. A relação com seu pai tem o poder de iluminar o caminho de muitas famílias brasileiras e da própria instituição “família brasileira”, assim compreendida. Em momento de debates que têm gerado tanto calor e tão pouca luz, a simplicidade da conclusão do complexo processo pelo qual passaram Lea e a família Cerezo indica um caminho para o entendimento. E a conclusão é a mesma formulada pelo filósofo Bertrand Russel: “o amor é sábio, o ódio, obtuso” — afirma Bial.

Se as etapas da mudança de sexo são frequentemente tachadas como algo difícil e traumático, Lea propõe uma visão diferente. Ela acredita que o apoio da família e das pessoas próximas pode transformar essa fase em algo mágico:

— A transexualidade sempre existiu e não há uma resposta científica para isso. Não é uma doença. É algo esotérico, uma alma falando mais que o corpo. Quando você toca a cabeça, que é o último chacra, você toca o sagrado. E nunca haverá uma resposta sobre o que se passa na mente das pessoas.

Como ela lembra, para antigos índios e tribos da Polinésia, as transexuais são consideradas sagradas, assim como ocorreu na mitologia grega:

— É um espírito muito forte querendo mudar a matéria e o corpo. Se todo mundo à sua volta entende e respeita esse espírito, dando amor e carinho, você consegue  curtir a transição.

Com um irmão e duas irmãs, Lea está habituada a uma intensa troca de afeto dentro da família. Um ano mais nova que ela, a irmã Luana a define como uma pessoa que chegou para “completar radicalmente” a vida de todos.

— Um dia, eu estava triste por causa do fim de um namoro e ela disse: “não fique assim. Todas as mulheres são bonitas. Pense em tudo o que tenho que conquistar” — rememora Luana. — A Lea nos mostra uma visão que só conseguimos por meio dela.

De alma cigana, a modelo já morou em vários lugares do mundo e agora se prepara para trocar Gênova, na Itália, por Nova York, para uma temporada de trabalhos. A cidade respira moda e é ponto de encontro de grandes fotógrafos. Manter o contato com eles de maneira mais próxima será uma ponte para novas experiências.

— Muitos querem me conhecer, e estar lá é diferente do que ir só para um trabalho e voltar. Vamos ver o que vai acontecer — vislumbra. — Mas, me conhecendo um pouco, sei que terá o meu tempo. Cidades costumam sugar minhas energias. Sinto falta de botar os pés na terra, tomar banho com água sem cloro e escutar o barulho de pássaros.

Os colegas já se acostumaram a essa rotina. Amigo de longa data da modelo, o estilista e stylist Dudu Bertholini conta que nunca sabe direito por onde ela anda.

— Não nos vemos com tanta frequência por causa disso, mas o nosso carinho é muito importante — diz ele, que nutre uma profunda admiração pela humanidade de Lea. — Quem a conhece, sabe que ela é capaz de largar tudo o que está fazendo para cuidar de um passarinho, como fez há alguns dias.

No começo do ano, a estilista e amiga da modelo Helo Rocha postou um vídeo em que um rapaz parecia pedir Lea em noivado, em Fernando de Noronha. A notícia correu sites de fofoca e faz Lea cair na gargalhada.

— Era bobeira da Helo! A gente não imaginava que todo mundo ia acreditar — diverte-se, dizendo que não está namorando no momento. — Não nego que a questão de ser transexual complica, principalmente, por ser uma militante. Afinal, se alguém quiser me frequentar, vai comprar o pacote completo. Somos eu e a comunidade LGBT inteira.

Mas isso não é um problema. Como a própria modelo  diz, o importante, neste momento, é ser a “solteira mais feliz do mundo”.