Ela

Mulheres usam redes sociais, cursos e arte para democratizar informações sobre o clitóris

Foco vai do prazer sexual à saúde, sem deixar os homens de fora do debate
Gaia defende uma linguagem leve para falar sobre sexo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Gaia defende uma linguagem leve para falar sobre sexo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Faz três anos que a empresária Gaia Qav “pegou num clitóris” pela primeira vez. Na ocasião, ela trabalhava com o mercado erótico e teve contato com um chaveirinho em formato de vulva. “Fiquei chocada, e muita coisa começou a fazer sentido para mim”, diz ela, que passou a se informar cada vez mais sobre essa parte do corpo e os seus poderes. “Sabe aquela sensação de quando você é uma pessoa que não faz exercícios físicos e, ao fazê-los, descobre músculos cuja existência ignorava? Então...”

O universo que se abriu diante das mãos e dos olhos de Gaia foi tão revelador que ela decidiu transformá-lo em ofício. Criou o site e a página no Instagram “Meu clitóris minhas regras”, totalmente dedicados a esse órgão feminino, cuja própria localização é frequentemente ignorada por mulheres e homens. No endereço, dá para comprar desde vulvas de pelúcia e em formato de porta-incenso a moldes realistas feitos à mão para o uso em atividades educativas. E mais: há uma série de cursos, à distância e presenciais, com preços a partir de R$ 10, em boa parte ministrados por ginecologistas e fisioterapeutas.

Mercado erótico: Feminismo chega às sex shops e modifica produtos e  estratégias

O protagonismo de Gaia no assunto tem a ver com a falta de informação disponível. Segundo ela, o clitóris não está nos livros didáticos e, até pouco tempo, não havia boas fontes sobre o tema na internet. “Não o tratamos apenas sobre o prisma do orgasmo. Há todo um aparato de autoconhecimento e saúde, antes de chegar ao prazer. Os cursos que mais fazem sucesso são as aulas de siririca (Gaia não gosta da palavra ‘masturbação’, por achá-la muito técnica e mais associada à prática masculina) . São superleves, ilustradas com vulvas reais para deixarmos de lado a referência estética imposta pelos filmes pornôs.”

Além do didatismo, Gaia também lança mão de uma linguagem bem humorada para deixar tudo mais natural. Os rapazes, vale frisar, não ficam de fora. O curso “Língua de ouro dedo de diamante” promete transformá-los no “melhor homem na cama que uma mulher irá desejar”, com direito a certificado no fim. “Já recebi um relato de um cara dizendo que, depois que ele e a namorada assistiram a uma aula, o relacionamento virou ‘de pernas para o ar’. Eles começaram a se experimentar mais e aprender um com o outro”, comenta Gaia.

Mariana fundou o site Prazerela, pelo qual oferece cursos Foto: Divulgação
Mariana fundou o site Prazerela, pelo qual oferece cursos Foto: Divulgação

Criadora do site Prazerela, que também tem ajudado muita gente a descobrir o poder do clitóris por meio de cursos e do compartilhamento de conteúdo, Mariana Stock cita uma pesquisa feita com 1.370 mulheres pela equipe do projeto para dimensionar a importância do tema. “Quando perguntadas sobre como sentem mais prazer sexual, 27,2% responderam ‘quando o parceiro faz sexo oral’; 21,7%, ‘quando são tocadas no clitóris’; e 10%, ‘quando são estimuladas na vulva’. Ou seja, quase 60% relatam que a maior fonte de prazer não está na penetração e sim na estimulação externa da genital”, ilustra.

Arte: Feminismo ainda tem forte influência sobre a performance nas artes visuais

Mariana lembra que a grande maioria das mulheres não teve educação sexual e, quando houve, o foco foi na perspectiva negativa, envolvendo os riscos e as consequências. “Nunca foi ensinado que podem ter prazer. Por isso, elas ainda buscam encontrar um problema físico que justifique a sua incapacidade de tê-lo. A mudança virá quando perceberem que todas têm esse potencial, desde que encontrem espaços seguros para se reeducarem com uma perspectiva mais positiva da sexualidade”, defende.

A artista grega Antigoni Bunny Tsagkaropoulou Foto: Divulgação/Stella Mouzi
A artista grega Antigoni Bunny Tsagkaropoulou Foto: Divulgação/Stella Mouzi

O tema também ganha espaço nas artes visuais. As obras da artista Antigoni Bunny Tsagkaropoulou, baseada na cidade de Atenas, têm corrido sites e redes sociais ligados ao universo artístico com suas representações da vulva e do clitóris. A proposta, segundo ela, é combater os estereótipos impostos sobre o corpo feminino pela sociedade patriarcal. “Meus projetos são coloridos, suaves e fantasiosos. As instalações funcionam como lugares que ganham vida com a presença do público, que vai da comunidade queer às crianças com suas famílias. Tento construir pontes entre arte, pedagogia e ativismo”, descreve ela, que já preencheu salas inteiras com pelúcia e aberturas que fazem alusão às vulvas, as quais podem ser tocadas pelos visitantes. As instalações, que recebem o nome de “Fluffy”, já puderam ser vistas no centro cultural Atopos, na capital grega, e no centro de arte contemporânea Arnolfini, em Bristol, na Inglaterra.

O clitóris, como pode-se observar, tem muito a nos dizer em todos os cantos do mundo.