Os primeiros acordes de “Então é Natal”, da cantora Simone, anunciam a chegada das duas últimas semanas do ano. Com elas, vêm a euforia para os preparativos das festas, a comilança da ceia e a busca pelos presentes de última hora. Nada disso, porém, encanta a publicitária Bruna Galvanese, de 35 anos. O momento, para ela, é de tristeza e melancolia. “Minha mãe morreu quando eu tinha 16. Ela organizava as festas, então, nessa época do ano, tudo perde a cor e o sentido.”
Diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada, o quadro de Bruna se agrava no Natal e no réveillon quando relembra também promessas não cumpridas. “Dezembro vira uma chave em mim. Acho um absurdo os exageros da ceia e as compras. Ao mesmo tempo em que quero fazer tudo rápido para tirar férias, tenho vontade de fugir ou me trancar em um quarto”, desabafa. Mesmo não estando no CID, a Classificação Internacional de Doenças, dentro do quadro de transtornos mentais, os sentimentos da publicitária são mais comuns do que se imagina. Eles ganharam até um apelido de especialistas: “Dezembrite”, ou Síndrome do Fim do Ano, caracterizado por um quadro de estresse, irritação e angústia excessivos. E eles podem começar, afirma a psicóloga Isabella Muniz, da Universidade Federal Fluminense, com a famosa “positividade tóxica”.
“Existe uma obrigação para estarmos felizes. O socialmente aceito é a imagem da família margarina. Quem não gosta das festas ou do clima de fim de ano precisa usar uma máscara social, escondendo as dores”, explica ela. Encontrar familiares nessas ocasiões, quando não existem relações saudáveis, pode despertar gatilhos. Em casos mais graves, corre-se o risco de desenvolver crises de pânico ou depressão. Outro fator que aflora sentimentos negativos, comenta Isabella, é a sensação de dever não cumprido, com o encerramento de um ciclo. “Metas irreais despertam senso de urgência, gerando uma autocrítica forte, e consequentemente, frustração”, destaca a profissional.
Dono de uma clínica de fisioterapia, Ricardo Guarnieri, de 45 anos, tomou para si a responsabilidade de tornar os natais da mulher e das filhas, de 5 e 14 anos, tão inesquecíveis quanto eram os seus na infância. “Sinto uma nostalgia misturada com ansiedade. É um peso”, reflete. Nesta época, os pacientes diminuem, mas os gastos aumentam com as demandas vindas em janeiro. “Tudo piora quando penso na questão financeira”, admite.
A passagem do tempo escancarada pelo ano-novo marca a finitude da vida de forma mais evidente para a produtora cultural Eveltana Freitas. “Tenho quase 54 anos e isso me angustia, sinto uma dor existencial. Todos da família estão lindos e realizados, e eu não construí nada”, queixa-se. Eveltana diz enfrentar o etarismo e se considera a “ovelha negra” da família, por ser lésbica. Solteira, seus últimos dias do ano devem ser apenas na companhia da mãe e de serviços de streaming. “E quero dormir logo. É o meu jeito de fugir da realidade.”
Embora seja inevitável escapar do período de festas, a biomédica e pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e CEO da Caliandra Saúde Mental, Erica Siu, diz ser essencial procurar atividades que tragam prazer. “Quando a ‘dezembrite’ bate, é necessário ativar o autoconhecimento. O que gosto de fazer? Não precisa ser nada tão especial. Ler um livro, caminhar, ver um filme, são atividades que podem trazer alívio”, sugere.
Se for difícil deixar o balanço do ano e dos novos projetos, é necessário um esforço para ser mais condescendente. “Traga um olhar menos cruel, com menos comparação. Pense no que foi positivo, porque sempre há, e no que pode mudar. Peça ajuda, converse com outras pessoas e não minimize sua trajetória”, finaliza Erica. Afinal, o ano termina e nasce outra vez...