Após a sétima crise de ansiedade em menos de uma semana, a estilista Julia Ramos, de 27 anos, decidiu não esperar mais: entendeu que era hora de marcar uma consulta com o psiquiatra. Ao ser diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada (TAG) em 2021, começou a tomar sertralina, remédio indicado também para quem sofre de depressão e crises de pânico. Ao passo em que seu bem-estar melhorava, a vida sexual, entretanto, seguia o caminho inverso. “Conforme a dose aumentava, a libido diminuía. Antes, eu tinha muito tesão. Me masturbar era um hábito. Com o remédio, tudo morreu (risos) ”, brinca.
Três anos e algumas trocas de medicações depois, a situação continua a mesma. Hoje, no entanto, Julia fala do assunto com leveza. “Eu namoro, e conseguimos nos estimular mutuamente. Não tenho uma frequência certa para transar, porém, me cobro para estar ativa sexualmente. Além da falta de vontade, meu orgasmo também é diferente, mais demorado e fraco”, lamenta ela. Apesar do desejo de parar com os remédios, Julia entende a importância de seguir à risca o tratamento. “Sonho todos os dias em não tomar mais. Mas, se não estou no fundo do poço, é graças a ele.
Mesmo com a popularização dos debates sobre a importância da saúde mental e o uso de medicamentos — segundo dados do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos, o consumo de remédios para ansiedade cresceu 10% e o de antidepressivos saltou 34% entre 2019 e 2022 —, pouco se discute o efeito prejudicial deles à vida sexual. De acordo com o psiquiatra Alexandre Saadeh, do Instituto de Psiquiatria da USP, os antidepressivos facilitam o aumento da serotonina, comumente conhecido como o “hormônio da felicidade”, no organismo. E ela é um neurotransmissor que inibe a sexualidade.“Parece paradoxal, já que em um estado depressivo, você tem menos energia vital, logo, menos desejo sexual. Mas a serotonina acaba com o tesão e retarda o orgasmo. Imagina sair da depressão e não recuperar um prazer tão básico quanto o sexual?”, questiona ele.
Um ponto importante antes de dar início a qualquer protocolo, destaca Danielle Admoni, psiquiatra da Unifesp e especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), é entender a quantas anda a libido do paciente na primeira consulta. “Muitas vezes o relacionamento não está bom, há questões financeiras e no trabalho que causam preocupação e tudo isso interfere. É preciso muita conversa sobre os efeitos colaterais, porque se há uma depressão gravíssima, há que se pesar os prós e contras.
A falta de diálogo fez com que o ator mineiro Vicente (nome fictício), de 39 anos, descobrisse apenas ao final de uma relação, em cinco anos de idas e vindas, que o parceiro “brochava” porque tomava remédio para ansiedade. “Ele tinha dificuldades para ter ereções, mas não conversávamos sobre isso. Pedia desculpas, dizia que estava nervoso”, relata. Durante esse período, Vicente se sentia culpado, acreditando que havia algo errado com ele. Porém, em outros caminhos amorosos, não foi difícil cruzar com rapazes que também tivessem problemas. Para o ator, o consumo de antidepressivos é banalizado. “É meio assustador. Não sou contra, mas acho que existe uma falta de consciência. Vejo gente tomando aos montes, inclusive, sem receita.”
A engenheira de produção Vitória (nome fictício), 28 anos, vive problema semelhante. Seu marido usa a substância venlafaxina no tratamento da depressão há muitos anos. Casados há dois, ela explica que a falta de sexo tem se tornado frequente. “Ele não tem vontade de transar no dia a dia, e eu sempre preciso tomar a iniciativa. Muitas vezes me sinto rejeitada. E quando acontece, é difícil ele ter um orgasmo”, lamenta. Apesar de já terem jogado luz ao assunto, o casal ainda não conseguiu encontrar uma solução. “Ele fica triste porque sabe que isso me afeta.”
Para a sexóloga Bárbara Bastos, ter a companhia de antidepressivos não significa o decreto da morte da vida sexual. Ainda é possível esquentar a cama e os lençóis estimulando o mundo erótico. “O desejo sexual não é um botão de liga e desliga. É importante mexer na rotina e recuperar o que dá frio na barriga fora da cama: os beijos de língua, ler contos, trocar mensagens e ver filmes picantes. O sucesso vem em não tentar transformar o orgasmo e o sexo em mais uma obrigação”, aponta a profissional.