Papagaio, arraia, morcego, lebreque, cafifa, bebeu, coruja, pandorga, tapioca, quadrada. São vários os nomes da pipa, aquele brinquedo feito por uma armação de finas varetas de madeira, encapadas em papel manteiga que, presa por linha, é sustentada no ar pelo vento. Todos eles ganham homenagem de Filipi Dahrlan, publicitário carioca de 34 anos, que vem dando o que falar no circuito artsy com imagens dançantes de pipas e seus pequenos empinadores. A primeira exposição individual acontece ainda neste semestre, e seu nome já está confirmado em uma coletiva sobre o céu, ao lado de Marcela Cantuária, Joenlington Rios e Guilherme Estevão, no meio do ano, no Centro Cultural Correios.
Por mais de uma década, a fotografia foi um hobby na vida do publicitário. Por incentivo do namorado, Filipi começou a levar o ofício a sério. Passou a caminhar acompanhado da câmera pelas ruas, botequins, sambas e passarelas da cidade, em busca de cenas inusitadas e efêmeras, produzindo imagens, tal qual um flanêur sambista.
A atividade tornou-se um hábito e o levou a fazer cursos no extinto Ateliê da Imagem, a fotografar campanhas e também a acompanhar a rotina social de influencers. Até que, com a súbita morte do companheiro, a prática fotográfica se converteu em ferramenta para lidar com o luto e, mais ainda, para homenagear a memória do parceiro. “Ele morreu nos meus braços, em 2015, aos 38 anos, em decorrência de um ataque cardíaco. Foi o primeiro admirador do meu trabalho”, lembra.
Na pandemia, o mundo parou. Confinado, porém inquieto, Flilipi passou a fotografar de maneira remota festas de música eletrônica que aconteciam por aplicativos de reuniões. Em meados de 2020, voltou a morar na casa dos pais, em Nova Iguaçu. Certo dia, olhando entediado pela janela, algo lhe despertou os sentidos: uma pipa que cortava os céus ligada por um fio quase invisível a um menino correndo.
Pegou a câmera e, da janela mesmo, fotografou a cena. A partir de então, ganhou um tema ensaístico e se debruçou na investigação dos contrastes entre pipa e pipeiro, céu e objetos voadores, brincadeira, jogo e transgressão desse elemento lúdico, preponderantemente periférico. Filipi não parou mais, e as pipas se tornaram objeto, recorte, mote e até suportes da série “Deve ser assim o céu”. “Por sugestão da minha terapeuta, outro dia tentei soltar pipas. Mas não consegui. Assim como não conseguia durante a infância. Meu lugar é mesmo o de observador”, conclui.
O empresário e colecionador Daniel Gorin, dono dos hotéis Arpoador e Ipanema Inn, tem uma pipa emoldurada, assinada por Filipi, em seu apartamento. “A profundidade, que emula o céu por onde essa pipa passearia, remete às ideias de sonho e liberdade, como num límpido dia de verão carioca. Volta e meia, me pego observando a obra, como faço todas as manhãs, e me pergunto: ‘Quem mesmo almeja a liberdade invocada por ela?’”.
O trabalho também emociona fotógrafos experientes como o lendário (e exigente) Marco Antonio Cavalcanti. “Filipi é um artista extremamente inquieto, está sempre buscando algo diferente”, observa Cavalcanti.
As fotos são impressas em papel fino e montadas nas linhas que sustentam as finas varetas de bambu, coladas artesanalmente. A pipa, esse objeto da cultura popular, patrimônio histórico e imaterial do Rio de Janeiro, converte-se no objeto e também no suporte para retratos em preto e branco dos meninos pipeiros. E, expostos ao olhar, saem voando nas imaginações por aí.