No universo da cultura pop, o termo Mary Sue é usado para descrever personagens que aparentam ser excessivamente perfeitas, munidas com qualidades tão imaculadas que desafiam o real. No entanto, ao explorar a carreira de Day Mesquita, encontramos uma galeria de papéis que desafiam por completo essa definição.
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Há 16 anos, na pele de Amanda de "Dance, Dance, Dance", a atriz fazia sua estreia no mundo das novelas — e logo com uma antagonista. Desde então, tem se entregado a personagens como Maria Madalena de "Jesus", até a Poderosa de "Amor Sem Igual", pela qual foi prestigiada com o Prêmio Contigo! de TV como Melhor Atriz, e a Stela de "Cheias de Charme", hoje sendo reprisada pela Globo.
Em conjunto com a seleção de seus papéis e da entrega autêntica e visceral em cada interpretação, Day reitera a importância de retratar mulheres reais na mídia: mulheres que são tão humanas em suas falhas quanto em suas virtudes, desafiando os estereótipos e explorando a rica complexidade feminina:
— Acho que a Poderosa, de 'Amor sem Igual', foi a personagem que mais se mostrou real e humana nesse sentido; até por isso, talvez, tenha sido considerada tão carismática, e até hoje me faz receber um retorno do público bem grande. Ela era dona de si, sem papas na língua, não fazia um tipo. Ela simplesmente se permitia ser quem era, independente da situação e, claro, muitas vezes, não agradava a todos, mas ela não se importava com isso. Tinha um coração enorme e era bonito ver sua busca e até essas reações por vezes equivocadas muito claras por conta de tudo o que ela tinha vivido. A personalidade dela, na trama maravilhosamente escrita por Cristianne Fridman, mostrava muitas de suas falhas, além, claro, de suas virtudes, o que acredito que traga uma identificação com quem assiste, afinal somos todos esse emaranhado de sentimentos, sensações, desejos... A nossa vivência traz marcas que vão também moldando nossa forma de ser e reagir com o mundo. Por isso, para mim, atuar é um exercício de 'não julgamento' e empatia. Ao interpretar personagens que mostram mais seus defeitos do que suas virtudes, busco entender dentro de mim de onde vem essa complexidade toda, uma investigação e aceitação de que cada personagem vive também aqui, com tudo o que elas carregam em si.
Agora falando da Madalena, fazendo um paralelo sobre essa investigação, não-julgamento e aceitação que vivo como atriz ao dar vida às personagens, pode ter sido algo que também tenha acontecido com a Madalena ao longo de sua história na trama. Ela vivia muitos de seus momentos falhos quando estava 'incorporada, mas isso tudo também fazia parte dela, e para encontrar a saída para não mais fazer mal e prejudicar os outros, já que essa era a sua busca também, era necessário viver e ter conhecimento de que isso tudo existia dentro dela para que ela pudesse, depois de identificar esses traços, encontrar o caminho oposto, onde ela se sentisse em paz e tranquila — algo que ela tanto queria.
A Fernanda, de "Além do Horizonte", era uma personagem que, mesmo não concordando e não se orgulhando disso, vez ou outra tinha encontros amorosos com Álvaro (Rômulo Estrela), um dos seus colegas de trabalho da empresa, que vivia em um relacionamento com outra mulher.
No fim, uma das minhas missões enquanto artista é desafiar os padrões limitantes das representações femininas na mídia. Gosto de interpretar personagens que refletem a diversidade e complexidade reais das mulheres, ainda que elevadas ao extremo, como costuma ser na ficção. Dando vida a personagens assim, singulares e diferentes entre si, eu busco quebrar estereótipos sobre mulheres enquanto seres mágicos, e não seres humanos reais, e mostrar a beleza e a força das mulheres em toda a sua essência, com suas falhas, defeitos e vulnerabilidades.
Olhando para o futuro, os próximos projetos de Day prometem continuar essa tendência de representar mulheres singulares. Em "Tudo de Bom", série ambientada nos anos 80, ela encarna uma ex-vedete que inicia a trama buscando o divórcio do protagonista, trazendo à tona, além de outros tópicos, questões sobre a independência feminina.
Mas é em "Caminhos", cujo título provisório reflete apenas a superfície de sua profundidade, que Day se lança em terrenos ainda mais desafiadores. Neste projeto, ela trará uma atuação densa, com camadas de uma personagem que lida com transtornos psiquiátricos, navegando entre surtos de psicose e episódios de esquizofrenia com uma intensidade que definitivamente marcou sua carreira:
— Com 'Caminhos', eu entrei em uma jornada de interpretação que foi além do roteiro. A chance de dar vida a uma mulher que encara desafios psicológicos complexos foi reveladora em termos de empatia e compreensão até mesmo na minha vida pessoal, pois foi a minha primeira vez trabalhando em um papel explorando tão profundamente a psique humana. Foi uma experiência sensível que não só me ofereceu uma nova perspectiva sobre a complexidade da condição humana, mas também me desafiou a enfrentar realidades cruas que muitas vezes são deixadas de lado ou vistas com maus olhos. Foi uma honra e uma responsabilidade retratar essa narrativa com toda a sensibilidade, destacando que essas questões não devem ser consideradas tabu, mas sim abordadas com compaixão e empatia. Aceitei o desafio porque espero contribuir para uma conversa mais ampla sobre saúde mental, ampliando vozes que frequentemente são silenciadas, distorcidas também, e promovendo uma maior compreensão das batalhas que enfrentamos não só como mulheres, mas seres humanos.