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Ela Martha Medeiros

O feminicídio e a solidão

Se ele for violento, vai dar bandeira. Hora de fazer uma revisão naquela letra de música: ninguém pode ser feliz vivendo ameaçada, isso sim

Afora alguns poucos que acreditam que discutir o feminicídio é mimimi, a maioria da população reconhece a estatística brutal constatada diariamente: muitas mulheres morrem pelas mãos de seus namorados, maridos e amantes. O mundo evoluiu e ainda assim os homens (os ignorantes, óbvio) ainda se consideram donos de suas parceiras, e quando a relação se desfaz, eles se desestabilizam e as matam, cumprindo a lógica doentia dos machistas: não será minha, não será de mais ninguém”. Bang.

Diante desta realidade, é natural que haja uma grita geral buscando conscientização e punição. Porém, não podemos esperar que o machismo retroceda apenas porque fazemos campanha pra isso — o processo é lento, ainda mais em países como o nosso, com baixa escolaridade e carente de uma visão social moderna e progressista.

Diante desta realidade, é natural que haja uma grita geral buscando conscientização e punição. Porém, não podemos esperar que o machismo retroceda apenas porque fazemos campanha pra isso — o processo é lento, ainda mais em países como o nosso, com baixa escolaridade e carente de uma visão social moderna e afortunada. As próprias mulheres enxergam as outras desse modo. Estamos sempre tentando arranjar um pretendente para uma amiga avulsa — o que não deixa de ser um gesto carinhoso, já que viver a dois é mesmo um luxo. Mas não se trata apenas de generosidade, há também um secreto incômodo de conviver com uma pessoa que é ímpar, e não par. O par é sinônimo de estabilidade, já o ímpar é sempre um ponto de interrogação. Como consegue viver sem apoio, sem associar-se, sem compartilhar? Como consegue se satisfazer com rolos esporádicos e sexo casual? De onde vem essa força estranha? Preferimos acreditar no romantismo que a bossa nova consagrou como verdade: ninguém pode ser feliz sozinho.

Sorry . Pode ser feliz, sim.

A visão apocalíptica e catastrófica da solidão foi extinguida, mas não a ponto de libertar as mulheres deste destino obrigatório: ter uma relação a fim de ser valorizada. E aqui voltamos ao assunto feminicídio. Os primeiros meses de namoro são só flores, beijos e apelidinhos. Então a intimidade aumenta, e a gente percebe a verdadeira natureza do nosso mozão. Se ele for violento, vai dar bandeira. Vai pegar no braço com força demais, vão rolar uns empurrões, ele vai ser agressivo e depois dará a desculpa de que estava de pileque. Hora de fazer uma revisão naquela letra de música: ninguém pode ser feliz vivendo ameaçada, isso sim. Tchau, brutamontes. Sozinha de novo, lá vou eu.

O feminicídio vai diminuir quando os homens forem menos machistas, óbvio. Mas também quando as mulheres perderem o medo da opinião desta sociedade fixada em formar casais a qualquer custo.