Ela

Roda de samba formada só por mulheres faz sucesso na cena carioca

Samba que Elas Querem faz conquistou o público nas ruas e na internet
Grupo tem feito cerca de duas apresentações por semana Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Grupo tem feito cerca de duas apresentações por semana Foto: Leo Martins / Agência O Globo

A ideia veio de supetão. Faltava um mês para o aniversário de Silvia Duffrayer, e ela ouviu dos proprietários de um bar no Catete que um grupo de samba que tocava por lá furou a agenda. Num impulso, respondeu: “Como assim? Vou fazer uma roda só de mulheres, então. E vai se chamar Samba que Elas Querem.”

— Foi meio que uma piada real. O nome simplesmente surgiu — diz ela, em tom de diversão.

LEIA MAIS: Ive se prepara para lançar álbum produzido por Liminha e Nelson Motta

Documentário retrata mulheres que foram presas durante o regime militar

Mulheres negras conquistam espaços como influenciadoras digitais

Naquele momento, Silvia, que é pandeirista e cantora, não tinha ideia de quem mais poderia integrar a roda. Aí vieram Cecília Cruz (cavaco e voz), Bárbara Fernandes (violão e voz) e Angélica Marino (tantam), e o encontro, selado em agosto do ano passado, deu samba. Na segunda roda, já eram seis mulheres. Na terceira, oito. Completam o grupo Karina Neves (flauta), Mariana Solis (percussão e voz), Duda Bouhid (tamborim e voz) e Júlia Ribeiro (conga e voz).

— Quando falei aquilo no bar, minha ideia era montar uma roda só de mulheres negras. Mas ninguém podia, e acabamos nos tornando um grupo colorido, o que acho maravilhoso. Tem branca, preta, morena, cabocla — enumera Silvia.

Colorido e com um discurso feminista tão afinado quanto os instrumentos. Afinal, todas as participantes já sentiram na pele como as mulheres enfrentam resistência no mundo do samba. Em geral, são aceitas apenas como voz.

— Sempre toquei em outras rodas. Era a única mulher e só participava como cantora — conta Silvia. — Até mesmo nas nossas apresentações hoje em dia, os homens costumam exibir expressões de surpresa. Ao nos verem tocar, fazem um sinal de “joinha” com as mãos, como se precisássemos da aprovação deles.

Duda completa:

— Quando deparamos com uma roda só de homens, não nos sentimos à vontade para sentar e tocar. Eles não dão essa abertura.

Se a união faz a força, o grupo anda fazendo um barulho tremendo. Há alguns meses, as integrantes viralizaram nas redes sociais com um vídeo em que aparecem cantando uma versão “feminista” de “Mulheres”, música composta por Toninho Geraes e famosa pela interpretação de Martinho da Vila. A gravação compartilhada no Facebook já tem mais de 2,5 milhões de visualizações.

Assinada por Silvia e a colega Doralyce, a letra foi escrita numa tarde de praia e diz: “Eu não sei porque tenho que ser a sua felicidade/não sou sua projeção/você é que se baste/meu bem, amor assim quero longe de mim.” Os versos ainda citam nomes importantes para a luta feminina, como Xica da Silva e Dandara, e avisam: “Ninguém tá confusa, não te perguntei nada”.

A visibilidade fez com que elogios de bambas chegassem a elas. O grupo soube que Toninho e Martinho gostaram da versão, Jorge Aragão gravou um vídeo exaltando o grupo e Teresa Cristina entrou em contato.

— Fiquei muito emocionada ao ver a versão que elas fizeram, sem agredir o compositor — elogia Teresa. — Sempre que leio sobre a história do samba, vem à tona a figura de Tia Ciata, que é quem o trouxe para o Rio. Ela abriu as portas da casa dela para reunir as pessoas e, em algum momento, esse protagonismo feminino se perdeu.

Ao ver o vídeo do Samba que Elas Querem, a cantora teve a sensação de que essa história pode mudar:

— Senti uma esperança, uma alegria. Quero encontrá-las e estar nessa roda junto com elas.

No rastro do sucesso, o grupo faz, em média, dois shows por semana no Rio. No mês passado, bastaram apenas alguns dias de divulgação para lotar um espaço na Praça Tiradentes com capacidade para 900 pessoas. O arraiá marcado para o próximo dia 27, na antiga quadra da Vizinha Faladeira, na Gamboa, deve repetir o sucesso. E a festa de um ano já está confirmada para o mês que vem. Os detalhes vão ser divulgados em breve.

Quem vai aos shows canta junto. O repertório passeia por nomes que vão de Dona Ivone Lara e Jovelina Pérola Negra a Roque Ferreira e Toninho Geraes. Mas também abre espaço para canções autorais e letras de amigos compositores.

Na hora da apresentação, se algum homem quiser se juntar à turma, será bem-vindo. Desde que ele “mereça esse espaço”.

— A gente não adota um discurso de exclusão. Não queremos nos sobrepor a ninguém. Inclusive, já rolou de homem tocar com a gente — avisa Silvia.

Que venham mais rodas assim.