A natureza da gente não cabe em certeza nenhuma”. A frase de “Grande Sertão: Veredas” está pintada à mão na fachada da Casa Guimarães Rosa, uma das opções de hospedagem do Ibiti Projeto, em Lima Duarte, Minas Gerais. A construção simples guarda outros dizeres inspiradores nas paredes do interior, livros sobre as mesas de cabeceira e conforto máximo, das roupas de cama ao piso de madeira que fica quentinho nas noites mais frias. A proposta conjuga o dia a dia de uma pacata vila com chão de terra batida a serviços cinco estrelas.
Na ida para o café da manhã ou jantar — sempre vegetariano, com produtos locais e orgânicos —, os visitantes podem trocar dois dedos de prosa com os antigos moradores, comprar verduras, brincar com os cachorros da rua e assistir ao concerto de piano no fim de tarde. É um lugar onde o tempo parece passar mais devagar, embora dê para adicionar alguma velocidade com o aluguel de uma bicicleta elétrica (com pedal assistido).
O refúgio de bem-estar em meio a uma área de seis mil hectares de mata em processo de regeneração, único endereço brasileiro que integra o ranking dos 50 melhores hotéis de luxo do mundo pela americana Robb Report, tem atraído gente do Brasil todo e dos seis continentes, hóspedes que acabam virando assíduos, como a modelo e ativista ambiental Gisele Bündchen. Em janeiro deste ano, ela passou uma semana por lá, na companhia dos filhos, Vivian Lake e Benjamin, e do namorado, o treinador de jiu-jítsu Joaquim Valente. Sempre discreta, alguns dias após a viagem, Gisele compartilhou o álbum das férias em meio ao verde. “Reconectando com o essencial”, escreveu, na legenda das fotos. Foi sua terceira vez no Ibiti Projeto.
Tudo começou em 1982, quando o empresário mineiro Renato Machado comprou a Fazenda do Engenho e transformou o casarão de 1715 em uma pousada, em 2008, que logo ficou famosa pelos jantares a luz de velas nas cavernas e pelas monumentais esculturas de ferro que até hoje são a principal atração turística. De lá para cá, Renato foi adquirindo mais e mais terras, transformando o empreendimento em um amplo projeto socioambiental com foco na preservação de flora e fauna e valorização da cultura local. Há cerca de três anos, ele passou a investir também na Vila do Mongol, em busca de uma vida mais simples, inclusive para ele e a família.
Lá, além da Guimarães Rosa, há mais três casas para hospedagem que integram o Ibiti Village (diárias a partir de R$ 2.530, para o casal, com pensão completa), cada um com um tema e décor correspondente: Freud, Humboldt Loft e Thomas Sowell. Há também cinco suítes independentes no casarão onde funcionam bar, venda, recepção, cinema e spa. Para os mais aventureiros, o Ibiti Remote disponibiliza três casas no meio do nada, com vistas incríveis e acesso exclusivamente por trilhas. E ainda a oca, construída e ornamentada por indígenas do Xingu, que recebe grupos com o conforto de roupões, cama fofinha e banheira aberta ao verde (R$ 1.800, por pessoa).
As grandes estrelas do Ibiti Projeto são as cerca de 27 cachoeiras catalogadas, a maioria de fácil acesso pelos 300 quilômetros (!) de trilhas, entre trechos de Mata Atlântica e Cerrado. Um dos caminhos sugeridos, de quatro quilômetros, pode ser percorrido com facilidade por iniciantes. Há, todavia, disponibilidade de carros elétricos com tração nas quatro rodas para deslocamentos. A vegetação, as borboletas e os pássaros pelo caminho não deixam de encantar nem os mais antigos visitantes, como a artista plástica Mucki Skowronski, que vai de quatro a cinco vezes por ano. “Defino Ibiti como a Arca de Noé: se o mundo acabar, o projeto sobrevive. Tem energia própria, alimentação, beleza e só gente fina”, diz Mucki, uma #ibitilover confessa.
“Quando estou lá, gosto de acordar bem cedo, comer o melhor pão de queijo do mundo e caminhar o dia inteiro pelas trilhas e cachoeiras. É inspiração sem fim.” Outro passeio “obrigatório” é o circuito até a “Big Family”, conjunto de sete esculturas feitas com ferro e estruturas de demolição pela norte-americana Karen Cusolito, instaladas na Pedra do Tatu desde 2014. As obras foram apresentadas pela primeira vez em 2007, no Burning Man: no centro delas, havia uma torre de perfuração de petróleo.
“O intuito é mostrar como a nossa ambição tem impacto sobre o meio ambiente”, explica a artista. Os trabalhos, com cerca de 6 toneladas, cada, viajaram de navio da Califórnia ao Porto de Santos, e foram para Ibitipoca de trem. Uma força-tarefa que valeu a pena. “É o cartão-postal do projeto”, atesta o guia Júnior Vicente dos Reis. Naquele cenário, uma vez ao ano, acontece o Muriqui Sounds.
O nome do festival de música é uma homenagem ao maior primata das Américas. E também uma das 35 espécies mais ameaçadas de extinção do planeta. Em parceria com o Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB), o Ibiti Projeto trabalha para o aumento da população do macaco, que lá pode ser observado na Muriqui’s House, um semi-cativeiro com quatro hectares cercados. Recentemente, nasceu o primeiro muriqui do cativeiro, Eliot, motivo de festa e esperança.