Época política

A costura política que uniu Bolsonaro aos evangélicos

Presidente eleito estava do lado da bancada evangélica antes mesmo de ter grande força. Ele se diz comprometido com "os valores da família cristã"
O pastor evangélico Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, num culto. Ele celebrou o casamento de Bolsonaro com Michelle e se tornou um dos principais apoiadores da candidatura presidencial de Bolsonaro Foto: RICARDO MORAES / REUTERS
O pastor evangélico Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, num culto. Ele celebrou o casamento de Bolsonaro com Michelle e se tornou um dos principais apoiadores da candidatura presidencial de Bolsonaro Foto: RICARDO MORAES / REUTERS

Às 20h25 da terça-feira 30, quando o presidente eleito Jair Bolsonaro chegou à igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, o prédio estava cercado de viaturas da Polícia Militar e um efetivo de mais de 40 policiais o aguardava. Uma plateia de centenas de fiéis o recebeu aos gritos de “mito” e “glória a Deus”. Bolsonaro foi agradecer o apoio do pastor Silas Malafaia na campanha eleitoral. Discursou por cinco minutos e garantiu aos fiéis ser “uma pessoa comprometida com os valores da família cristã”. “Não sou o mais capacitado, mas Deus capacita os escolhidos”, afirmou.

Bolsonaro e Malafaia são amigos. A aproximação se deu em 2006, quando tramitava na Câmara o Projeto de Lei que criminalizava a homofobia — no jargão burocrático do Legislativo, o PL 122. Se transformado em lei, a recusa em prestar serviço para homossexuais, deixar de empregá-los ou impedir a expressão de seu afeto passariam a ser punidos penalmente. Bolsonaro era, então, um deputado menor do PP, conhecido por frases de efeito e posições conservadoras. Em mais de uma ocasião, discursou contra o projeto. “Tem de ter também uma lei que criminaliza a carecofobia, a flamengofobia”, ironizava. Na época, o texto do PL foi aprovado, com modificações, na Câmara, mas nunca passou pelo Senado. Após oito anos, terminou arquivado.

O episódio parece pequeno, mas mostra que Bolsonaro estava do lado da bancada evangélica antes mesmo de ela ter grande força. A Frente Parlamentar Evangélica contava formalmente com 58 deputados, mas a lei anti-homofobia passou na Câmara por unanimidade após um acordo entre lideranças. A afinidade de longa data de Bolsonaro com os evangélicos, que Malafaia descreveu a ÉPOCA como “natural, sem nenhuma pressão”, rendeu agora amplos dividendos eleitorais para o presidente eleito.

Nas pesquisas de intenção de voto, em nenhum outro grupo demográfico de raça, idade ou religião a vantagem de Bolsonaro sobre Haddad foi tão gritante. Entre os evangélicos, eram 70% favoráveis ao pesselista e 30% ao petista, revelou o Datafolha em 10 de outubro. Entre os católicos, a vantagem era de 51% de Bolsonaro em comparação a 49% de Haddad, um empate técnico. No Censo de 2010, evangélicos formavam 22% da população do Brasil, a maioria pentecostais. O Datafolha trabalha com a estimativa de que, hoje, os evangélicos representam 34% da população, ou seja, mais de 70 milhões de brasileiros.

Jair Bolsonaro em culto na Assembleia de Deus, dois dias depois de sua eleição. Ele se diz comprometido com “os
valores da família cristã” Foto: Alexandre Cassiano / AGÊNCIA O GLOBO
Jair Bolsonaro em culto na Assembleia de Deus, dois dias depois de sua eleição. Ele se diz comprometido com “os valores da família cristã” Foto: Alexandre Cassiano / AGÊNCIA O GLOBO

Num passado recente, as principais lideranças evangélicas que despontam hoje ao lado de Bolsonaro estavam com Lula. E com Dilma Rousseff. “Eu apoiei Dilma”, admitiu Marcos Feliciano, pastor da Assembleia de Deus que é deputado federal desde 2011. Durante a campanha, em 2010, Dilma se reuniu com religiosos em Brasília e assinou uma carta em que se comprometeu a não defender as bandeiras do casamento gay e da legalização do aborto. Feliciano, o senador Magno Malta (Igreja Batista), o ex-senador e hoje prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Igreja Universal) e o ex-deputado federal Robson Rodovalho (Sara Nossa Terra) estavam lá.

“Demorou dois meses de governo para eu perceber que o PT era o demônio”, disse Feliciano, em entrevista em seu gabinete. “Fui a Gleisi Hoffmann, então ministra-chefe da Casa Civil, pedir compromisso com as nossas pautas, e ela praticamente riu da minha cara. Em maio, quando estourou o ‘kit gay’, a lua de mel acabou para todos”, disse Feliciano, referindo-se ao projeto Escola Sem Homofobia, cartilha para educadores que seria distribuída nas escolas.

O projeto surgiu da Comissão de Legislação Participativa da Câmara e foi produzido por ONGs contratadas pelo Ministério da Educação. Eram atividades voltadas para crianças do 6º ao 9º ano, de 11 a 14 anos. Um dos capítulos propunha mostrar os “mitos e estereótipos” mais comuns sobre a população LGBT, a partir das seguintes afirmações, para serem completadas pelos alunos: “Meninos que brincam de boneca e de casinha são...”, “Mulheres que dirigem caminhão são...”, entre outras. Um vídeo ensinava que um menino não podia ser discriminado pelos colegas por ter uma boneca.

O petista Fernando Haddad era ministro da Educação e defendeu o material, ainda que não tenha tido envolvimento em sua criação, anterior a seu mandato. Atendendo à bancada evangélica, Dilma vetou a distribuição das cartilhas. Ainda que nunca tenha se tornado realidade, mentiras sobre o “kit gay” trafegaram livremente pelo WhatsApp durante a campanha deste ano, para desespero de Haddad.

Nesse episódio, Bolsonaro novamente teve protagonismo. Em março de 2011, ele pediu à Comissão de Direitos Humanos da Câmara que convocasse Haddad para explicar o material. O deputado Luiz Couto (PT-PB) presidia a comissão e negou. “Antes, para os evangélicos, só havia um projeto contra nós, o PL 122”, disse Feliciano a ÉPOCA. “Nessa época, comecei a mostrar para os meus milhões de seguidores que havia mais de 1.000 projetos ferindo a família, a liberdade de expressão e a religião. Eu, nas redes sociais, e Silas Malafaia, na televisão, abrimos os olhos da igreja. Os evangélicos começaram a ficar aguerridos e acompanhar a briga ideológica contra o PT aqui comigo.” Ainda em março de 2013, Malafaia celebrou o casamento entre Bolsonaro, católico, e Michelle, batista, no Rio de Janeiro.

A primeira entrevista de Bolsonaro como presidente eleito. Foi dada à TV Record, do bispo Edir Macedo, que cobriu em tom de martirização a recuperação do candidato da facada que ele levou em Juiz de Fora Foto: Reprodução
A primeira entrevista de Bolsonaro como presidente eleito. Foi dada à TV Record, do bispo Edir Macedo, que cobriu em tom de martirização a recuperação do candidato da facada que ele levou em Juiz de Fora Foto: Reprodução

Em uma movimentação interna na Câmara, também em março de 2013, o PT cedeu a Comissão dos Direitos Humanos (CDH) da Câmara para poder ficar à frente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o que possibilitou outro avanço conservador. Feliciano foi escolhido como presidente da CDH, para o horror de ativistas pelo país. “Fizemos uma manifestação pelos valores da família aqui em Brasília. Em 2012, eram 5 mil pessoas. Em junho de 2013, conseguimos 100 mil. Foi o efeito Feliciano”, gabou-se o deputado, esquecendo-se da eclosão, por outros motivos, das jornadas de junho de 2013.

“Eu acredito, sem querer ser pretensioso, que essa mudança no cenário geopolítico brasileiro começou em 2013, com a tomada da CDH”, afirmou Feliciano. “Bolsonaro soube surfar nessa onda, teve o timing perfeito. Como eu sou cristão, tenho a marca de pastor. Eu também tinha vontade de xingar, de mandar todo mundo para aquele lugar, mas eu não posso, porque a minha fé está acima do meu orgulho. Bolsonaro podia, porque não tinha o bloqueio da fé. E eu acho que foi isso que ajudou a construir a imagem dele.”

O histórico de Bolsonaro não teria valido de nada, no entanto, se as lideranças não tivessem entrado para valer em sua campanha presidencial. Um dos principais empurrõezinhos veio em cima da hora. Foi o de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). A denominação detém um império midiático com a Rede Record de televisão, emissoras de rádio, portais de notícias e o jornal Correio do Povo. A cobertura dos veículos de Edir Macedo privilegiou Bolsonaro, dando atenção, em tom de martirização, à fragilidade de sua saúde após a facada em Juiz de Fora, Minas Gerais.

Depois de o bispo Macedo declarar apoio a Bolsonaro, às vésperas do primeiro turno, jornalistas da TV Record e do portal de notícias R7 passaram a sofrer pressão para publicar reportagens favoráveis ao capitão da reserva e contra Haddad, o MST e o PT, segundo relatos anônimos ouvidos por ÉPOCA. No dia 4 de outubro, a emissora transmitiu uma longa entrevista com o presidenciável no mesmo horário do debate realizado pela TV Globo com os demais candidatos. A decisão pegou Luciana Barcellos, chefe de redação do Jornal da Record , de surpresa. Ela pediu demissão após o episódio.

A lei eleitoral proíbe qualquer doação ou colaboração de igrejas em campanhas. É vedado “receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de entidade beneficentes e religiosas”. Fiéis de diversas denominações ouvidos por ÉPOCA relataram, porém, hostilidades em suas igrejas contra quem não votaria em Bolsonaro. Alguns líderes declararam voto no púlpito, o que é considerado abuso de poder econômico.

Em nota enviada ao jornal O Globo em setembro, a IURD afirmou discordar “da exclusão de milhares de lideranças evangélicas de todas as denominações, que representam mais de 70 milhões de pessoas, de participarem do processo democrático que deve incluir o direito de expressar opiniões políticas”. O bispo Robson Rodovalho, fundador da Sara Nossa Terra, também criticou a lei. “Por que só os pastores? E os cantores, os artistas que têm o seu público? Estão cerceando apenas um segmento”, disse.

Uma fiel da IURD de Frutal, no oeste de Minas, contou à reportagem que abandonou a igreja que frequentava após o pastor “praticamente obrigar” o voto em Bolsonaro. Ele dizia, no púlpito, que Lula e PT são das trevas. Um professor que leciona em uma escola ligada à Igreja Renascer, no interior de São Paulo, disse que ouve todos os dias de um colega, ao entrar no trabalho, que Bolsonaro “vai matar todos os veados”. Os alunos gays ou de esquerda temem retaliações da pastora que dirige a escola, afirmou.

A Renascer também expulsou um pastor quando ele se recusou a pregar em favor de Bolsonaro em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, mostra um áudio publicado pelo portal Vice. O bispo que aparece falando na gravação, Phillip Guimarães, nega. Um homem contou a ÉPOCA que em um acampamento da Igreja Presbiteriana, no interior de São Paulo, alguns fiéis agiam como se ninguém votasse no PT e faziam sempre piadas e comentários contra o partido. “Chamavam Bolsonaro de mito, faziam gesto da arma para cima e depois iam orar. Era uma bizarrice levemente assustadora”, afirmou. Há diversos relatos, em todo o país, de pastores que iam à igreja com adesivos de Bolsonaro no carro e davam “indiretas” durante as celebrações.

Em 1º de outubro, o pastor José Wellington, da Assembleia de Deus, usou a maior sede da igreja, no Belém, Zona Leste de São Paulo, para pedir a milhares de fiéis o voto em Bolsonaro. Em um vídeo, o então candidato apareceu dando os parabéns ao pastor por seu aniversário de 84 anos. “Há poucos instantes vimos aqui um vídeo. E não sei se preciso falar mais alguma coisa em relação à política. Meus irmãos, no dia 7 de outubro, dia 17, não. É dia 7, 17 é outra coisa, que precisa estar lá também”, afirmou José Wellington.

O primeiro pronunciamento de Bolsonaro à nação, como presidente eleito, teve uma cena inédita: foi precedido de uma oração feita pelo senador Magno Malta (PR-ES), cantor gospel Foto: Reprodução
O primeiro pronunciamento de Bolsonaro à nação, como presidente eleito, teve uma cena inédita: foi precedido de uma oração feita pelo senador Magno Malta (PR-ES), cantor gospel Foto: Reprodução

Procurado, o pastor respondeu por meio de uma nota. Disse que o “Conselho Político” da igreja se aproximou de Bolsonaro e que a adesão dos fiéis da Assembleia de Deus ao candidato ocorreu “de forma natural”. “Desde o início da campanha eleitoral (...) o pastor José Wellington Costa Júnior, por meio do Conselho Político, lançou uma campanha de oração com o slogan ‘Igreja de joelho, Nação em pé’. Foram 30 dias ininterruptos de oração pela pátria, que se estendeu por mais 21 dias por conta do segundo turno com o slogan ‘Brasil + 21’ e encerrou com uma vigília de oração no final de semana que antecedeu o pleito do dia 28 de outubro”, afirma a nota.

Um pastor da Igreja Batista de uma cidade da Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, enviou um áudio para seus seguidores via WhatsApp, obtido por ÉPOCA. “Eu estive fazendo uma pesquisa aqui, não quero obrigar meus irmãos a votarem nesses candidatos. Mas quero passar uma cola para os irmãos que me pediram. Penso que Bolsonaro seria um bom presidente. Bolsonaro 17. Segundo, governador do estado do Rio de Janeiro. O Wil Wetzel, digo, Witzel, vai fazer um bom governo”, afirma o pastor. “Para senador, Flávio Bolsonaro, filho do Bolsonaro, 177.”

Em agosto, Bolsonaro subiu no púlpito da Igreja Batista Atitude, frequentada por sua mulher, Michelle, no Rio. “Que nem os hackers consigam mudar, ó Deus, aqueles votos das urnas”, disse o pastor Josué Valandro Jr., que celebrava o culto. “Que ninguém consiga desfazer o propósito melhor para a nossa nação. Capacita Jair Bolsonaro. E que em outubro tenhamos uma resposta do céu sobre a vida do teu filho. E querendo, senhor, no dia 1º de janeiro, este seu filho suba a rampa do Planalto para começar uma nova história do Brasil.”

Para o deputado Feliciano, os fiéis que se afastaram da igreja por discordarem de seus pastores “não são ovelhas, são bodes”. “A ovelha ouve seu pastor e segue, respeita. É bíblico isso. O pastor explicou o motivo, o pastor não falou só: ‘Vote no Bolsonaro’. Quem ouve e não quer obedecer deve sair da igreja mesmo”, disse. Ele garante, porém, que pregou em 200 cidades durante as eleições e não falou de política. Em março, Feliciano saiu do PSC e se filiou ao Podemos.

“De maneira pontual, sem nenhuma representação, alguns pastores, com falta de sabedoria, falaram em púlpito, o que é proibido pela lei eleitoral”, afirmou Silas Malafaia a ÉPOCA. “É ínfimo. Quem falou em púlpito a favor de Bolsonaro não tem uma representação de peso no mundo evangélico. O povo evangélico hoje está antenado nas redes sociais. Nós somos o grupo que mais usa redes sociais, porque, para o cara dizer que é evangélico, tem de estar pelo menos uma vez por semana na igreja.”

Mesmo em igrejas em que o pastor não declarou apoio, fiéis exerciam pressão entre si para estimular o voto em Bolsonaro, especialmente em grupos de WhatsApp. Um fiel que frequenta uma Assembleia de Deus da capital do Rio de Janeiro relatou que era hostilizado ao tentar desmentir boatos que circulavam sobre Haddad. Os fiéis diziam que Haddad criou o “kit gay” para promover a homossexualidade, que jogou uma Bíblia no lixo e que Manuela D’Ávila, sua vice, teria uma camiseta com os dizeres “Jesus é travesti”, todos boatos comprovadamente falsos.

Diante da adesão de líderes e fiéis pelo país a Bolsonaro, Haddad viu a necessidade de reagir, mas tarde demais. A 11 dias do segundo turno das eleições, houve o primeiro encontro da equipe petista com líderes evangélicos, no auditório de um hotel, no centro de São Paulo. O candidato citou Deus, humildade e generosidade. Desmentiu que tenha defendido o “kit gay” para promover a homossexualidade entre crianças ou que apoie a pedofilia. “O Estado não pode ser propriedade de uma religião, tem de abraçar todas”, disse. “Muitas vezes as pessoas confundem a expressão ‘Estado laico’. Não é o que volta as costas para os religiosos, é o que oferece espaço para todas as crenças.” Foi aplaudido e bem recebido.

O pastor Ariovaldo Ramos, organizador do evento, não conhecia Haddad pessoalmente antes daquele dia. Líder da Comunidade Cristã Renovada, o religioso visitou Lula na prisão e fundou, à época do impeachment de Dilma Rousseff, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, que se declara apartidária. No primeiro governo Lula, participou do Conselho de Segurança Alimentar da Presidência. Para ele, “é da natureza da religião ser conservadora” e “tentar demover os religiosos do seu conservadorismo é uma luta inglória”.

“A esquerda, de modo geral, não conversa bem com religiosos”, afirmou Ramos. “Levou tempo para a esquerda perceber que o brasileiro estava se tornando mais conservador e o que o crescimento dos evangélicos implica a médio e longo prazos. Os evangélicos entenderam que havia um projeto contra a família, de comunismo, e ficaram com medo, mas precisamos demonstrar que isso não existe.”

Haddad só teve um encontro com os evangélicos no segundo
turno. Depois de ter sido atacado como defensor do “kit gay”, tentou conter o prejuízo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Haddad só teve um encontro com os evangélicos no segundo turno. Depois de ter sido atacado como defensor do “kit gay”, tentou conter o prejuízo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

O encontro contou com a participação de 200 líderes religiosos favoráveis a Haddad, inclusive a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), voz minoritária na Frente Parlamentar Evangélica da Câmara. Para Malafaia, “não havia um líder de expressão” próximo a Haddad. “O pastor Ariovaldo Ramos mamou nas tetas do governo por anos. É um zero do zero do movimento evangélico. Nós ficamos rindo. Não tinha um cara de meia expressão nesse encontro”, disse.

Após o encontro de Haddad com as lideranças e a distribuição de material de campanha voltado para religiosos, o Ibope captou uma queda de Bolsonaro entre os evangélicos. De 15 a 27 de outubro, a intenção de voto no pesselista caiu de 66% para 58% no segmento. O Datafolha do mesmo período, porém, não mostra um movimento semelhante.

“Imagino que esses 30% de evangélicos que votaram em Haddad ainda associem o PT ao Bolsa Família”, especulou Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), deputado da bancada evangélica que frequenta a igreja de Malafaia na Penha, visitada por Bolsonaro. “Uma pequena parcela deve ser de esquerdistas.”

Um estudo do Ideia Big Data, encomendado por ÉPOCA, mostra o que os eleitores evangélicos esperam do novo presidente. Foram ouvidos 275 religiosos entre 8 e 10 de outubro. Eles associam o PT à legalização do aborto, à venda de drogas e, novamente, ao suposto “kit gay”. Esperam que Bolsonaro não permita aprovar leis contra os valores cristãos e que ele acabe com as facções criminosas. Pedem que, no próximo mandato, os cristãos tenham as mesmas liberdades que têm hoje e que o evangelho possa continuar a ser pregado livremente. “O grau de expectativa das pessoas ouvidas é extremamente elevado”, afirmou Mauricio Moura, fundador da Ideia Big Data e professor de estatística da Universidade George Washington, nos Estados Unidos. “Elas carregam um desejo acima da média de que as coisas se materializem positivamente, especialmente considerando que as eleições hoje em dia são marcadas pela descrença, e não pelo otimismo. Essas pessoas têm também um elemento familiar muito forte e estão preocupadas com a tradição da família.”

Para que o novo governo atenda às demandas dos evangélicos, diz Sóstenes Cavalcante, basta que Bolsonaro “continue sendo ele mesmo”. A principal bandeira é a educação. Os religiosos pedem o fim da “doutrinação esquerdista” nas universidades e escolas. “Os religiosos erraram por não terem ocupado antes os espaços acadêmicos. Nós não incentivamos. Agora, estamos mostrando que os intolerantes não somos nós, são eles”, afirmou.

Em 24 de outubro, a bancada evangélica divulgou um documento de 60 páginas com demandas para Bolsonaro. A frente, liderada pelo pastor Takayama (PSC-PR), hoje conta com 199 deputados, número que deverá cair para 180 no próximo mandato. “É uma distorção imaginar que ( a Frente Evangélica ) é apenas para cuidar dos valores espirituais ou da defesa da igreja. Queremos oferecer ao novo governo uma linha de pensamento suprapartidária”, disse Takayama ao divulgar o projeto. Questionado sobre o conteúdo, porém, não soube dar detalhes aos jornalistas.

Algumas das propostas são a redução do número de ministérios, corte de cargos comissionados no governo federal, uso intensivo da terceirização de mão de obra, aumento da autonomia das agências reguladoras, diversificação das fontes de financiamento para infraestrutura, criação de um imposto de valor agregado (IVA) nacional. De costumes, pede-se apenas a aprovação do projeto da Escola sem Partido. Depois da eleição de Bolsonaro, os evangélicos passaram a se movimentar para votar esse projeto na Câmara ainda neste ano.