Época Daniel Salgado

A cruzada bem-humorada de uma página de Facebook contra as violações trabalhistas no Brasil

Num país com 25% de seus jovens desempregados e pouca instrução sobre o mercado de trabalho, vagas criminosas abundam na internet
A cruzada bem-humorada de uma página de Facebook contra as violações trabalhistas no Brasil Foto: Agência O Globo
A cruzada bem-humorada de uma página de Facebook contra as violações trabalhistas no Brasil Foto: Agência O Globo

Você tem lá seus vinte e poucos anos e está entrando no mercado de trabalho. Seja saído do ensino médio, do curso técnico ou da faculdade, uma coisa é bem provável: você não sabe reconhecer se aquela vaga para auxiliar, aprendiz ou júnior na empresa é boa mesmo. O salário é baixo, a experiência prévia requerida parece desproporcional e a jornada de trabalho exagerada, mas é um emprego não é? Não é sempre assim?

Bem, se você for um dos centenas de milhares de seguidores da página Vagas Arrombadas , as chances são de que você não vá cair no conto do vigário. Isso porque, com bom humor, a página faz involuntariamente um trabalho de formiguinha importante para a conscientização dos jovens interneteiros. Não há remuneração canalha, flexibilização injusta ou direitos sequestrados em um anúncio que escape ao olhar dos administradores e fãs da página.

Antes de entender a importância do projeto, é preciso pensar no contexto brasileiro. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego entre a população de 18 a 24 anos é de 26,6% , quase o dobro da média geral, que fica na casa dos 12,4%. Não bastasse, o número de pessoas vivendo com até R$406 por mês aumentou em 2 milhões , ou seja, são 54,4 milhões de brasileiros nessa situação. Para completar a coroa de dados preocupantes, chegamos à 9ª posição no ranking de desigualdade de renda .

E não é como se o Brasil estivesse bem nos direitos trabalhistas: em dezembro de 2017 foram mais de 80 mil ações trabalhistas na Justiça , um número exorbitante, ainda que bem menor do que o dos meses anteriores. Vale ressaltar: a queda, porém, foi causada pela adoção dos novos critérios implantados na Reforma Trabalhista, que, em si, não é necessariamente uma mudança das mais bem-vindas .

Trago os números para voltar a falar da “Vagas”. O Brasil é um país com uma massa de jovens em busca de emprego, muitas vezes mal remunerados e que ignoram a legislação vigente. Também é uma nação que faz zero ou nenhum esforço para apresentar a seus rebentos o mundo do trabalho enquanto estão recebendo sua educação formal. Temos aí a receita para uma mão de obra disposta a trabalhar sob condições no mínimo adversas.

É aí que se reforça a importância da página. Capaz de tocar nesses assuntos de maneira leve e com alta potencial de viralização, a “Vagas” serve de ferramenta educadora. Mesmo que não seja de propósito, ao debochar de uma vaga, ao debochar de uma vaga que oferece hospedagem em troca de trabalho, prática ilegal , ela mostra para milhares de jovens que isso é crime. Ao mostrar o absurdo de vagas que pedem experiência prévia para funcionários recém-ingressos no mercado , ela mostra que o candidato não é mal preparado e sim que é a empresa que está tentando ganhar um trocado a mais.

Para a maioria dos jovens brasileiros, muitas vezes os primeiros em suas famílias a trabalhar em suas áreas, a dúvida é a lei. Seus colegas costumam saber tão pouco quanto eles sobre esse mundo onde o lucro é maximizado e a dignidade do trabalhador é colocada numa corda bamba.

A página, é claro, não retira a responsabilidade do governo de ensinar seus cidadãos sobre seus direitos ou de fiscalizar essas práticas empresariais abusivas. Nem acho que sua proposta original tenha a sido puramente de conscientização, mas sim de divertir e entreter de maneira crítica. Mas ela mostra como a internet pode empoderar e trazer diretamente informação a quem antes era excluído de seus direitos mais básicos. Resta torcer para que cada vez menos jovens caiam nessas “vagas arrombadas” e elas se tornem apenas motivo de chacota, não o reflexo de uma triste realidade.