Época cultura

A não ficção também é assunto dos quadrinhos

O quadrinista Fábio Moon contou a experiência de adaptar obras como o romance "Dois irmãos", de Milton Hatoum, e os contos "O alienista", de Machado de Assis
Os editores André Conti, da Todavia, e Emilio Fraia, da Companhia das Letras conversaram com o quadrinista Fábio Moon (ao centro) Foto: Foto: Marcelo Saraiva Chaves
Os editores André Conti, da Todavia, e Emilio Fraia, da Companhia das Letras conversaram com o quadrinista Fábio Moon (ao centro) Foto: Foto: Marcelo Saraiva Chaves

Na tarde desta sexta-feira (27), os editores André Conti, da Todavia, e Emilio Fraia, da Companhia das Letras conversaram com o quadrinista Fábio Moon sobre a não ficção nos quadrinhos na Casa ÉPOCA & Vogue, no centro histórico de Paraty. Moon e seu irmão gêmeo Gabriel Bá são os quadrinistas mais premiados do Brasil. Juntos, ele editaram a revista underground 10 pãezinhos e adaptaram livros os mais diversos, como o romance Dois irmãos , de Milton Hatoum, e os contos O alienista , de Machado de Assis, e Como falar com garotas em festas , do inglês Nell Gaiman.

O público assiste ao bate-papo sobre a não ficção em quadrinhos Foto: Foto: Marcelo Saraiva Chaves
O público assiste ao bate-papo sobre a não ficção em quadrinhos Foto: Foto: Marcelo Saraiva Chaves

Moon contou que seus desenhos sempre tiveram traços de não ficção. Ele e o irmão começaram desenhando fanzines no colégio. O cenário que eles desenhavam era a escola de todos os dias, só que habitada por situações e personagens fantásticos. Essa mistura de realidade e delírio agradou os colegas, mesmo aqueles que não se interessavam muito por quadrinhos. "A realidade cria uma ligação direta com o público", disse Moon. "Colocávamos cenários que conhecíamos para testar se as pessoas iam se interessar por esse jeito de contar histórias, para ver que tipo de sensações ele despertaria. Eu não escrevo prosa porque a imagem, sei lá, chacoalha o leitor de uma maneira diferente." Fraia acrescentou que a linguagem dos quadrinhos permite tratar de temas sérios de maneira convidativa ao leitor.

Moon e o irmão, Bá, costumam pesquisar bastante quando adaptam literatura em quadrinhos. Para desenhar a prosa de Dois irmãos , romance de Milton Hatoum sobre a rivalidade bíblica de dois gêmeos manauaras, os gêmeos quadrinistas visitaram Manaus e vasculharam museus e bibliotecas atrás de fotos antigas da cidade. "A gente foi lançar o livro em Manaus e as pessoas ficavam emocionadas, porque a Manaus da memória deles estava lá de uma maneira que não está no livro do Milton. Ele próprio ficou impressionado com essa possibilidade dos quadrinhos", disse. Hatoum também deu dicas de Manaus aos dois irmão e abriu seu álbum de família para eles. Moon disse que muita gente que não conhece o romance de Hatoum, em especial no exterior, pensa que Dois irmãos é autobiográfico -- afinal, os quadrinistas são gêmeos, como os personagens do livro. Há quem veja até alguma semelhança física entre Moon e Bá e Omar e Yaqub, os gêmeos de Hatoum.

A pesquisa para Como falar com garotas em festas dependeu mais da ajuda da internet e da memória do que de viagens os cenários originais. O conto de Neil Gaiman, uma ficção científica sobre o despertar sexual de meninos tímidos, se passa em Londres, nos anos 1970. Mas os desenhos da adaptação são inspirados no verão de 2010, quando os dois irmãos visitaram Londres, para participar de um festival. Moon afirmou que prefere criar suas próprias histórias do que fazer adaptações. "Adaptar é difícil, porque não é fazer uma versão mais simples do original. Queremos fazer aquilo funcionar no quadrinho sem perder nada. Por mais que criar do zero dê um super trabalho, é uma direção só e você vai indo."

Moon confessou que os quadrinhos sempre tem algo de autobiográfico, quase psicanalítico. "Os quadrinistas são quase todos tímidos. O quadrinho é às vezes um ensaio do que ele não consegue fazer, serve como análise. E às vezes, depois dessa análise, ele consegue. Eu, por exemplo, sou um quadrinista tímido que hoje em dia consegue fazer palestras e falar com as pessoas", disse, arrancando risos da plateia. Moon terminou sua participação convidando o público para uma caça ao tesouro. Ele escondeu um desenho em Paraty -- uma moça lendo um livro na praia -- e deu uma dica para quem quiser se juntar à brincadeira: "O jardim da casa do padre tem uma porta amarela. O desenho está ouvindo um pastor alemão."