Época vivi para contar

Alberto Fraga, líder da bancada da bala, discorre sobre os mais de 30 anos de amizade com Bolsonaro

“Ele me chama de Pancrácio. Eu o chamo de Cavalão”
Fraga e Bolsonaro, no plenário da Câmara. Retraído e pouco expansivo, o presidente eleito sempre procurava a companhia do ex-colega de corridas de fundo Foto: Aílton de Freitas / Agência O Globo
Fraga e Bolsonaro, no plenário da Câmara. Retraído e pouco expansivo, o presidente eleito sempre procurava a companhia do ex-colega de corridas de fundo Foto: Aílton de Freitas / Agência O Globo

Eu e o Bolsonaro somos amigos desde 1981. Nós fizemos educação física juntos na Escola de Educação Física do Exército ( EsEFEx ), no Rio de Janeiro. Na corrida de fundo, os dois melhores atletas eram Bolsonaro e Fraga. A gente sempre corria disputando um contra o outro. Quando a corrida era de 10.000 metros, ou dava Bolsonaro ou dava Fraga. Quando tinha subida, eu ganhava dele. Quando tinha só reta, ele ganhava de mim.

Ele me chama de “Pancrácio” ( uma arte marcial da Grécia Antiga, o “tataravô do MMA” ). E eu o chamo de “Cavalão”. Não porque ele seja bruto, embora as pessoas façam sempre essa associação, não é? É porque ele era pentatleta. É uma modalidade esportiva militar de muito esforço físico, e ele era privilegiado fisicamente. Sempre foi. Hoje, com 63 anos, ele se mantém.

Bolsonaro sempre foi um cara inteligente, ao contrário do que muita gente pensa, e brincalhão, bem-humorado, parceiro. Quando nós fomos fazer educação física, éramos 11 policiais militares. Eu era tenente da Polícia Militar, e ele era tenente do Exército. Os caras do Exército se consideram os bonzões e tal. Mas o Bolsonaro não tinha esse negócio de que “sou do Exército, sou melhor que o pessoal da PM”. Ele era o único do Exército que ajudava os PMs e os bombeiros.

Havia uma prova chamada “orientação”, em que você corre com uma maca e tem de descobrir determinados prismas por meio de uma carta. Você aprende a ler a carta correndo. Era uma prova muito difícil, e nova para os PMs. Bolsonaro nos ensinou a fazê-la no dia da competição. Era o Bolsonaro correndo, e os PMs todos atrás dele. Ele sempre foi uma pessoa assim, mas polêmico, decidido em suas posições e muito firme.

Ele veio para Brasília como deputado em 1990. Eu cheguei em 1994 como assessor parlamentar das polícias do Brasil inteiro. Quando eu queria resolver algum assunto de segurança pública, corria ao Bolsonaro. Era ele quem me ajudava. Depois, em 1998, eu me elegi deputado federal, e nossa amizade continuou.

Sou um privilegiado na Câmara — tenho 15 leis aprovadas, ao contrário do Bolsonaro, que aprovou poucos projetos por causa do jeitão dele. Mas ele tem projetos bons, como o da castração química para estupradores. Eu sou o relator. Tentei aprovar na Comissão, mas as pessoas batem no projeto. Castração química é uma injeção para tirar a libido do cara, autorizada por ele mesmo depois da saída do presídio, porque alguns dizem que é doença. É um projeto muito interessante. Quando foi para a mídia, publicaram: “Bolsonaro propõe castração química do estuprador”. Imaginam que é cortar o saco do cara, mas não é isso. O rótulo que foi colado no Bolsonaro o atrapalhou aqui no Congresso.

Em todos os meus projetos, o Bolsonaro me ajudou. Não houve uma vez que eu ligasse — “Bolsonaro, corre aqui na comissão” — e ele não respondesse: “Tô indo”. Ele saía do gabinete no Carandiru ( como é chamado o Anexo II da Câmara ) e votava o projeto. Isso é companheirismo, não é? Ele não é muito expansivo. Bolsonaro não bebe. Jogava bola. Existia uma pelada entre os deputados. Era ali que ele se encontrava com o pessoal fora da Câmara. Mas parou, faz tempo. Depois tinha até uma cerveja, mas ele não ia. Saía do futebol e ia direto para casa.

É um cara muito reservado, mais retraído com os colegas. Quando tem de aloprar, ele alopra com qualquer um. As posições dele são conhecidas. Por isso, quando fizeram uma comparação entre “o doido do Bolsonaro” e o “doido do Ciro Gomes”, eu disse: “Fico com o doido previsível”. Todos sabemos qual será a reação do Bolsonaro. Do Ciro, ninguém sabe. Ele não se dá bem com a esquerda, mas, dentro da bancada da bala, todo mundo gosta do Bolsonaro porque sempre foi muito autêntico e, dentro de nosso meio, brincalhão. Ele está sempre contando uma piada.

Tem uma história nossa que é engraçada. Fernando Henrique Cardoso era presidente e indicou o delegado João Batista Campelo para diretor-geral da Polícia Federal. Na CCJ ( Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania ), começaram a questionar a nomeação, porque surgiu a denúncia de que o cara havia cometido tortura na década de 70. Aí o Palácio do Planalto escolheu dois caras para defender o Campelo: eu e Bolsonaro. Éramos dois contra um plenário cheio da CCJ, com uma penca de ativistas, entre eles a Heloísa Helena, que era senadora, e um tal padre José Antônio Monteiro, que disse ter sido torturado pelo delegado. Aí eu vi quanto Bolsonaro era um cara corajoso. Nós entramos lá, os únicos a defender o nome do Campelo, e o Bolsonaro enfrentou todo mundo. Eu nem sabia se o cara era torturador ou não.

Em 2005, ele foi candidato à presidência da Câmara e teve dois votos. O dele e o meu. Ele falou isso na tribuna. “Eu sei que tive dois votos, um foi meu e o outro com certeza foi do coronel Fraga”. O pessoal até ria e brincava: “Pô, Fraga, por que você votou nele?”. Falei: “Ué, é meu amigo, me pediu”. Ele se candidatava a presidente da Câmara só para bater no PT. Não ia com o objetivo de ganhar, mas dava o recado dele.

Ele sempre chegava ao plenário e sentava do meu lado. Tenho certeza de que fui uma das primeiras pessoas a quem ele disse que seria candidato a presidente. Eu falei: “Bolsonaro, vá para o Senado. Para a gente, ficar sem mandato é difícil”. Ele botou na cabeça que não queria mais o Congresso e respondeu: “Não, não aguento mais isto aqui não”. Quando o filho dele chegou à Câmara, ele passou a ter mais um companheiro para conversar.

Minha amizade com ele é fora desse contexto em que ele hoje virou presidente. Não exploro essa amizade para exigir alguma coisa. Eu quero ajudar o governo dele, porque ele será um presidente diferenciado. Ao contrário do que dizem, ele é muito humilde e não tem ganância. Não está preocupado em ganhar fortunas. E tem esse caráter patriótico, que acha que muita coisa precisa ser feita, mas baseada na honestidade.