Época política

Artigo: Rosa Luxemburgo permanece atual 100 anos depois de sua morte

Filósofa e militante polonesa assassinada em 1919 foi referência no pensamento progressista do século XX
Rosa Luxemburgo discursa na 2ª Internacional, em 1907 na cidade de Sttugart, Alemanha Foto: ullstein bild Dtl. / ullstein bild via Getty Images
Rosa Luxemburgo discursa na 2ª Internacional, em 1907 na cidade de Sttugart, Alemanha Foto: ullstein bild Dtl. / ullstein bild via Getty Images

Em 19 de janeiro de 1919, a filósofa e militante polonesa Rosa Luxemburgo foi assassinada em Berlim, aos 47 anos. Cem anos depois, Rosa se mantém atual. Em uma era de fortalecimento do populismo e de crises na representação partidária, é necessária sua crítica sobre a concepção dos partidos políticos como uma vanguarda centralizada e distante da base que tem como objetivo dirigir as massas.

A filósofa não se filia aos socialistas moderados nem aos mencheviques, que acreditavam que a Revolução Russa deveria ter parado em fevereiro de 1917. Mas, ao perceber a supressão de liberdades que surge após a Revolução de Outubro, não se abstém de criticá-la. O fechamento da Assembleia Constituinte de janeiro de 1918 sem a expressa convocação de uma nova eleição dá origem a sua mais importante crítica à revolução soviética. A revolucionária se preocupava com a burocratização do Partido Comunista, que ensaiava acabar com as garantias de atividade política das massas operárias. Jornalista, Rosa Luxemburgo também reivindicou a liberdade de imprensa no contexto revolucionário russo.

Seus posicionamentos lhe renderam críticas póstumas entre figuras importantes da Revolução Russa. Lênin, líder do movimento, atacou-a por causa de seus escritos do cárcere de 1918. O futuro secretário-geral e ditador da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Josef Stálin, entrou no coro em 1931. Embora o pensamento de Luxemburgo tenha passado a ser amplamente difundido na Alemanha e no mundo após a Segunda Guerra Mundial,  pesquisadores de sua vida só puderam expor suas pesquisas na íntegra depois da queda do Muro de Berlim, ainda que ferissem os interesses da União Soviética.

"Liberdade somente para os partidários do governo, somente para os membros de um partido — por mais numerosos que sejam —, não é liberdade. Liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente. Não por fanatismo pela 'justiça', mas porque tudo quanto há de vivificante, salutar, purificador na liberdade política depende desse caráter essencial e deixa de ser eficaz quando a 'liberdade' se torna privilégio", escreveu Luxemburgo em um dos trechos mais famosos de seu livro A Revolução Russa.

No início de 1919, Luxemburgo estava sendo conduzida pelo grupo paramilitar Freikorps para um interrogatório quando o jipe militar que a levava desviou-se para uma ruela. Lá, ela foi baleada e deixada para morrer nas águas de um rio de Berlim. Pesquisadores e biógrafos da revolucionária indicam que seu assassinato teve a conivência do regime social-democrata então no poder na Alemanha, o que reforça o caráter eminente de sua vida.

A parte mais importante de sua carreira foi naquela mesma Alemanha. Integrante do movimento socialista internacional, tanto como militante quanto como formuladora, Rosa Luxemburgo chegou a ser presa por tomar parte na Revolução Russa de 1905. Admirada e reivindicada como símbolo por socialistas e comunistas até hoje, foi radical sem ser extremista. Sua vida foi marcada pelo antimilitarismo, pela crítica às guerras e pela defesa de teses contra o autoritarismo praticado pela esquerda. Para Luxemburgo, democracia e revolução, ou democracia e socialismo, eram inseparáveis.

Rosa Luxemburg Foto: Universal History Archive / UIG via Getty Images
Rosa Luxemburg Foto: Universal History Archive / UIG via Getty Images

A década de 60 marcou uma retomada do interesse por sua obra, impulsionada pelo surgimento de novas ondas do pensamento feminista. Ela era então era vista como a primeira grande referência feminina no marxismo. Apesar de não ter participado dos movimentos de emancipação feminina, como muitas outras mulheres de sua geração, sua trajetória é marcada pela prática do amor livre, pela independência e pela ocupação de espaços considerados então exclusivamente masculinos. Ela chegou a ser uma das poucas mulheres de sua geração a ter o título de doutora.

A polonesa também despertou o interesse de países ao sul do Equador por ter formulado teorias sobre o funcionamento do imperialismo e  do capitalismo. "Para nós da América Latina, as ideias mais relevantes estão na sua obra de economia política, A acumulação do Capital ", explica Isabel Loureiro, professora aposentada do Departamento de Filosofia da Unesp e uma das maiores pesquisadoras de Rosa Luxemburgo no Brasil. "É lá que ela defende a ideia da acumulação primitiva permanente do capital. Ela analisa o processo violento de destruição de antigas culturas com sua propriedade comum da terra, solidariedade e igualdade entre os membros da comunidade, vendo aí traços a ser preservados numa sociedade comunista futura", conclui Loureiro.

Apesar de sua importância, a definição de Luxemburgo como marxista é um tema ainda polêmico. A filósofa Hannah Arendt, em uma resenha de uma biografia de J.P. Nettl publicada em 1966, comenta que o mais importante para Luxemburgo era a realidade, em todos os seus aspectos medonhos e maravilhosos, mais ainda do que a própria revolução. Sua não ortodoxia era inocente e não polêmica: recomendava a seus amigos que lessem Marx pela "ousadia de seus pensamentos, a recusa em assumir qualquer coisa como assentada", mais do que pelo valor de suas conclusões.

Por isso, Loureiro acredita que Rosa Luxemburgo foi a mais importante teórica da primeira geração de marxistas por sua originalidade. "Ela era avessa a qualquer tipo de dogmatismo, dotada de grande independência de espírito e não temia criticar o mestre, pois considerava que a teoria de Marx não era uma Bíblia de verdades universais a serem aceitas pelos devotos."

Na esquerda brasileira, ainda nos anos 50, a Liga Socialista Independente, formada por uma dúzia de jovens que incluiu o economista Paul Singer e o sociólogo Michael Löwy, tinha em Luxemburgo sua principal referência teórica. Mesmo sem a entrada nos movimentos brasileiros à esquerda como Trotski, que inspirou dezenas de tendências e correntes políticas, a crítica de Luxemburgo ao autoritarismo, acompanhada de teoria da mobilização das massas sem um vanguardismo autoritário, inspirou e inspira milhares de militantes país afora.

Nesta semana o Sesc São Paulo realiza um seminário em homenagem à militante focando na participação da mulher na sociedade e ferramentas de participação política. Ligada ao partido alemão Die Linke, a Fundação Rosa Luxemburgo (FRL) promove nesta sexta-feira um debate sobre a vida da filósofa, no lançamento da biografia feita por Paul Frölich de 1939, lançada no Brasil pela editoras Boitempo e Iskra.

Questionada pela escolha de homenagear Rosa Luxemburgo em seu nome, a FRL, respondeu: "A escolha está relacionada ao seu legado para qualquer um que acredite que é possível construir o socialismo democrático. Rosa segue como inspiração por ter sido uma figura política importante, referência mesmo sendo mulher e judia em uma sociedade patriarcal e preconceituosa".