Época política

Brasileiros migram para a rede social que promete “liberdade de ofender”

Banidos de gigantes tradicionais como Facebook e Twitter inflam a Gab, fundada nos Estados Unidos em 2016
Andrew Torba, o fundador e CEO do Gab Foto: Reprodução
Andrew Torba, o fundador e CEO do Gab Foto: Reprodução

Para fugir do monitoramento feito pelo Facebook e pelo Twitter, cada vez mais perfis ligados à direita americana têm migrado para o Gab, rede social fundada nos Estados Unidos em 2016. A plataforma cresceu durante a campanha de Donald Trump e abriga quem foi banido de outras redes por espalhar fake news ou discursos de ódio. O que começou como uma ferramenta dedicada à direita ianque aos poucos ganhou adeptos no Brasil, que hoje é o segundo país que mais usa a rede social, com quase 1 milhão de usuários. “O fundador do Gab postou uma foto dedicada ao Brasil. E ele fala muito sobre o país e sobre os brasileiros”, destacou a pesquisadora Luiza Bandeira, da ONG americana Atlantic Council. Os acessos diários ao Gab estão cada vez maiores.

A rede social foi criada com a promessa de “liberdade de expressão quase total” e tem atraído os insatisfeitos — o americano Robert Bowers, suspeito de matar 11 pessoas neste sábado (27) em uma sinagoga em Pittsburgh, na Pensilvânia, era usuário do Gab, onde costumava postar textos antissemitas.

O Gab, cujo endereço é gab.ai, foi pensado como alternativa ao Twitter pelo engenheiro americano Andrew Torba, em 2016, em meio à disputa presidencial entre Hillary Clinton e Donald Trump. Usa como lema uma frase de Salmon Rushdie: “O que é liberdade de expressão? Sem a liberdade de ofender, deixa de existir”. Não à toa, ícones da direita brasileira, como o professor de filosofia Olavo de Carvalho, migraram para a nova rede.

Apesar do crescimento da nova plataforma, redes tradicionais ainda são as que mais atraem os brasileiros, sobretudo o WhatsApp. A pesquisadora Luiza Bandeira disse que uma das poucas coisas que se sabem sobre o aplicativo é que ele conta com mais de 120 milhões de usuários. “Tentar entender o tamanho do WhatsApp é a grande questão”, disse ela, lembrando que a dimensão dos grupos e o rastreamento de números se mantêm fora do alcance de terceiros. Ela lembrou que campanhas de desinformação e discursos de ódio não são inerentes ao WhatsApp ou ao Facebook. “O problema que está acontecendo não é das redes sociais. É uma questão muito mais da sociedade”, avaliou.

A expressão resiliência digital é pouco comum e pode soar restrita ao mundo virtual, mas, em tempos de fake news, assume um protagonismo crescente na disputa eleitoral. Para explicar a relevância do conceito e seus efeitos nas três das maiores democracias latino-americanas – Brasil, Colômbia e México – contra campanhas de desinformação, Roberta Braga, diretora associada da Atlantic Council, e Luiza Bandeira, assistente de pesquisa da instituição, se reuniram na quinta-feira (25) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A ONG americana criou o Laboratório de Pesquisas Forenses Digitais para expor e explicar casos de desinformação, buscando entender sua origem e a quem beneficiam. “O que a gente faz é ir além da checagem. Nosso foco é explicar a desinformação, e não apenas desmentir. Sempre há uma narrativa por trás de um caso de desinformação, quem amplificou e por quê”, comentou Roberta Braga. Durante as eleições presidenciais da Colômbia, um dos principais agentes de notícias falsas foi Gustavo Petro, candidato da esquerda derrotado por Iván Duque.

À semelhança do Brasil, por lá as notícias falsas se espalharam na esteira da polarização política entre alas tidas como progressistas e conservadoras. O uso de bots – softwares programados para simular ações humanas, prática muito observada no México – era pouco comum. No lugar disso, havia uma mobilização de pessoas engajadas em difundir notícias que, a seus olhos, eram verdadeiras. Foi durante o segundo turno que uma das principais campanhas de desinformação começou a ganhar corpo na Colômbia.

Na ocasião, muitas pessoas foram às redes sociais alertar que seus votos haviam sofrido supostas alterações para favorecer Duque. As informações, porém, revelaram-se falsas. “Mas a preocupação sobre fraude eleitoral aumentou muito no país depois disso. Criou-se um pânico parecido ao que vimos aqui no Brasil”, afirmou Braga. Nesse caso, houve a clara intenção de gerar engano e pôr a legitimidade das eleições em dúvida. Mas, por vezes, muitos acabam compartilhando notícias falsas sem perceber que são inverdades. Para evitar isso, Braga disse ser preciso fortalecer o letramento digital da população, isto é, a capacidade de interpretar de forma crítica informações encontradas na internet.

Existem especificidades no Brasil que tornam o letramento digital particularmente desafiador. É o que acredita Luiza Bandeira, que destacou a educação deficitária como um dos principais entraves. “A gente fala muito sobre letramento digital, mas, no contexto do Brasil, temos um problema de falta de alfabetização. Há um problema forte na educação. Existe uma questão que é um pouco mais estrutural.”

Ao comparar o Brasil com os Estados Unidos, Bandeira disse que a motivação de veículos propagadores de notícias falsas nos dois países normalmente não é a mesma. “Nos Estados Unidos, a gente sabe que a motivação era o lucro. Havia uma motivação de conseguir muitos cliques pelo Facebook para ter anúncios pagos. No Brasil, pelo menos neste debate específico, a gente vê mais uma motivação política. A motivação por trás é influenciar o voto.”