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Coluna | Olavo de Carvalho, o reacionário dócil da corte

O olavismo é a doença infantil da direita brasileira e, como alguém já disse, uma espécie de esquema de pirâmide ideológica
Olavo de Carvalho Foto: Vini Zanatta / Agência O Globo
Olavo de Carvalho Foto: Vini Zanatta / Agência O Globo

É engraçado que hoje em dia no Brasil confundam tanto liberalismo com conservadorismo. O primeiro é um argumento contra a autoridade. O segundo, o contrário. O primeiro surgiu como um conjunto de princípios que justificou, em 1649, o regicídio de Carlos I, da Inglaterra. O segundo, para salvar a cabeça de Maria Antonieta. O primeiro parte de uma ideia de otimismo antropológico. O segundo, da ideia de falibilidade humana. Em condições ideais de temperatura e pressão, os dois são adversários políticos.

Um dos muitos problemas da discussão política atual brasileira, é que quando o sujeito se classifica como um liberal há grandes chances de que ele seja um conservador. Aí fica essa confusão semântica e epistemológica grande demais, cansativa demais, chata demais e ninguém se entende.

Aqui vale exemplificar esse argumento com um caso concreto. Em vídeo publicado recentemente em seu canal, Olavo de Carvalho botou as manguinhas de fora e saiu do armário, agora parece que em definitivo, como o intelectual de corte mais servil e abjetamente dócil do regime. Logo no início de sua fala, ele recorda que na época do impeachment havia 3 milhões de pessoas nas ruas, a fim de depor a chefe do Executivo. No entanto, ele lamenta: “faltou uma liderança firme capaz de derrubar o establishment corrupto”.

O lamento de Olavo é dirigido especialmente ao “pessoal do MBL”, a quem ele culpa pela iniciativa de ter preferido “trocar a cabeça de Dilma por tudo”. Ou em outros termos, no momento no qual o MBL se aproximou do então presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB), e pressionou por uma saída institucional (ou assim pareceu para uma parcela significativa da sociedade), Olavo deixava claro em inúmeras postagens no Facebook e no Twitter que a alternativa MBL e Cunha era um simulacro de solução. Para ele o problema não se resumia ao PT, mas sim a uma questão estrutural primária, que só poderia ser resolvida a partir de um processo revolucionário de cima para baixo. Não por acaso foi nesse momento que Olavo sugeriu inúmeras vezes que as Forças Armadas deveriam tomar a dianteira desse processo.

Agora voltando ao vídeo recente, segundo Olavo na época do impeachment, com 3 milhões de pessoas na rua, “uma situação revolucionária”, de acordo com ele, era uma pena que não tivesse surgido em momento algum um líder que encarnasse o processo revolucionário em curso: alguém como Lênin ou George Washington, nominalmente.

A ideia central defendida por Olavo, nesse vídeo publicado em 15 de setembro, é a de que é imperativo constituir uma base de ativismo bolsonarista, uma militância organizada e leal ao regime. Por pouco ele não diz que a militância tem que ser uniformizada. Segundo Olavo, a base eleitoral do capitão estaria se comportando de modo injusto, ao cobrar ataques aos tradicionais inimigos do bolsonarismo: o STF, o regime venezuelano etc. “Agora querem que o Bolsonaro lute sozinho a luta que eles não tiveram a coragem de enfrentar”.

Para Olavo, o presidente não tem que ser cobrado, “ele tem que ser respaldado”. O tom do argumento é abertamente personalista e autoritário: “Eu não disse militância conservadora, nem militância liberal, nem coisa nenhuma. Eu disse militância bolsonarista. A política não é uma luta de ideias coisa nenhuma, ela é uma luta entre pessoas e grupos”.

No vídeo, Olavo critica concepções ideológicas gerais, abstratas, e argumenta que o Brasil precisa passar por décadas de debates entre intelectuais qualificados, a fim de ajustar e calibrar ideias (grandes princípios) às ações políticas. Naturalmente ele não cita nominalmente quem seriam esses “intelectuais qualificados”.

Mais ainda, ao descrever um processo revolucionário típico, Olavo argumenta que a primeira etapa é invariavelmente uma discussão entre intelectuais, para só então passar à ação política propriamente dita. Ele exemplifica com as revoluções americana, francesa e russa. O problema, segundo ele, é o fato de que a direita brasileira pulou direto à ação, sem ter tido o devido debate intelectual.

Além disso, para Olavo existe sim uma “elite política corrupta”. Mas não foi ela a responsável pelo que ele qualifica como “a campanha internacional contra Bolsonaro”. Obviamente ele cita os suspeitos de sempre: “os petistas e os psolistas, sobretudo os jornalistas”. Olavo vai além: “A classe jornalística é a grande inimiga do Brasil”.

Como medida de ataque, ele sugere a formação de uma militância organizada, com pelo menos “cem advogados fiscalizando os jornalistas e processando um por um”. Além disso, há uma admissão explícita sobre a má-fé da estratégia: segundo Olavo, “o processo vale não é pela sentença final do juiz, mas pelo próprio processo. Ele é uma arma para você amarrar a mão do seu inimigo. Se um jornalista desses tiver uns vinte ou trinta processos para responder, ele tá lascado”.

Ao longo do vídeo há outros pontos problemáticos, como a CPI do Foro de São Paulo, por exemplo: algo que soa como uma versão tupiniquim de macarthismo. Ainda que o Foro tenha existência real, jamais qualquer nexo de causalidade entre deliberações do Foro e ações concretas na política latino-americana foi demonstrado por Olavo. Ainda assim até hoje é o seu Protocolo dos Sábios de Sião particular.

Olavo de Carvalho se acha um injustiçado. Segundo ele, imprensa e academia somente focam no anedótico em sua trajetória: seus vídeos de polêmicas no YouTube e suas falas mais controversas em posts publicados no Facebook. Poucos, entretanto, seriam os críticos familiarizados com a sua obra. Embora essa não seja uma observação equivocada, é importante notar que aqui não se verifica o critério básico da reciprocidade intelectual: esta não é uma cortesia que o escritor dispense aos seus adversários.

Se você pega um livro como O Jardim das Aflições , por exemplo, logo observa que é um livro composto de diversas unidades e de um argumento geral. No entanto, não somente essas unidades estão dispersas no argumento geral, elas não se articulam, como igualmente não é demonstrado qualquer nexo de causalidade presente entre os subsequentes estágios da suposta apresentação do argumento principal.

A propósito, para um indivíduo que pacientemente criou, ao longo de mais de duas décadas, uma mitologia de alguém comprometido com o desmascaramento de sofistas e de impostores, além de alguém supostamente comprometido com os princípios da heurística e da busca pela Verdade com “v” maiúsculo, o que é apresentado em O Jardim é, no máximo, uma coleção irregular e dispersa de simplificações.

Olavo não é conservador, não é liberal e tampouco é um intelectual sério com qualquer filiação política democrática. No momento é apenas um reacionário radical, docilmente servil ao regime bolsonarista e em uma guinada cada vez mais autoritária e personalista. O olavismo é a doença infantil da direita brasileira e, como alguém já disse, uma espécie de esquema de pirâmide ideológica.

Para qualquer indivíduo, de qualquer coloração política, que se importe com instituições livres, e sobretudo com a liberdade de imprensa brasileira (sobretudo hoje, sobretudo agora), a única alternativa é combatê-lo.

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SOBRE O AUTOR
Gabriel Trigueiro
É especialista em teoria política e crítica cultural. Escreve sobre política brasileira, política internacional e cultura.
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Gabriel Trigueiro
É especialista em teoria política e crítica cultural. Escreve sobre política brasileira, política internacional e cultura.