Coluna
Henrique Balbi Escritor e professor de literatura
Henrique Balbi Foto: EPOCA

Dicas culturais para a família Bolsonaro se distrair do escândalo

Ótimas opções para o presidente eleito e os filhos se distraírem enquanto se desviam da tempestada de questionamentos e reportagens que está se formando no horizonte

Durante debate entre os candidatos à Presidência da República na TV Globo, Jair Bolsonaro – que não compareceu por motivos médicos – publicou foto no Facebook assistindo a programa da Record Foto: Reprodução
Durante debate entre os candidatos à Presidência da República na TV Globo, Jair Bolsonaro – que não compareceu por motivos médicos – publicou foto no Facebook assistindo a programa da Record - Reprodução

Nada como uma boa e suspeita movimentação de dinheiro de um funcionário, ainda mais tendo ela vindo a público no fim do ano, perto de Natal e Ano Novo, para reunir a família e dar umas boas risadas enquanto a imprensa investiga e a opinião pública vacila no apoio a um presidente eleito. Os Bolsonaros podem aproveitar o momento (e a licença médica que papai Jair arranjou em meio à crise, coincidentemente) e ficar juntos na sala, em frente à televisão, para passar o tempo, curtir a presença um do outro, deixar os celulares um pouco de lado – as correntes de Whatsapp podem esperar.

Pensando nessa cena, sugerimos algumas dicas culturais, entre filmes, programas televisivos, músicas e até, pasmem, livros. Todas são ótimas opções para não ficar pensando no escândalo do motorista, caso os Bolsonaros queiram se distrair da tempestade de questionamentos e reportagens que está se formando no horizonte.

"Drive my car", dos Beatles

Música de abertura do álbum Rubber Soul , um clássico dos Beatles, essa canção tem uma levada alegre e bem para cima. Outra vantagem é que não há qualquer menção a política – o quarteto de Liverpool ainda estava adentrando a onda psicodélica e contestatória dos anos 60, influenciado por Bob Dylan e outros gurus da época. Dá para ouvir em família, todos cantando juntos o refrão, que não sai da cabeça, e a letra, sobre uma pessoa que promete a outra um cargo de motorista, quando fizerem sucesso e ganharem muito dinheiro. Ótima distração.

Velozes e furiosos

A dica vai cair especialmente bem para o presidente eleito, que, a julgar por suas reações a entrevistas mais incisivas, tanto hoje quanto no passado, entende bastante de fúria. A principal vantagem dessa série de filmes é sua extensão. Até agora, são oito longas, o que proporciona à família Bolsonaro muito tempo para ficar reunida, distante dos holofotes e das câmeras de jornalistas, enquanto fazem sua maratona de cinema caseiro. Sucesso de bilheteria, a franquia Velozes e Furiosos casa bem com o estilo dos Bolsonaros: são vários, são barulhentos, não são estranhos à violência, não parecem ter muita noção da realidade e, principalmente, são todos mais ou menos a mesma coisa.

A família pode assistir aos oito longas da série Velozes e furiosos - Divulgação

Choque de cultura

Antes que o fã-clube dos Bolsonaros venha acusar o programa, atualmente na TV Globo, de ser comunista como sua emissora, vale lembrar que o quadro (produzido pela TV Quase, de Irmão do Jorel e Falha de cobertura ) nasceu na internet, e só depois foi encampado pelo establishment (soa familiar?). Ao contrário dos Bolsonaros, porém, o Choque de Cultura faz humor de maneira intencional em seu programa. Nele, quatro motoristas – os maiores nomes do transporte alternativo do país – comentam os melhores filmes, sejam clássicos, sejam novidades, sejam do acervo de títulos da Globo. Sempre trazem informação de qualidade, e seus comentários com certeza farão a alegria dos Bolsonaros. Dou um exemplo. Indignado que um dos meninos de Stranger things tinha apenas um estilingue para se defender, um dos motoristas diz: “Não tinha um adulto com consciência para botar uma pistola na mão dessa criança?”

Feliz Ano Novo

Um dos maiores escritores brasileiros vivos, Rubem Fonseca iniciou sua carreira de ficcionista nos anos 60 e consolidou no imaginário literário do país um universo muito particular, permeado por crime, brutalidade e violência nas nossas relações sociais, o que lhe garantiu atenção do público e também de nomes importantes da academia, como os críticos João Luiz Lafetá e Alfredo Bosi, entre outros. Fonseca escreve principalmente sobre o Rio de Janeiro, berço eleitoral de Bolsonaro. Em Feliz Ano Novo , talvez seu livro mais famoso, há um conto que pode distrair bem a família de políticos. Chama-se “Passeio Noturno”. Seu protagonista – um exemplar do cidadão de bem – se revela um motorista que sai durante a noite para atropelar outras pessoas aleatoriamente, só pela diversão. Uma dica que capta bem o clima de um Brasil que não passa, tá ok?

Henrique Balbi é escritor e professor de literatura.

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