Época política

Eleições polarizadas impulsionam venda de livros políticos

"Como as democracias morrem" e "O imbecil coletivo" são algumas das obras mais procuradas em meio ao debate nas ruas e nas redes sociais
Livros vendidos na onda das eleições Foto: reprodução
Livros vendidos na onda das eleições Foto: reprodução

Às vésperas das eleições, livros políticos têm disputado espaço com obras de ficção nas listas de mais vendidos. No ranking da Amazon, destacam-se Como as democracias morrem (Zahar, 2018), dos cientistas políticos americanos Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, da Universidade de Harvard, e O imbecil coletivo (Record, 1996), do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho.

O primeiro, lançado no país em setembro, tenta compreender e listar as possíveis ameaças aos regimes democráticos. Um de seus autores, Steven Levitsky, é especialista em América Latina e esteve no Brasil em agosto para divulgar o livro. Na visita, ele criticou abertamente o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, em uma palestra conferida no Instituto FHC. Na sua visão, Bolsonaro se encaixa nos parâmetros criados por ele e seu colega para identificar possíveis líderes autocráticos. “Como nos Estados Unidos em 2016, os brasileiros estão diante do espectro de um candidato autoritário à Presidência. [...] Alguns assistentes de pesquisa de Harvard me ajudaram a pesquisar sobre Bolsonaro e aplicamos nele nosso teste decisivo. [...] Bolsonaro não apenas rejeitou as regras democráticas do jogo, mas, na verdade, fez de forma mais aberta e ofensiva que (Recep) Erdogan, (Alberto) Fujimori, (Hugo) Chávez e (Viktor) Orban”, afirmou ele, referindo-se a líderes da Turquia, Peru, Venezuela e Hungria.

Cristina Zahar, diretora editorial da Zahar, comemora o êxito de Como as democracias morrem : "Nós sabíamos da importância do livro, mas não esperávamos tanto sucesso comercial. Compramos os direitos quando ele ainda estava sendo produzido. Corremos para lançá-lo antes das eleições, claro que primando pela excelência na tradução e nas outras etapas editoriais, mas aceleramos o processo porque sabíamos que seria um livro importante". De acordo com o departamento comercial da editora, quase 20 mil exemplares já foram vendidos desde o lançamento, em setembro.

Também presente em várias outras listas de mais vendidos está O imbecil coletivo , publicado pela Editora Record. Escrita por Olavo de Carvalho, a obra foi lançada originalmente em 1996 e reúne textos publicados pelo filósofo naquela década. Em comum, eles teriam como tema "a alienação da nossa elite intelectual, arrebatada por modas e paixões que a impedem de enxergar as coisas mais óbvias", como escreveu no prólogo da primeira edição. Outros livros de Olavo também foram best-seller, entre eles estão títulos como O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota e O jardim das aflições .

Ex-astrólogo, Olavo se tornou um dos principais ideólogos do que se convencionou chamar de nova direita. Professor de filosofia sem jamais ter cursado o ensino superior, ele transmite via internet aulas diárias da disciplina de sua casa, no estado americano da Virgínia. Seu público leitor, segundo Sônia Machado, presidente do grupo Record, é composto de homens jovens, que se definem politicamente como conservadores e consomem muito online: “A demanda por uma reedição de O imbecil coletivo , cuja última tiragem remonta a 1997, era gigantesca. O livro era vendido por até 500 reais em sebos. O impacto eleitoral sobre o sucesso existe, mas é menor. A obra estaria em todas as listas de mais vendidos de qualquer maneira”.

O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e seus filhos, Eduardo, Flávio e Carlos, já demonstraram admiração pelo professor em suas redes sociais. Inclusive, não raro, o patriarca do clã faz suas lives com uma edição de O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota decorando o cenário. Não é impossível descartar uma influência direta de Olavo na campanha ou em um eventual governo do ex-capitão. No dia 17 de outubro, o presidenciável fez uma ligação via Skype com Olavo e o analista político Felipe G. Martins. A conversa teria sido sobre os rumos do Brasil e Bolsonaro escreveu um tweet afirmando que “muitas outras virão”.

Para o editor de Olavo de Carvalho e colunista do Globo , Carlos Andreazza, o que atrai os leitores do autor é seu pensamento fora do senso comum. Seus livros teriam quebrado uma “espiral do silêncio” brasileira, em que autores conservadores teriam pouco ou nenhum espaço no meio cultural. “Olavo é muito influente na formação intelectual de uma juventude conservadora, no sentido virtuoso da palavra, que representa a primeira geração que ascende livre de associações com a ditadura militar. É uma rapaziada culta e apetrechada para o debate público, que não tem vergonha de defender valores conservadores e lutar por eles democraticamente, disputando e ganhando espaços historicamente tomados pela esquerda, como as manifestações de rua. Isso pode resultar na organização propositiva de um partido conservador no Brasil”.

O editor questiona ainda o rótulo de ‘nova direita’, que costuma estar associado a ex-alunos de Olavo: “Não reconheço essas categorias. Acho uma classificação precária, artificial. O Brasil é uma das raras democracias relevantes do mundo em que não há uma direita organizada, o que seria sinal de saúde. De modo que, se mal há a velha direita, como falar em nova? Há um vácuo de representação conservadora muito grande no Brasil, que talvez tenha encontrado preenchimento no campo editorial”.

Distopias em alta

Em muitas das listas de mais vendidos consultadas por ÉPOCA, nota-se a presença de livros de ficção científica sobre futuros distópicos. No caso da Amazon, figuram títulos clássicos como 1984 , Fahrenheit 451 e Admirável mundo movo ”.

"As pessoas estão muito apreensivas e procurando uma resposta na literatura. É uma tentativa de entender o momento atual. As distopias voltaram a entrar na pauta. Elas relembram os períodos de censuras a livro, regimes totalitários. É uma espécie de curiosidade mórbida, um exercício de futurologia", acredita Yuri Al'Hanati, dono do canal no YouTube "Livrada!".