Época política

Ex-alunos de Direito da USP protestam contra Toffoli em jantar em Brasília

"Colega ministro Toffoli/Não cause tanto desgosto/Cuide da nossa alegria/Preserve o 11 de agosto", cantaram advogados, procuradores e juízes em repúdio à ideia do futuro presidente do STF de acabar com os feriados forenses
"Colega ministro Toffoli / Não cause tanto desgosto / Cuide da nossa alegria / Preserve o 11 de agosto", cantaram advogados, procuradores e juízes em repúdio à ideia do futuro presidente do STF de acabar com os feriados forenses

No Fortunata, uma cantina italiana no Lago Sul, em Brasília, há um item de decoração que pode parecer deslocado. É uma réplica cinza de madeira, em tamanho real, de uma arcada da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Os arcos decoram o páteo no Largo de São Francisco, no centro de São Paulo, e estão presentes em camisetas, canecas, cadernos, agendas e nas trovas cantadas com euforia pelos alunos nos corredores da faculdade.

A arcada brasiliense foi talhada por Luiz Carlos Bettiol. Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto em 1959, Bettiol se mudou para Brasília em 1961 e montou um escritório de advocacia e uma oficina de marcenaria. Quem sugeriu que ele se dedicasse a construir a réplica foi o advogado e colega Vadim Arsky. Sua filha, Ana Maria Arsky, arquiteta, desenhou o projeto. Vadim se formou em 1960 e participa de jantares de antigos alunos da faculdade na capital do país desde 1976. A turma de Brasília se autodenomina um “capítulo” (espécie de “sucursal”) da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito de São Paulo, e já contou com presenças ilustres, como Fernando Haddad, quando era ministro da Educação.

São “antigos” alunos, e não ex-alunos, costumam dizer os entusiastas da associação. A ideia é que nunca se deixa de ser aluno da São Francisco, como explicam (à exaustão) os associados, sempre em busca de doações. Vadim, por exemplo, paga uma mensalidade de mais de R$ 100, mas não recebe repasses de São Paulo para custear as atividades em Brasília, então não vê sentido em cobrar colaborações dos demais brasilienses. "A única mensalidade que achava justo pagar era de Marlboro", diz, se referindo a um hábito de outro grupo de amigos de Brasília.

Em agosto de 2003, o amor à instituição franciscana reuniu mais de 70 autoridades no evento de inauguração da arcada de Bettiol e do “capítulo” de Brasília. A festa foi no Porcão, extinta churrascaria na Asa Sul, onde a peça de madeira ficou instalada por cerca de cinco anos. “Quando mudou o dono do Porcão, ele não entendia muito de arte e começou a implicar com a gente”, disse Arsky. Moveram o arco para o Fortunata, mais "escondidinho". Pregada no chão, a obra ganhou, como adornos, uma bandeira do Brasil e outra do estado de São Paulo.

Na noite desta terça-feira, 14 de agosto, o jantar mensal reuniu cerca de 30 pessoas em uma mesa ao lado da arcada, a maioria homens engravatados, formados nas décadas de 1990 ou 2000. Era uma comemoração tardia do 11 de agosto, data de fundação do Centro Acadêmico em 1903. A data também é conhecida por ser o dia do “Pindura”, tradição em que os alunos da São Francisco vão a restaurantes paulistanos e saem sem pagar, e por ser um feriado forense, em que o Judiciário não trabalha. Pela comida de graça e pelo feriado, não demorou para a data ser adotada por egressos de outras faculdades, que a conhecem como Dia do Advogado.

No evento na cantina brasiliense, compunham o quadro de antigos alunos alguns procuradores, magistrados, advogados, diplomatas, professores, assessores parlamentares e uma jornalista (esta repórter). Ao me identificar, a mesa discutiu se eu poderia ser considerada a representante do quarto poder, ou se essa designação era mais adequada aos membros do Ministério Público. Não se chegou a um consenso.

Muitos lamentavam ter de se encontrar no clima árido do Distrito Federal (“Brasília é um entreposto”, disse um diplomata recém-chegado do Zimbábue) e compartilhavam histórias sobre a política estudantil feita no páteo. A conversa logo se tornou um exercício de memória inesgotável de qual era a chapa de esquerda dominante no centro acadêmico em 2000, 1995, 1990 e daí em diante.

Após uma rodada de pizza e chope, teve início a cantoria típica da faculdade, incluindo a trova da “heroica pancada”, cantada em homenagem aos mortos da Revolução Constitucionalista de 1932, movimento apoiado pelos alunos da São Francisco na época. “Quando se sente bater/No peito a heroica pancada/Deixa-se a folha dobrada/Enquanto se vai morrer”, diz a canção de orgulho paulista. “Onde é que mora a amizade/Onde é que mora a alegria/No Largo de São Francisco/Na velha academia”, diz outra trova. Os responsáveis por entoar o jogral no encontro em Brasília foram Ronaldo Poletti (professor de direito romano na Universidade de Brasília), Nelson Lacava (promotor da Justiça militar), Gabriel da Silveira Matos (juiz federal) e o próprio Vadim Arsky.

Mas não é só de amizade e alegria que vivem os formados no Largo. Também houve espaço para indignação com um colega que já compareceu a um encontro anterior do grupo, José Dias Toffoli. Formado em Direito na USP, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) disse recentemente à Folha de S.Paulo que, assim que assumir a presidência da Corte, em setembro, enviará ao Congresso proposta para acabar com os feriados forenses, como o 11 de agosto.

Gabriel da Silveira Matos manifestou a insatisfação com o ministro, considerado traidor da classe pela turma, por meio da composição de uma trova. "Colega ministro Toffoli/Não cause tanto desgosto/Cuide da nossa alegria/Preserve o 11 de agosto". Outros foram menos artísticos e apelaram abertamente à fofoca. “É inveja dele porque não passou no concurso de juiz”, disse outro bacharel em Direito, fazendo menção ao fato de que Toffoli foi reprovado duas vezes quando tentou ser juiz de primeiro grau.

No fim do evento, por volta das 23h, os comensais já pensavam em quando seria o próximo encontro. “Não podemos deixar a Bucha morrer”, afirmou Vadim. A Bucha foi, supostamente, uma sociedade secreta da qual fizeram parte alguns alunos notáveis do século XIX, como Castro Alves, Álvares de Azevedo e o Barão do Rio Branco. Na fila para pagar a conta, outra lamentação resumiu o sentimento geral: “Aqui não dá para dar pindura”, ironizou um franciscano.