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Coluna | No Brasil, a vida vale muito pouco ou nada

Coleção de histórias de horror no noticiário tem como ponto em comum a banalidade dos motivos para matar
Cápsulas de balas na rua Foto: ra-photos / Getty Images/iStockphoto
Cápsulas de balas na rua Foto: ra-photos / Getty Images/iStockphoto

As 48 horas entre a manhã de segunda-feira, 1º de julho, e a de quarta-feira, dia 3, nos trouxeram as seguintes notícias:

- Um homem foi preso no Rio de Janeiro por sequestrar, torturar e matar a ex-sogra. Ele não aceitava o fim do relacionamento com a filha da vítima.

- Um rapaz de 20 anos, também no Rio, foi preso após matar uma idosa de 78 anos, enfiando uma chave de fenda na sua cabeça. Motivo? Uma desavença sobre o trabalho de serralheria que ela fazia na casa da vítima.

- No Mato Grosso, sobrinho mata a tia, arranca seu coração, coloca o coração numa sacola e leva para a filha da vítima. Motivação: a tia descobriu que ele usava drogas e pediu que saísse de casa.

- Um adolescente de 16 anos foi apreendido por matar uma garota de 14 anos, no Rio Grande do Sul. Os dois teriam envolvimento com grupos criminosos rivais.

A pequena coleção de histórias de horror acima tem como ponto em comum a banalidade dos motivos para os homicídios. O que denota outro fenômeno: o pouco valor que a vida tem no nosso dia a dia. Fosse diferente, não haveria mais de 50 mil assassinatos por ano no Brasil.

Ninguém está livre de matar outra pessoa. Para ser ladrão, estelionatário, corrupto, é preciso ter uma alma bandida, falta de caráter e ausência de vergonha na cara. Para cometer um homicídio, bastam as circunstâncias. Não por acaso, os crimes dolosos contra vida são levados a júri popular, onde o réu será julgado pelos seus pares na sociedade. Mas o que se vê nos casos mostrados aqui e em milhares de outros é a morte não como último recurso, mas como solução para qualquer problema. Chateou? Tiro na cara. Chamou de bobo? Facada no peito. É o mimimi com sangue nos olhos, levado às últimas consequências.

Quando o homicida é um traficante, ou um miliciano, ou um integrante de grupo de extermínio, há pouca ou nenhuma preocupação com riscos de identificação, ou prisão, ou condenação. O que turbina, porém, o homicídio do cidadão comum? Na minha modesta e empírica opinião, o baixo risco de que o crime dê em algo.

Mesmo que o matador caia nos 10% de homicidas identificados pela polícia, a reprimenda judicial é suave. Dez anos atrás das grades, por exemplo — é preciso lembrar sempre das progressões de regime, das remições de pena, dos benefícios vários — me parece bem pouco para quem, por exemplo, enfiou uma chave de fenda na testa de uma senhora, ou arrancou o coração de alguém. Ao buraco no nosso processo civilizatório que anaboliza as mortes banais, soma-se a mãe leve do Estado na hora da punição. Talvez fique menos leve se a tramitação do pacote anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro no Congresso não amputar o aumento da pena máxima de 30 para 40 anos.

Por fim, nota-se, nos casos monstruosos citados no início deste texto, como é desnecessária uma arma de fogo para cometer atrocidades. Faca, taser, algemas. Tirem todos os revólveres e pistolas, as pessoas matarão com facas; sumam com as facas; serão usadas tesouras; se as tesouras forem abolidas, voltaremos aos homicídios a pedrada e paulada. Quem quer matar, mata. Infelizmente, por muito pouco, quase nada.