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Coluna | O difícil caminho de volta

Em um ano, milhares de presos deixaram as prisões por causa da pandemia. Como o Estado levará todos de volta quando chegar a hora?
Entrada da cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, Zona Norte do Rio Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Entrada da cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, Zona Norte do Rio Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Um dos efeitos da pandemia da Covid-19 está sendo sentido, desde março do ano passado, no sistema carcerário. Apenas no Estado do Rio de Janeiro, 6.500 presos do regime semiaberto foram colocados na rua, sem monitoramento, nos últimos 12 meses. E isso aconteceu país afora: segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de junho do ano passado, até aquele mês mais de 32 mil detentos haviam deixado as cadeias para trás.

Há argumentos a favor da liberação dos detentos (dentro do presídio estariam mais expostos ao coronavírus) e contra a saída (fora do presídio estão mais expostos ao coronavírus). Minha questão é mais singela: quando ficar decidido que a pandemia acabou e é hora de suspender a liberdade compulsória dos presos, como botar de novo nos presídios essa multidão de condenados?

Pelo menos no Rio de Janeiro, os detentos liberados cumpriam pena em regime semiaberto, com benefícios como Trabalho Extra-Muros (TEM) e Visita Periódica ao Lar (VPL). Agora, estão todos em prisão domiciliar, ao menos em tese. A visita periódica virou permanente, ou quase. Não há controle sobre o que esses apenados — já que chamá-los de presos é um contrassenso — estão fazendo; podem estar se comportando exemplarmente, podem estar roubando, sequestrando, traficando, estuprando, matando, ninguém sabe. E o relógio das penas continua rodando. Ou seja, há uma boa probabilidade de que ex-futuros-talvez-detentos estejam delinquindo enquanto cumprem suas penas, numa bizarra modalidade de remição informal da pena.

Estarão protegidos contra a Covid-19, cumprindo as regras sanitárias, evitando as aglomerações, respeitando as leis? Impossível saber. Voltarão de maneira ordeira às penitenciárias quando forem convocados? Estariam mais protegidos dentro do sistema do que fora? Perguntas sem resposta.

Mas um fato é inescapável: são condenados cumprindo uma pena. Gostando-se ou não das medidas que os liberaram, isso não torna esses apenados menos ou mais criminosos. São pessoas que receberam uma pena e estão cumprindo o tempo que lhes foi imposto. Ou, pelo menos, deveriam. Cumprimento de pena sem controle do Estado vale?

A imputação da pena a um condenado não é um capricho estatal: é uma decisão, muitas vezes referendada por diversos magistrados, de que aquela pessoa deve receber uma reprimenda da sociedade por ter saído da linha. Se a reprimenda não reprime, que mensagem isso passa?

De novo, não importa se esses presos deveriam ter sido postos na rua ou não; eles receberam uma pena para ser cumprida, ponto. Se apenas será seguro o cumprimento dessa pena após a pandemia, ok, perfeito, sem problema. O que fica esquisito é o cumprimento da pena sem que seja possível saber o que esses detentos estão fazendo. E a incerteza se todos voltarão, mansamente, para cumprir o resto da sua dívida com a sociedade.