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Coluna | Uma faca e muita raiva bastaram para matar dois inocentes no Rio

Quem quer cometer um crime não desiste por falta de um instrumento que considere adequado
Facas apreendidas na Escócia Foto: Jeff J Mitchell / Getty Images
Facas apreendidas na Escócia Foto: Jeff J Mitchell / Getty Images

Marcelo Henrique Corrêa Reis e João Feliz de Carvalho Napoli foram mortos no último domingo na Lagoa, Zona Sul do Rio de Janeiro, um dos endereços mais caros e seguros da cidade. Os dois foram assassinados a facadas por um morador de rua. Na última segunda-feira, um homem foi preso em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, por assassinar o irmão. A facadas. Também na segunda-feira, na Zona Oeste do Rio, um homem invadiu um hospital para atacar a facadas um amigo. Faca, faca, faca. Se falta uma arma de fogo, mas sobra vontade de matar, ou roubar, ou agredir, até uma talhadeira de ferro , do tipo usado por pedreiros, serve.

No ano passado, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), 188 pessoas foram mortas a facadas no Estado do Rio. Bem pouco diante das 5.180 mortes violentas registradas. Essa proporção (4%), porém, provavelmente tem maior relação com quem mata — tráfico e milícia estão no topo do ranking dos autores de morte no Rio — do que com a disponibilidade de armas. Traficantes e milicianos, seja em confrontos, seja em justiçamentos, resolvem suas diferenças à bala. Desconheço se existe estudo ou estatística da proporção das mortes por armas de fogo causadas por cidadãos comuns, sem envolvimento com o crime organizado. Como também desconheço se há algum estudo recente mostrando quantos homicídios por arma de fogo foram cometidos usando armamento legal, registrado.

Nos Estados Unidos, onde o FBI tem estatísticas bastante detalhadas sobre o tipo de arma usada na morte, mais de 10% dos homicídios em 2017 foram cometidos com facas e outros objetos cortantes similares. E o que não falta nos EUA é arma de fogo.

No Rio, números do mesmo ISP mostram uma queda, no primeiro semestre deste ano, nas apreensões de pistolas e revólveres e um crescimento nas armas brancas apreendidas. Levando-se em conta que a polícia não apreende facas de cozinha a esmo, esses dados podem indicar um crescimento de crimes cometidos com facas e outros instrumentos similares. Em São Paulo, no primeiro semestre, também houve uma redução nas apreensões de armas de fogo, na comparação com o mesmo período de 2018.

Por outros caminhos, voltamos novamente a uma questão já abordada nesta coluna: quem quer cometer um crime não desiste por falta de um instrumento que considere adequado. Se não tem revólver, vai com faca; se falta faca, usa martelo, tijolo, caco de vidro, tesoura, barra de ferro, vergalhão de obra, canivete, o que estiver ao alcance da mão e da raiva. Quase 5% dos homicídios cometidos em 2017 nos Estados Unidos tiveram como arma as próprias mãos, punhos e pés dos assassinos.

Controlar as armas legais — e tirar de circulação as ilegais e quem carrega uma — é um fator importante para redução da violência. Mas se as pessoas não tiverem a noção de crime e castigo, mortes, roubos, estupros continuarão a ser cometidos como se fossem banalidades. Na última segunda-feira, na Baixada Fluminense, uma vendedora de balas foi morta com cinco tiros numa disputa, acredita a polícia, por ponto de venda em um semáforo. Quando algo assim vira motivo para um homicídio, é sinal de que nosso processo civilizatório parou no meio do caminho.