Época concordamos em discordar

Marcelo Madureira x Gregorio Duvivier, sobre fazer humor no Brasil

Dois humoristas de gerações diferentes discutem se o Brasil é o país da piada pronta, debatem o que pode e o que não pode ao fazer graça e riem por antecipação do que vem aí
Marcelo Madureira x Gregorio Duvivier Foto: Montagem sobre fotos: Joka Madruga/Seeb Curitiba/FecomércioPR/Divulgação
Marcelo Madureira x Gregorio Duvivier Foto: Montagem sobre fotos: Joka Madruga/Seeb Curitiba/FecomércioPR/Divulgação

Concordamos em discordar

Gregorio Duvivier, fluminense, 32 anos
O que faz e o que fez:
formado em teatro e letras, é um dos fundadores do canal de humor do YouTube Porta dos Fundos , apresentador e criador do programa GregNews , da HBO, e poeta

Marcelo Madureira, paranaense, 60 anos
O que faz e o que fez:
engenheiro de produção, é um dos fundadores do jornal humorístico O Planeta Diário , que depois se fundiu com a revista Casseta Popular , dando origem ao grupo Casseta & Planeta

O politicamente correto ajudou a eleger Jair Bolsonaro?

MARCELO MADUREIRA Parte do fenômeno “bolsonariano” é uma reação contra o politicamente correto. As pessoas estão de saco cheio do politicamente correto, da caça às bruxas, dessa agenda sexista, essa coisa toda. Elas estão de saco cheio. Tem havido uma supervalorização de bandeiras. As pessoas têm uma necessidade muito grande de carregar bandeiras, seja de gênero, opção religiosa, orientação sexual, o c... a quatro. Na questão fundamental, o que está em jogo é a liberdade do indivíduo. Acho que as pessoas intuíram isso.

GREGORIO DUVIVIER Não vejo qualquer relação. Essa é uma pauta que a imensa maioria do povo brasileiro desconhece. A eleição de Bolsonaro se deveu a seu carisma, que é imenso e inegável, aliado a uma indústria poderosa de notícias falsas. Se houvesse um campo “Justifique seu voto” na urna eletrônica, teria muita “mamadeira erótica” ( referência a uma notícia falsa que circulou durante a campanha, que dizia que o PT estava distribuindo nas escolas mamadeiras em formato de pênis ).

Quais são os temas proibidos hoje para um humorista?

MM Acho que não há um tema proibido. Mas acho curioso que os bolsonaristas radicais tenham muita dificuldade de entender piada. É meio que um pleonasmo, né? Bolsonarista radical. Eles não admitem nenhuma piada, coisa que o próprio Bolsonaro aceita, porque ele percebeu que foi eleito pelos antipetistas, não pelos bolsonaristas. Para essas pessoas, Bolsonaro está virando uma espécie de Deus, de líder. É um pessoal que tem um QI muito baixo.

GD Nenhum, que eu saiba.

Piadas com orientação sexual e com gênero ainda são aceitáveis? E com religião?

MM As questões que estão aí para o Brasil são muito urgentes. Falo de déficit público, saúde, educação... As pessoas vão relativizar essas coisas. Os homossexuais conseguem se organizar e se defender, e as minorias raciais também. Agora, a grande maioria da população, os muito pobres, não consegue. Eles são os grandes discriminados, são os mais ferrados. Se ficarem doentes, vão morrer. A grande minoria do Brasil é essa maioria que não tem nenhuma bandeira a não ser sua própria miséria. Eles não têm como se defender. Se o cara é branco e pobre, é o mais ferrado, porque não tem cota nenhuma. Isso explica o fenômeno Bolsonaro. Agora, acho bom para a democracia brasileira ter um governo de direita que seja razoavelmente bem-sucedido, ter uma alternância de poder, de ideias. Que ideia idiota é essa que um governo democrático só pode ser de esquerda? Essas bandeiras vão ficar secundarizadas em função da urgência. E não estou muito otimista que o governo seja capaz de resolvê-las. É diferente do PT, que era um partido, uma quadrilha organizada. Esses caras que vão entrar não conhecem a máquina pública e não são organizados, nem como quadrilha, nem como partido, nem como nada.

GD Claro! O que faz diferença é a abordagem, não o tema. Uma piada com raça pode ser racista ou antirracista. De modo geral, tento rir do que as pessoas fazem, não do que elas são. Nem sempre a distinção é fácil.

Os humoristas americanos batem muito mais nos políticos locais que os brasileiros. Os humoristas brasileiros são amarelões?

MM Não acho que seja covardia, amarelismo. Os humoristas brasileiros cometeram um erro crasso. Tenho o maior orgulho porque estou na lista negra dos lulistas e dos bolsonaristas, que é onde todo humorista deveria estar. O humorista deve fazer piada. Humorismo não é militância. Quando estava na Jovem Pan, me chamavam de esquerdopata e de fascista. Se Jesus Cristo fosse eleito, eu faria piada. Não sei, pode ser coisa da idade, mas acho que é um pessoal, do ponto de vista de preparo intelectual, fraco. Vivi a época da ditadura, sei o que é repressão de verdade, conheço gente que foi torturada, fui do Partidão ( PCdoB ), aprendi que o stalinismo é disfuncional. Se você pega a geração de humoristas que me precedeu — Millôr Fernandes, Ivan Lessa —, são p... pensadores, entendeu? Pessoas que jamais tiveram alinhamento. Os humoristas de hoje, acho que eles são bons, mas ser crítico da sociedade demanda um background maior. É muito rastaquera o posicionamento político de humoristas e artistas. É raso. Até de pessoas que são brilhantes, de um talento inquestionável. Mas isso não é um fenômeno só da cultura. Já vi entrevistas do Roberto Setúbal, do Itaú, em que a análise política é primária, do Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, também. No Brasil, o que falta é profundidade.

GD Não acho. A gente tem uma tradição antiga de humor político afiado e corajoso. Millôr, Sérgio Porto, Henfil, Luis Fernando Verissimo. Os grandes meios de comunicação é que, por aqui, sempre foram muito “amarelões”. O humorista sempre precisou romper uma série de barreiras para dizer o que pensa nos grandes canais.

Bolsonaro vai ser um alvo fácil de piada? Mais que Temer, Dilma e Lula? Por quê? Por que não?

MM É para competir. O Brasil é o paraíso dos humoristas. Imagina se eu tivesse de trabalhar na Noruega, na Dinamarca? Você ter uma Dilma Rousseff, um Michel Temer, um Fernando Collor, um José Sarney? É óbvio que Bolsonaro vai dar piada, essa obsessão dele com continência. Vai ser uma beleza para trabalhar.

GD Bolsonaro é uma piada. Não digo isso pejorativamente — inclusive essa é sua maior força. Fazer piada com uma piada é mais difícil. O humorista precisa concorrer com a realidade. O Temer, nesse sentido, com sua falta total de traquejo e carisma, representou uma era de ouro para o humorismo político.

O senhor acha que ele vai levar na esportiva ou fazer mimimi?

MM Acho que ele leva na esportiva. Ele é muito mais sagaz do que as pessoas imaginam. Ele criou uma persona do homofóbico radical que o ajudou num período para criar um nicho, trabalhando com as redes sociais. Hoje, por seu discurso e sua postura, ele é completamente diferente do Bolsonaro que disse que não estupraria a Maria do Rosário porque era muito feia. Ele mudou porque é sagaz, mas muitos bolsonaristas não entendem isso e jamais entenderão. Acho que ele tem bom humor, boas sacadas. Aquele café da manhã com o John Bolton é sensacional. Deu bolo na mão do cara, caneca quebrada, danoninho, isso é genial. Isso é de caso pensado.

GD Não dá pra criticá-lo por falta de humor. Isso é algo comum, aliás, à Alt-Right ( nome dado à nova extrema-direita nos Estados Unidos ). A nova direita não se leva tão a sério quanto a esquerda. Se ela faz rir, é outra coisa. Mas essa nova direita está tentando desesperadamente. Rodrigo Duterte, ( o presidente ) nas Filipinas, mata milhares e vai à TV fazer stand-up. Donald Trump é um bufão, parece um personagem do ator Sacha Baron Cohen, como Borat.

O senhor teme uma reação violenta dos apoiadores de Bolsonaro nas ruas e nas redes sociais?

MD É engraçado. Antigamente, em volta dos líderes petistas, tinha aqueles barbudos da esquerda. Agora, ao redor do Bolsonaro, é um bando de mocorongos. Dá medo, mas não estou muito preocupado com isso. Desde que não me espanquem.

GD Não temo nada, porque acho que não se faz humor com medo. Tenho a impressão, no entanto, de que a incitação à violência praticada diariamente pelo governo pode piorar o que já está péssimo. Armamentismo aliado a discurso de ódio nunca melhorou país nenhum.

Qual foi a melhor piada de 2018?

MM O que achei engraçado, mas melancólico, foi o Neymar na Copa do Mundo. Ele é a representação do Brasil contemporâneo. A única coisa que nos unia era o futebol, e agora nem isso une mais. A gente virou zombaria. Ridículo esse Neymar, incomparável com outros ídolos do futebol. No fundo, ele é igual ao Brasil, um país capotando. É isto: o Brasil é o Neymar caindo, fazendo cara de sofredor para a Bruna Marquezine e narrado pelo Galvão Bueno.

GD A saudade do Temer. As imitações do Marcelo Adnet. O ministério de Bolsonaro. Neymar rolando mundo afora.

Do que as pessoas darão risada no governo Bolsonaro?

MM As pessoas vão rir da figura de Bolsonaro e isso de trazer os militares para dentro do governo. Acho que os que ele está trazendo são competentes, mas durante muito tempo os militares ficaram com essa pecha de filhote da ditadura, gorila. Acho que isso mudou um pouco, mas o delírio militarista fica. Todo mundo vai começar a bater continência. Antigamente as pessoas entravam para movimento social, ONG, agora vão entrar para as Forças Armadas, ir ao Clube Militar, dizer que têm um primo reco. Esse lado marcial do governo, de bater continência e apresentar armas, vai ser motivo de galhofa. O Brasil não é para ser levado a sério.

GD Do próprio. Do ministério de imbecis. Do tio que votou no Bolsonaro por causa da mamadeira erótica e agora está desempregado.

Do que as pessoas não darão risada no governo Bolsonaro?

MM Não vão dar risada das reformas que devem ser feitas no Brasil. Não só a da Previdência, como a do Estado. As corporações que formam o Brasil, principalmente a maior de todas, o funcionalismo público, vão ter de se confrontar com a hora da verdade. Quebrou. O pessoal do setor público, que é altamente privilegiado, parcelas do empresariado que vivem do setor público, pessoas que vivem de bolsas. Vão ter de abrir mão de muitos de seus privilégios, principalmente o Judiciário. E isso vai trazer muito sangue e suor.

GD Do assassinato de ativistas. Do desmatamento. Da mudança climática. Do encarceramento em massa da população negra. Do genocídio nas periferias. Da morte de tantas mulheres em clínicas de aborto clandestino.