Época Bolsonaro

O que pensam os youtubers de Jair Bolsonaro?

Temas como aborto, globalismo e marxismo cultural dominam os vídeos dos youtubers recomendados pelo presidente eleito
O youtuber Nando Moura, recomendado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro Foto: Reprodução
O youtuber Nando Moura, recomendado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro Foto: Reprodução

Nesta semana, o presidente eleito Jair Bolsonaro indicou, via redes sociais, alguns canais do Youtube que seus apoiadores deveriam seguir. Na postagem, ele declara que seriam “grandes fontes de informação”. Todos os perfis sugeridos pelo capitão reformado, porém, pregam ideias conservadoras e religiosas ou chegam a flertar com teorias da conspiração e interpretações históricas questionáveis.

São, em sua maioria, canais nativos digitais, que fizeram nome na web há pouco tempo. Os seis nomes selecionados por Bolsonaro somam 5.115.255 seguidores apenas no Youtube. Eles são: Embaixada da Resistência, Tradutores de Direita, Olavo de Carvalho, Bernado Kuster, Diego Rox e Nando Moura.

Na lista, nenhum veículo de imprensa tradicional é citado. O endosso do novo presidente eleito, explícito ou não, a esses sites e canais no youtube, é estratégico dentro dos seus planos de se opor aos veículos tradicionais. De certa maneira, remete ao comportamento do presidente americano Donald Trump, que também elogia publicamente sites, como o portal "Breitbart", que são favoráveis ao seu governo enquanto desabona jornais de grande circulação.

Olavo de Carvalho, 508 234 inscritos

O filósofo brasileiro autoexilado no estado da Virgina, nos Estados Unidos, é provavelmente o nome mais importante para a formação da nova onda conservadora, que levou Bolsonaro à Presidência. Seus livros, como O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota e O imbecil coletivo são best-sellers, e os cursos de filosofia, que transmite via streaming de sua casa, angariam milhares de inscritos. Usuário ativo nas redes sociais, Olavo tem uma presença forte em Twitter, Facebook e Youtube, com milhares de curtidas, compartilhamentos e seguidores em cada um deles.

Olavo se tornou assim uma grande influência, não só para outros youtubers conservadores, como também para a família Bolsonaro. Os filhos do ex-capitão já declararam admiração pelo professor, e o patriarca do clã grava suas lives com cópias dos livros de Olavo decorando o cenário. Além disso, não é impossível descartar uma influência direta do filósofo no futuro governo. No dia 17 de outubro, o presidenciável fez uma ligação via Skype com Olavo e o analista político Felipe G. Martins. A conversa teria sido sobre os rumos do Brasil, e Bolsonaro escreveu um tweet afirmando que “muitas outras virão”.

Em vídeo postado após a vitória nas urnas, Olavo de Carvalho declarou ter sido sondado para ocupar o cargo de Ministro da Educação e da Cultura, mas recusou. Na mesma publicação, ele comenta se considerar apto para o cargo de embaixador nos EUA.

Durante a eleição, Olavo criou e espalhou uma fake news sobre o candidato Fernando Haddad, do PT. Em uma publicação nas redes sociais, o filósofo afirmou que o petista teria defendido o incesto no livro Em defesa do socialismo , publicado em 1998. “O homem quer que os meninos comam suas mães”, escreveu Olavo no Facebook. Posteriormente, ele deletou o post e disse que Haddad não teria sido "literal" na defesa do incesto. A informação falsa foi republicada por Carlos Bolsonaro, no Twitter.

Olavo de Carvalho, em vídeo de seu canal de youtube Foto: Reprodução
Olavo de Carvalho, em vídeo de seu canal de youtube Foto: Reprodução

Bernardo Küster, 541 465 inscritos

Bernardo Küster é um dos principais youtubers católicos do país, e deu início ao seu canal há cerca de um ano. Em setembro, durante a eleição, Bernardo foi um dos três entrevistadores de Jair Bolsonaro em uma transmissão ao vivo feita no Facebook oficial do então candidato. Acompanhado de outros dois digital influencers da direita, Allan do Santos, do canal Terça Livre, e Flávio Morgenstern, do site Senso Incomum, Küster esteve na casa de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, no horário originalmente marcado para a sabatina do então presidenciável na GloboNews.

No canal, Küster costuma atacar defensores do aborto, da "ideologia de gênero", de Paulo Freire, da CNBB e do PT. Normalmente, as críticas vêm acompanhadas de recursos típicos dos youtubers, como inserções de clipes e vídeos de humor. Bastante presente nas redes sociais, Küster escolheu para decorar a página do seu canal uma imagem de si próprio segurando uma arma.  No Instagram, ele posa junto do príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança, da deputada do PSL Joice Hasselman, e de membros da AfD, partido alemão de extrema direita, além de Jair Bolsonaro. Bernardo também tem uma conta no Gab, rede social que ficou conhecida como reduto da alt-right.

Em vídeo recente, em que aparece criticando as perguntas da última prova do Enem, Küster também atacou o tucano Paulo Renato Souza, ministro da Educação no anos FHC e um dos criadores do exame. Morto em 2011, o ex-funcionário do Banco Mundial seria, segundo o youtuber, um agente do globalismo (um conceito caro a Küster e a Olavo de Carvalho), cuja influência ajudou a "ferrar a educação brasileira". É um conceito que aparece também em uma de suas primeiras postagens,  quando o youtuber decidiu explicar do que se tratava o termo, escolhendo como alvo o bilionário George Soros, a quem chamou de "mau caráter", "judeu antissemita", e financiador da "esquerdista Hillary Clinton" e do "mimimi climático".

Imagem postada pelo presidente eleito em suas redes sociais Foto: Reprodução
Imagem postada pelo presidente eleito em suas redes sociais Foto: Reprodução

No entanto, o assunto predominante no canal é a religião católica, principalmente quando se trata de críticas a defensores do aborto e da Teologia da Libertação, corrente filosófica que vê nos ensinamentos de Jesus Cristo meios de libertação das injustiças sociais. A popularidade de Bernardo na rede disparou com um vídeo em que apontava o dedo para um de seus principais inimigos: a CNBB, que vê como sendo um antro de comunistas adeptos dessa corrente de pensamento. Hoje em dia, ele diz, a Conferência Nacional dos Bispos estaria sobre forte influência do Partido dos Trabalhadores, assim como dezenas de padres brasileiros seriam na verdade "esquerdistas" heréticos.

Nando Moura, 2 922 529 inscritos

No Youtube desde 2011, o músico e produtor Nando Moura começou a usar seu canal como uma forma de divulgação da sua banda Pandora 101.  Seu primeiro vídeo sobre política foi apenas em 2015, sobre a posse da ex-presidente Dilma Rouseff. Nele, o youtuber crítica a posse, e chama Dilma 3 vezes, em menos de 2 minutos, de “presidanta” antes de citar seu nome pela primeira vez.

Uma mistura de antipetismo e críticas à ritmos musicais como funk e sertanejo foram os temas que impulsionaram o canal do rockeiro. Entre vídeos com críticas ao governo federal e vídeo-aulas de músicas, Nando Moura começou a atingir um público jovem que se alinha a um pensamento conservador.Mais recentemente, não apenas a mídia tradicional começou a ser atacada por Nando Moura. Colegas youtubers que possuem canais dedicados a ciência e a tecnologia também começaram a receber críticas pesadas e perseguições pelo fãs do músicos. Pirula e Leon Martins foram alguns que entraram no radar de Nando Moura.

Outra linha de pensamento  muito controversa de Nando é de que o Nazismo seria um movimento de esquerda e ligado ao comunismo. “Qual o paralelo que você consegue fazer de Hitler com os ícones da direita?Você vai ver os maiores especialistas da história mundial dizendo: sim, o nazismo era de extrema esquerda. Mas você não pode ensinar aqueles que não querem aprender, né?!”

Nando Moura é um dos muitos youtubers, entre eles Bernardo Kuster e Olavo de Carvalho, que difundem seu pensamento conservador através de uma livraria online própria. Em muitos vídeos ele cita diversos títulos que ele mesmo vende. Outro meio de monetizar o conteúdo foi criar um curso online sobre os assuntos que trata no canal. Denominada de “MasterClass”, o curso teve duração de 6 meses e começou em dezembro do ano passado.  Os conteúdos abordados foram de repertório musical, mídias sociais a “Guerra cultural: ascensão do conservadorismo”. O pacote do curso custava R$ 57, 80 e não está mais disponível para ser adquirido. Porém, em sites de compras e vendas onlines, há anúncios vendendo o conteúdo dos vídeos a partir de R$ 18.

Diego Rox, 935 216 inscritos

Outro Youtuber recomendado pelo presidente eleito foi Diego Rox, que pode ser definido como uma fusão entre outros dois, também sugeridos por Bolsonaro: Nando Moura, pelo seu lado musical, e Bernardo Kuster, pelo seu lado religioso.

No youtube apenas há dois anos, somente em janeiro deste aconteceu a primeira manifestação de Diego sobre política, em um vídeo sobre “inversão de valores” em que diz que atualmente, no Brasil, “pedofilia virou arte”, além de criticar Marcelo Crivella, prefeito do Rio, por ter liberado dinheiro para o carnaval carioca enquanto a Polícia Militar do Estado sofre com falta de verbas.

"Eu vou começar esse video aqui falando sobre a Bíblia, mas pode ficar tranquilo que eu não vou dar uma de pastor e começar a pregar para você. Mesmo que você diga não acreditar em Deus, vou pedir para você pensar na Bíblia como um livro de história", disse na abertura de um vídeo em que uma passagem da bíblia supostamente previa as crises humanitárias da Síria e Venezuela.

Tradutores de Direita e Embaixada da Resistência

Dos seis canais listados por Bolsonaro como confiáveis, dois são dedicados a tradução e reprodução de conteúdo estrangeiro. Tanto no Tradutores de Direita quanto no Embaixada da Resistência, trechos de noticiários e programas da FOX News, canal da televisão americana tido como conservador e republicano, são favoritos e compõem boa parte dos uploads.

Veículos da mídia alternativa, em sua maioria ligados ao que se convencionou chamar de alt-right , também tem presença cativa. Fora isso, apenas o Embaixada da Resistência costuma publicar o que parece ser material próprio. São vídeos construídos a partir de contéudo de outros canais do Youtube, programas de TV e propagandas políticas. Há também vídeos feitos para estrangeiros, com legendas em inglês, como um que chama Bolsonaro de o "Trump Brasileiro" e junta diversas falas do novo presidente.

São comuns os vídeos com inglês Paul Joseph Watson, editor do site "Infowars", do apresentador Alex Jones. Adepto de teorias da conspiração, como a Nova Ordem Mundial e Illuminiatis, Watson ganhou fama na web quando passou a atacar o feminismo, o islamismo e o multiculturalismo em geral. Defensor de Donald Trump, seus vídeos disponíveis no Tradutores de Direita tem títulos como "Pedófilos governam o mundo" e"Justin Trudeau é um idiota". Outras figuras ligadas a alt-right também dão as caras nos canais, entre eles o professor Jordan Petterson e o escritor Stefan Molyneux.