Época Henrique Balbi

Onda Bolsonaro pode mover os moinhos do combalido mercado editorial

Livros-reportagens, coletâneas do besteirol oficial e até uma reimaginação de Monteiro Lobato, com Reinações de Jairzinho no Sìtio do Pica-pau Laranja, são algumas sugestões para surfar essa onda e sua inevitável ressaca
Onda Bolsonaro pode mover os moinhos do combalido mercado editorial Foto: Jens Magnusson / Getty Images
Onda Bolsonaro pode mover os moinhos do combalido mercado editorial Foto: Jens Magnusson / Getty Images

Em coluna recente em ÉPOCA , o jornalista Helio Gurovitz clamava que se deixasse de lamúrias pelo possível e provável fim das grandes cadeias de livrarias. Para Gurovitz, inspirado pelas facilidades dos e-books e pelo historiador Robert Darnton, o negócio do livro é como qualquer outro – impiedoso, mas nada fatalista, visto que se abre para reinvenções e inovações. Só é preciso saber agarrar as oportunidades.

Pois creio que a onda Bolsonaro é uma delas. Não me refiro às hagiografias que o oportunismo possa fazer do presidente e de seus próximos; também não estou pensando no que outro colunista de ÉPOCA, Daniel Salgado, chamou de boom editorial conservador , puxado por um dos gurus de Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Tanto uma iniciativa quanto outra, agora, são mera bajulação do poder. Isso pode até render cargos no governo ou favores e vantagens, mas a longo prazo é um tiro no pé do mercado editorial, onde deve haver ao menos alguns oásis de pensamento crítico.

Para o mercado editorial, aproveitar a onda Bolsonaro não precisa ser, necessariamente, submissão ao governo. Basta considerar os exemplos estrangeiros. Donald Trump se provou assunto rentável, tanto no quesito financeiro quanto crítico, em livros-reportagens contundentes. Primeiro veio Fogo e fúria , de Michael Wolff, aqui publicado pela Objetiva. Depois, Medo: Trump na Casa Branca , de Bob Woodward, lançado no Brasil pela Todavia.

Em ambos, sobressai a imagem de um governo errático, marcado por disputas internas que mal encontram coesão na figura de um líder carismático e pouquíssimo preparado para o cargo e suas responsabilidades. Imaginem uma versão brasileira. A julgar pelo bate-cabeça da transição e da primeira semana de Bolsonaro na Presidência, já existe material suficiente para uma série de livros-reportagens mais extensa que a saga Harry Potter .

Outro terreno fértil para o mercado editorial é a sátira. Marcos Augusto Gonçalves foi certeiro ao comentar que Bolsonaro e alguns de seus ministros contribuem para o Febeapá (Festival de Besteiras que Assolam o País), conforme a coletânea de Stanislaw Ponte Preta, numa espécie de reedição ou recriação involuntária, ao vivo e a cores (em rosa ou azul, tanto faz). Como a produção de declarações absurdas e desconexas da realidade parece não conhecer crise alguma, é melhor já ir reunindo todas. Sugestão editorial: papel-bíblia, bem fino, para as centenas e centenas de páginas não tornarem o livro pesado demais.

Ainda no campo da sátira, mas desviando um pouco do mercado editorial, penso que a onda Bolsonaro também é uma ótima oportunidade para a imprensa debochada. Além da falta de dinheiro, não vejo razões por que não fundar um jornal dedicado à inglória tarefa de tirar sarro do governo – inglória devido à competição desleal, já que os próprios governantes parecem firmemente comprometidos com o ridículo.

Um amigo, francófilo, sugeriu algo na linha de Le canard enchâiné , jornal satírico de Paris que também traz reportagens investigativas, uma forma de suprir tanto as demandas do riso quanto as do juízo. Ou, se preferirmos o produto nacional, o novo veículo poderia se inspirar no Pasquim – ele, sim, algo do Brasil de 50 anos atrás que deveria ser recuperado. Tenho até uma ideia de título: A Mamata . Os leitores chegariam às bancas, ávidos pelo novo exemplar do jornal mais despeitado da República, e ouviriam:

A Mamata acabou – lamentaria o dono da banca. – Esgotado de novo.

Mas até aqui todas as dicas para reanimar o mercado editorial foram muito jornalísticas, excessivamente não ficcionais. E a imaginação? E a literatura? Será que os descalabros bolsonaristas contaminaram não só a capacidade de imaginar um futuro diferente, melhor que o passado, mas também a capacidade de sonhar?

Creio que ainda não. A última dica talvez prove isso, incluindo, ainda por cima, a literatura infantil na jogada. Afinal, em 2019 a obra de Monteiro Lobato entra em domínio público. Que tal uma releitura aplicada à suposta nova era, de que tanto falam os fanáticos pelo presidente?

Tenho até um título: Reinações de Jairzinho no Sítio do Pica-pau Laranja . Nessa coletânea, Jairzinho se depararia com aventuras estrambólicas, como explicar por que o tal Pica-pau Laranja só aparecia em datas próximas ao pagamento de salários dos servidores da Alerj, trazendo presentes para a família do protagonista.

Em outra aventura, Jairzinho conheceria a história do Sítio, outrora terra indígena, agora violenta e burocraticamente roubada de quem a ocupava por direito originário. Jairzinho estrelaria vários episódios, em que precisaria lidar com figuras como o Maiarquês de Rabicó, roliço articulador político, representante das velhas raposas que tornaram o Sítio sua segunda casa, ou então como o Visconde de Carvalhosa, excêntrico boneco que tomou vida e vive a alertar Jairzinho dos perigos do marxismo cultural:

– Expulsa daqui esse comunista! – diria, apontando com seu cachimbo para a carapuça do Saci-Pererê.

Como se vê, a onda Bolsonaro pode muito bem mover os moinhos do combalido mercado editorial brasileiro. Basta prestar atenção nas oportunidades e capturá-las com livros que aproveitem tanto a crista da onda quanto a sua ressaca – que, mais cedo ou mais tarde, virá.