Época cultura

Qual a herança das jornadas de junho de 2013?

Debate reuniu Helio Gurovitz, Pablo Ortellado e Bernardo Mello Franco na Casa de Não Ficção ÉPOCA & Vogue, na Flip 2018
Helio Gurovitz, Pablo Ortellado e Bernardo Mello Franco falam sobre os protestos que marcaram o Brasil em 2013 Foto: Foto: Marcelo Saraiva Chaves
Helio Gurovitz, Pablo Ortellado e Bernardo Mello Franco falam sobre os protestos que marcaram o Brasil em 2013 Foto: Foto: Marcelo Saraiva Chaves

Na manhã desta sexta-feira (27), a Casa de Não Ficção ÉPOCA & Vogue discutiu a herança dos Jornadas de Junho. O filósofo Pablo Ortellado e os colunistas Helio Gurovitz, de ÉPOCA, e Bernardo Mello Franco, do jornal O GLOBO , conversaram sobre o significado das manifestações de junho de 2013 e sobre como a energia das ruas continua pautando a política brasileira. Os black blocs , o impeachment de Dilma Rousseff e a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência também ponturam a conversa.

Mello Franco desafiou seus companheiros de mesa a explicar o que permance, em 2018, das Jorandas de Junho. Ortellado quis contextualizar: ele disse que as manifestações  tornam menos enigmáticas se nos lembrarmos das várias revoltas contra aumento das passagens de ônibus que ocorreram em metrópoles como Salvador, Florianópolis, Vitória e Brasília desde 2003. "Junho de 2013 não foi um raio em céu azul. As revoltas desde 2003 tinham as mesmas características: organização horizontal de jovens das periferias que bloqueavam as cidades", afirmou. "Em 2013, a mobilização urbana transbordou e se transformou num levante da sociedade contra o Estado. Nesse sentido, Junho está ligado aos protestos que aconteceram no mundo em 2011, como a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street ."

O colunista Helio Gurovitz durante o debate Foto: Foto: Marcelo Saraiva Chaves
O colunista Helio Gurovitz durante o debate Foto: Foto: Marcelo Saraiva Chaves

Esses levantes da sociedade contra o Estado têm consequências semelhantes: a negação aos partidos políticos resultou na polarização e numa espécie de "anarcopopulismo", disse Ortellado. Ele citou pesquisas que mostram que, em 2013, as páginas nas redes sociais de movimentos que hoje pertencem a extremos opostos do espectro político, como o feminismo e o movimento anticorrupção, eram, na verdade, bastante interligadas. A polarização não estava nas ruas, veio depois, fruto da atuação política de alguns grupos e partidos. "Tudo o que a polarização toca divide a sociedade e resulta em posições automáticas, o que é muito prejudicial para a esfera pública e o debate democrático."

Gurovitz concordou que Junho começou bem antes, mas citou alguns exemplos mais antigos de divisão social. "A polarização é anterior. O discurso eleitoral petista era muito divisivo. O que aconteceu em 2013 foi uma reação a uma determinada configuração política na sociedade brasileira em torno de governos de centro-esquerda", afirmou. Gurovitz também apontou paralelos entre os protestos brasileiros e as revoltas internacionais que fortaleceram movimentos populistas, à direita e à esquerda. "No começo dos anos 2000, o Brasil começou a enriquecer e a combater a desigualdade. Determinada camada da população começou a ter acesso: de eletrodoméstico à universidade. Mas, em 2008, houve uma ruptura no mundo. Um seguimento da população se viu frustrado, porque não havia mais riqueza a ser dividida. A consequência disso é um problema muito grande, porque a transformação se transforma em ressentimento. E o ressentido pede vingança, exige reparação. Daí o crescimento dos movimentos populistas na Europa, por exemplo. Cresceram sobre o ressentimento da população."

Ortellado e Gurovitz concordaram que a esquerda foi quem mais perdeu em junho de 2013. "A direita descobriu que a rua dava legitimidade política e o impeachment também foi consequência disso. Em 2013, Dilma perdeu apoio político e popular. A gente não sabia se ela ia cair ou não, mas sabia que o governo tinha acabado, que ela não ia mais conseguir governar", disse. Dilma caiu, mas Temer também não foi capaz de governar e amarga níveis alarmantes de reprovação popular. Ortellado afirmou que Temer, diferentemente de Dilma, não caiu porque os atores políticos capazes de chamar mobilizações preferiram deixar as ruas vazias. O susto de 2013 tinha sido suficiente. "Temer uniu o Brasil contra ele, mas uniu justamente porque não mobiliza. A capacidade de automobilização da sociedade se perdeu. Se tornou refém de grupos políticos a quem não interessava a queda de Temer. Por isso ele não caiu. A sociedade se fragmentou, se polarizou, porque se submeteu a forças de interesse político-partidário", explicou.

Quase ao fim do debate, Melo Franco perguntou se Bolsonaro, que personificou o populismo de direita brasileiro, é uma das consequências das Jornadas de Junho. "Acho que é", arriscou Ortellado. "Bolsonaro é um único candidato antissistema. É o único cara que está jogando sozinho, com apoio espontâneo. Ele é um fenômeno vivo e muito perigoso da socidade brasileira. Por isso, não pode ser desprezado.". "Bolsonaro é uma corrente que sempre esteve viva na sociedade brasileira e que às vezes se manifesta: a corrente autoritária. Ele galvaniza esse sentimento de revolta contra 'tudo isso que está aí'. E o que é 'tudo isso que está aí'? É o que você quiser! Bolsonaro é um teste para nossas instituições. Nestas eleições, o Brasil vai passar por uma prova de fogo. Vamos saber quem nós somos mesmo, se somos capazes de escolher um caminho menos histriônico", disse Gurovitz, interrompido algumas vezes por gente na plateia que criticava a TV Globo.