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Época Sociedade 1126

'Bond touch', a pulseirinha do amor

Como o acessório se transformou no novo “anel de compromisso” dos jovens casais
­ Foto: Arte de Gustavo Amaral
­ Foto: Arte de Gustavo Amaral

Com olhos de lince, típicos dos fãs mais apaixonados, alguns seguidores de Camila Cabello e Shawn Mendes notaram recentemente um detalhe novo no visual do casal de cantores. Shawmila — como foi apelidada a dupla, pela contração dos nomes — levava no pulso uma pulseira diferente. Millie Bobby Brown, de 15 anos, a Eleven da série Stranger things , da Netflix, publicou no Instagram em 4 de janeiro uma foto em que aparece usando o mesmo acessório. Diante dessa espécie moderna de anel de compromisso, a pergunta se impôs: quem estaria usando o bracelete correspondente ao dela? Poucos dias depois, ela anunciaria o namoro com Joseph Robinson, de 17 anos, filho de um popular jogador de rúgbi. Não demorou para que o acessório secreto fosse revelado: uma pulseira eletrônica inventada para ajudar quem vive um relacionamento à distância.

O nome do objeto que conseguiu a proeza de tornar insuficientes os milhares de ferramentas de relacionamento contidos em aparelhos celulares e smartwatches é Bond Touch, da empresa Impossible, que tem sede no Vale do Silício e também em Portugal — em português, a tradução mais próxima para o produto é “toque de união”. Apesar de constar no figurino das celebridades, o preço cabe no orçamento de outros públicos: um conjunto de duas pulseiras sai por US$ 98 (cerca de R$ 420). O material é simples, emborrachado, o que garante que seja à prova d’água, e o design faz lembrar aqueles modelos frequentes nas academias para monitoramento de batimentos cardíacos. Mas a função do retângulo disposto em cima da pele se restringe a vibrar e piscar uma luz colorida, o que acontece sob comando da pessoa amada. Quando um dos usuários toca em sua pulseira, o outro recebe instantaneamente o estímulo no pulso, com a intensidade e a cor escolhidas pelo remetente.

A pulseira foi lançada em 2017, mas só agora, já em sua segunda versão, com o empurrão das celebridades, tornou-se moda. Em razão da popularidade, sobretudo nos Estados Unidos, também passou a despertar a curiosidade de estudiosos sobre até onde vai a necessidade dos casais de aderir a novos formatos virtuais de relacionamento. Para a psicanalista Regina Navarro, contudo, o produto significa um retrocesso na evolução das relações amorosas. “Isso é um horror”, sentenciou a autora de Novas formas de amar (Planeta). “Está na contramão de tudo que a gente está começando a perceber nos relacionamentos. O amor romântico está dando sinais de sair de cena.” Por “tudo” a escritora entende tendências como relacionamento aberto e poliamor, que ganharam força nos últimos anos. “Essa pulseira reforça a ideia de controle, de uma coisa monitorada o tempo todo, e um namoro à distância tem chance de funcionar bem desde que você rompa com esse modelo e privilegie os momentos em que estão juntos”, avaliou Navarro.

“O poder da pulseira se resume a vibrar e piscar uma luz colorida, o que acontece sob comando da pessoa amada. Quando tocada, a pulseira emite instantaneamente o estímulo no pulso do outro usuário, com a intensidade e a cor escolhidas pelo remetente”

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O psiquiatra Daniel Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, tem uma visão menos fatalista do novo gadget. “Não vejo como ruim uma outra possibilidade de se conectar com alguém de quem você gosta, mas toda tecnologia traz benefícios e problemas. Para alguns, sem dúvida, isso pode escorregar para uma coisa de monitoramento. Só que não é a pulseira que gera isso, é uma questão anterior”, ponderou o médico.

A possibilidade de uma nova forma de vigilância tem feito o produto ser procurado também por famílias, afirmou Joana Caramba, chefe de Comunicação da fabricante. Além dos casais, o interesse vem principalmente de pais de universitários que acabaram de sair de casa para morar no campus , uma tradição nos Estados Unidos — país que é o maior mercado do produto, seguido de Canadá, Austrália, Reino Unido e Alemanha. No Brasil, é possível encomendar as pulseiras pela Amazon, com custo adicional de frete.

Para a mensagem ficar mais completa, é comum que, informalmente, os usuários combinem códigos adicionais. Três batidas, por exemplo, significam “Eu te amo” para John de los Reyes, morador de Manteca, e sua namorada, Rosie, de Los Angeles — a distância entre as duas cidades da Califórnia é de mais de 530 quilômetros, uma viagem de carro de cinco horas. Duas pressionadas querem dizer “Cheguei bem em casa”, enquanto cinco são para avisar que entraram no trabalho. Já um toque único e mais longo vale por um abraço. As cores também estão acertadas: roxo para ela e verde para ele, seus respectivos tons preferidos. “Como nem todos podem ter acesso ao telefone o tempo todo, como é para mim quando estou no trabalho, poder enviar os toques me deixa com um sorriso no rosto”, contou Reyes. O bem-estar sensorial também é descrito pela dona de casa Carrie McCurdy, de 56 anos, de Edmonton, Canadá. Ela decidiu comprar um kit para dividir com o marido, que viaja muito a trabalho — a iniciativa parte da mulher em 80% das vendas, segundo dados da empresa.

Camila Cabello e Shawn Mendes. O casal de cantores aderiu à pulseira que, logo depois, se tornou febre entre jovens nos Estados Unidos. Foto: John Shearer / Getty Images for dcp
Camila Cabello e Shawn Mendes. O casal de cantores aderiu à pulseira que, logo depois, se tornou febre entre jovens nos Estados Unidos. Foto: John Shearer / Getty Images for dcp

Além das questões do trabalho, não precisar da tela do celular para fazer contato também é útil para quem frequenta locais que proíbem o uso, como escolas e universidades — e o público-alvo da fabricante, definido entre 18 e 30 anos, está em boa parte nessa etapa da vida. A pulseira exige conexão ativada de Bluetooth e internet via Wi-Fi ou pacote de dados. É assim que o tremelique amoroso consegue atingir seu destinatário em qualquer parte do mundo. É possível saber a localização do usuário, como está o tempo naquele local e quanto falta para sua bateria acabar.

Mas o que é motivo de satisfação também pode ter seu lado cruel. Para os controladores, se na outra ponta da pulseira houver um silêncio, não há desculpa que possa solucionar o sentimento de frustração. A estudante Lauren Heffner, de 18 anos, de Santa Cruz, Califórnia, usa a pulseira com o namorado, que vive a meio país de distância, no Texas, a mais de 3 mil quilômetros. “Se ele for controlador, se tornará um dispositivo de abuso em vez de amor.”