Esportes

Conheça os desafios no caminho das mulheres que atuam na gestão esportiva no Brasil

Apesar do ganho de espaço na área, falta de dados e demora de projetos atrapalham evolução
Isabel Swan é coordenadora da área de Mulher no Esporte do Comitê Olímpico Brasileiro Foto: Divulgação
Isabel Swan é coordenadora da área de Mulher no Esporte do Comitê Olímpico Brasileiro Foto: Divulgação

Quando assumiu a coordenação da área de Mulher no Esporte do Comitê Olímpico do Brasil (COB), em julho passado, a ex-velejadora Isabel Swan se deparou com um desafio: entender as necessidades do universo esportivo feminino, especialmente das atletas. Mas a medalhista de bronze em Pequim-2008 esbarrou em um problema: a falta de dados. Por isso, decidiu ir a campo, conversar com elas e, assim, diagnosticar quais eram seus anseios e dificuldades.

— As mulheres querem enxergar uma carreira e ter um treinador de confiança. E o déficit de mulheres entre treinadoras e cargos de gestão é enorme — observa Isabel. — Somos e temos necessidades diferentes e isso já é mais do que sabido. A mulher, primeiro, precisa se sentir incluída e enxergada para depois apresentar resultados relevantes. O homem, não. Ele busca o resultado para ser incluído.

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Para Swan, a presença e a representatividade feminina nas comissões técnicas são fundamentais. Algo que ela mesma sentiu na pele, já que no início na vela, “não se sentia incluída, vista e valorizada”. Por causa do ambiente dominado por homens, chegou a ir para o vôlei, mas voltou para os mares por influência da família.

A ex-velejadora explica que hoje há, no Brasil, mais treinadoras mulheres na base, na iniciação esportiva, do que no alto rendimento. Ainda assim, destaca que em Tóquio-2020, o Time Brasil teve 26% de mulheres nas comissões técnicas.

Quando o assunto é a presença feminina na gestão do esporte, o Comitê Olímpico Internacional (COI) aconselha, segundo políticas de equidade, que haja ao menos 30% de mulheres em cargos dos conselhos, como administrativo e fiscal, e de tomada de decisão. Essa luta por representatividade ainda será longa:

— O sistema esportivo brasileiro ainda é dominado pelos homens. Entendo a necessidade de novas diretrizes, como por exemplo a do COI, da qual nos pautamos. Até porque é preciso representatividade, e este é um caminho que não se alcança da noite para o dia.

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O Departamento de Mulher no Esporte do COB tem desenvolvido ferramentas para auxiliar as confederações nacionais a serem mais inclusivas. Um diagnóstico está em progresso. A ideia, segundo ela, é estimular as confederações a investirem nas mulheres em programas específicos. Ações no âmbito da gestão serão confirmadas no meio do ano.

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Programa parado

O problema é que mesmo quando há projetos e ações, nem sempre há investimentos e apoio. Em julho de 2020, as ex-atletas Poliana Okimoto e Maressa Nogueira, atualmente gestora na Unisanta, desenvolveram projeto para a natação feminina —do desenvolvimento de atletas até capacitação de gestoras. Mas, até agora, não obtiveram resposta do COB nem da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Elas arregaçaram as mangas após polêmica da primeira Missão Europa daquele ano, organizada pelo COB, quando apenas atletas homens da natação viajaram para treinos em Portugal.

— Nosso projeto ficou redondo, baseado em muitas vertentes e pilares. O COB gostou bastante, mas infelizmente não foi para frente. Fico até chateada. Entendo que teve a pandemia, mas agora já poderia estar acontecendo — lamenta Poliana.

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Renato Cordani, vice-presidente da CBDA, afirmou que o projeto não está previsto para o orçamento de cerca de R$ 9 milhões da CBDA, verba oriunda do repasse da Lei Agnelo Piva. A entidade não movimenta o dinheiro diretamente porque ainda está impedida de receber recursos públicos. É o COB que gerencia a aplicação, segundo demanda a CBDA, sendo que 100% precisa ser usado para a “atividade final” — ou seja, pode contemplar projetos de desenvolvimento e de alto rendimento, mas não para eventos master nem para custeio administrativo.

Cordani, porém, diz que não “consegue encaixar" o projeto na verba oriunda da Lei Agnelo Piva porque “não contempla apenas o alto rendimento”. Mas que, ao menos, fez ajustes para que as mulheres tenham mais chances de classificação para Mundiais. Ele lembra que entidade não tem patrocínio.

— Podem te dizer que eu conseguiria contemplar o projeto com esta verba da CBDA mas, para mim, sempre dizem não. Depois que elas entregaram o projeto, entramos na pandemia, Poliana teve bebê e Maressa está trabalhando numa universidade. Não estão disponíveis. E também não tenho dinheiro para o projeto. Não tenho dinheiro para nada. Ainda assim, estamos em conversa com o COB para que o projeto de desenvolvimento da natação feminina saia do papel.

O GLOBO apurou que projeto para a natação feminina, com alcance comprometido, deverá sair do papel apenas com a verba extra do COB, também oriunda da Lei Piva. Poucas mudanças de terminologias poderiam ter sido feitas para que este entrasse na lista destacada da CBDA. Mas isso não ocorreu.

Investir em projetos para a mulher atleta também é estratégico no âmbito esportivo. Paris-2024 será os Jogos da equidade, com 50% de atletas homens e 50% de mulheres pela primeira vez. Para isso, vagas vêm sendo abertas em modalidades como boxes, levantamento de peso, além de provas mistas na natação, judô e vela.

— Absorver políticas de equidade é uma movimentação global, a tendência do momento. É para onde podemos crescer se pensarmos em resultados esportivos — afirma Jorge Bichara, diretor de Esportes do COB. — Há muito a evoluir, há campo para isso.

Busca por dados

Isabel Swan não está sozinha quando conta que um de seus desafios é lidar com a falta de diagnóstico sobre a realidade das mulheres que atuam em diversas áreas do esporte — de atletas e treinadoras aos cargos de gestão.

Com poucos dados, é difícil entender as barreiras e os gargalos que impedem mais mulheres de chegarem ao topo da cadeia e o esporte feminino decolar em todos os setores. Isso foi o que motivou o projeto “Mulheres do Esporte” a conduzir um estudo inédito sobre a presença e a atuação feminina no mercado esportivo brasileiro. O objetivo é lançá-lo ainda este mês.

— A ideia é lançarmos todo ano um novo relatório com dados que mostrem se evoluímos ou não, e identificar os problemas — conta Renata Lopes, fundadora do projeto — Tivemos um impacto grande do esporte feminino em Tóquio (conquistou mais de 40% das medalhas brasileiras). Mas precisamos entender o que essa evolução significa para todas as mulheres do meio.